DEPARTAMENTO DE
TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO
NÚCLEO DE REDAÇÃO
FINAL EM COMISSÕES
TEXTO COM REDAÇÃO
FINAL
ENERGIA ELETRICA:
TARIFAÇO E CISÃO DE GERADORAS
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EVENTO:
Seminário
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N°:
344/2002
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DATA:
7/5/2002
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INÍCIO:
10h30min
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TÉRMINO:
13h49min
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DURAÇÃO:
3h19min
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TEMPO
DE GRAVAÇÃO: 3h23min
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PÁGINAS:
85
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QUARTOS:
21
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REVISÃO:
Antonio Morgado, Gilberto, Lia, Marlúcia
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SUPERVISÃO:
J. Carlos, Letícia, Myrinha
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CONCATENAÇÃO:
Débora
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DEPOENTE/CONVIDADO
QUALIFICAÇÃO
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LUIZ
PINGUELLI ROSA Diretor da Coordenação de Pós-Graduação e Pesquisa de
Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro COPPE.
ILDO
SAUER Coordenador de Pós-Graduação em Energia da Universidade de São Paulo.
MAURÍCIO
TIOMNO TOLMASQUIM Presidente da Sociedade Brasileira de Planejamento
Energético.
ROBERTO
ARAÚJO Diretor do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Elétrico
Ilumina.
JOÃO
PAULO MARANHÃO DE AGUIAR Diretor do Instituto Ilumina.
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SUMÁRIO:
O Tarifaço de Energia Elétrica e a Cisão de Geradoras.
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Há
exibição de imagens.
Há
orador não-identificado.
Há
intervenção inaudível.
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O SR.
PRESIDENTE (Deputado
Luiz Antonio Fleury) - Minhas senhoras, meus senhores, bom dia. Estamos dando
início neste momento ao seminário que trata da questão do tarifaço imposto pela
Medida Provisória nº 14 e suas repercussões em relação à população brasileira.
Convidamos
para integrar a Mesa os membros do primeiro painel de hoje: Prof. Luiz
Pinguelli Rosa, Diretor da Coordenação de Pós-Graduação e Pesquisa de
Engenharia da UFRJ - COPPE; Prof. Ildo Sauer, Coordenador de Pós-Graduação em
Energia da USP; Dr. Roberto Araújo, Diretor do Instituto de Desenvolvimento
Estratégico do Setor Elétrico; Maurício Tiomno Tolmasquim, Presidente da
Sociedade Brasileira de Planejamento Energético - SBPE; e o Prof. João Paulo
Maranhão de Aguiar, Diretor do Ilumina.
Para abrir os
trabalhos, passo a palavra, inicialmente, ao Deputado Pinheiro Landim,
Presidente da Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias.
O SR.
DEPUTADO PINHEIRO LANDIM - Sr. Presidente, ilustre Deputado Luiz Antonio Fleury,
demais membros da Mesa, minhas senhoras e meus senhores, a Comissão de Defesa
do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias está vigilante quanto ao tema deste
seminário hoje instalado. Trata-se de assunto que mexe com a vida de todos
brasileiros. O consumo de energia faz parte do dia-a-dia das famílias
brasileiras, seja na industrialização, seja no comércio, seja na vida das
famílias, nas residências, enfim, em todos os setores da vida produtiva ou do
consumo.
Aquilo que
enfrentamos no ano passado, a falta de energia, o risco do apagão, a
necessidade de diminuirmos o consumo de energia mexeu com toda a sociedade
brasileira, apesar de muitas pessoas hoje continuarem fazendo economia, porque
aprenderam que estavam desperdiçando o salário, o orçamento familiar,
acontecendo o mesmo com as indústrias e todos os setores que tiveram aquele
alerta diante da perspectiva de termos um colapso de energia no Brasil. Isso
levou a população a descobrir que pode viver uma situação normal consumindo
menos energia, fazendo economia.
Decidiram que
teríamos um acréscimo nas tarifas de energia, modificando a base de seu preço
no Brasil, o que, sem dúvida alguma, vai pesar no bolso do consumidor. A
Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias já tem a designação
de um levantamento de toda a situação, para que possa tomar uma atitude em nome
da própria Comissão e da Câmara dos Deputados.
O seminário
será realizado durante todo o dia. Determinei à assessoria e à secretaria da
Comissão que convidasse um Deputado ligado ao setor energético para participar
de maneira direta dos debates de hoje.
Eram essas
nossas considerações iniciais. Queremos agradecer-lhes a oportunidade de
estarmos presentes nestes debates.
Muito
obrigado. (Palmas.)
O SR.
PRESIDENTE (Deputado
Luiz Antonio Fleury) - Antes de passar ao primeiro painel, gostaria de
agradecer a todos que contribuíram para a realização deste seminário,
destacando a participação de várias entidades citadas no folder de
apresentação. Refiro-me à CUT, à CGT, ao CREA de Minas Gerais, à Federação
Nacional dos Urbanitários, à Federação Nacional dos Jornalistas, à Associação
dos Engenheiros da PETROBRAS, ao Sindicato dos Engenheiros - SENGE dos Estados
da Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, Paraíba, Rio de Janeiro, Roraima,
Rondônia, Sergipe e Paraná e do Município de Volta Redonda; à CEAGRO de Santa
Catarina e ao Sindicato dos Economistas do Rio de Janeiro.
Este
seminário é uma promoção da Ouvidoria da Câmara, da Comissão de Defesa do
Consumidor, Meio Ambiente e Minorias, da 3ª Secretaria da Mesa da Câmara dos
Deputados, do Núcleo de Infra-Estrutura do Partido dos Trabalhadores, da
FISENGE, do Ilumina, do CONFEA, do IDEC, do CREA do Espírito Santo, da FUP, do
IVIG, da PROTEST, do Sindicato dos Eletricitários de São Paulo e do SENGE de
Pernambuco.
Realizamos um
seminário no dia 14 de junho de 2000. Naquela oportunidade, alertávamos a
sociedade brasileira, em especial os poderes constituídos e responsáveis pela
área de energia, para a possibilidade de ocorrer falta de energia no País.
Fomos taxados
de alarmistas, disseram que o título do seminário - "Crise Energética
Brasileira" - era ficção, que a possibilidade de colapso energético não
era real e nada poderia ocorrer em termos de falta de energia em nosso País.
Pois bem,
veio o apagão, a sociedade brasileira mobilizou-se como poucas vezes tivemos
oportunidade de ver, dando demonstração, inclusive às autoridades, da
capacidade de enfrentar o problema. Tivemos uma economia maior do que a
esperada. Como num passe de mágica, às vésperas do carnaval, suspende-se o
apagão, talvez para iluminar ainda mais a festa popular, e sobrevém uma medida
provisória que pune exatamente quem colaborou.
Ao tomarmos
conhecimento da medida provisória, tivemos oportunidade de dizer que estavam
consagrando o capitalismo sem risco; ou seja, não havia risco de mercado. Quem
perdeu como consumidor, ao não poder utilizar plenamente os aparelhos que
possuía em casa, e quem teve perdas na área industrial, ao ter de diminuir sua
produção, não recebeu qualquer tipo de apoio ou auxílio por parte do Governo,
mas as geradoras e as distribuidoras de energia, sim.
Foi estranho
quando se viu no dia seguinte ao da aprovação da Medida Provisória nº 14, na
Câmara dos Deputados, a Folha de S. Paulo publicar o lucro de todas as
distribuidoras no Brasil. Que prejuízo é esse que deu lucro para todos?
Finalmente,
cria-se no pacote de medidas um seguro destinado a cobrir eventuais problemas
emergenciais que possam surgir, um seguro compulsório que está contido dentro
dessa medida e da tarifa que estamos pagando. E o que é pior: essa energia
futura já foi comprada e já está estocada para uma emergência que, ao que tudo
indica, dificilmente virá.
São pontos
que ferem diretamente o consumidor. Por essa razão, a Ouvidoria da Câmara,
dentro da sua obrigação de orientar as pessoas que buscam satisfação para os
seus problemas, diante do grande número de consultas que foram feitas, entendeu
por bem realizar este seminário com os parceiros aqui representados, para,
inclusive, esclarecer a população e verificar as medidas cabíveis, para que as
pessoas possam defender-se da tarifa que lhes foi imposta.
Sem mais
delongas, vamos passar ao primeiro painel: "Tarifação e Cisão de
Geradoras".
Passo a
palavra ao Prof. Luiz Pinguelli Rosa, Diretor da COPPE da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, a quem peço assumir a coordenação do painel.
O SR. LUIZ
PINGUELLI ROSA -
Sr. Presidente, agradeço à Ouvidoria da Câmara dos Deputados o convite para
participar deste seminário. As palavras ditas por V.Exa. na abertura dos
trabalhos são endossadas por nós. Temos levado este debate adiante em
freqüentes ocasiões, a tal ponto que o meu colega, Prof. Ildo Sauer, está sendo
admoestado de maneira incorreta pelo Ministro Pedro Parente. Isto é
surpreendente, até porque outros membros da Mesa foram convidados a discutir
com o Ministro Pedro Parente e sua equipe os problemas no momento em que foi
anunciado o plano de revitalização.
A atitude do
Ministro de admoestar o Prof. Ildo Sauer é completamente incorreta. Cabe aos
professores universitários, pessoas que trabalham no campo acadêmico,
expressarem suas opiniões. Aliás, é nosso dever fazê-lo. Podemos não estar
certos. Entretanto, cabe à autoridade, no caso de ser do setor empresarial ou qualquer
outro da sociedade, apresentar os argumentos e discuti-los, e não ameaçar.
O problema é
muito simples, temos duas concepções em choque, e esta é a questão. A energia
elétrica é, como dizem os teóricos e os matemáticos, uma realização de um
modelo que é aplicado em vários setores e na sociedade como um todo.
Os
brasileiros não são meros consumidores, são, acima de tudo, seres humanos. A
população brasileira, ao contrário - até infelizmente -, é composta na sua
maioria de pessoas que não consomem o mínimo necessário a uma vida digna, a uma
sobrevivência correta.
A população
brasileira, nessa concepção, deve arcar com todos e quaisquer ônus, em nome da
proteção ao investimento estrangeiro.
Lanço uma
suspeição novamente para que haja alguma resposta no sentido de existir um
compromisso implícito de proteção ao investimento estrangeiro assumido pelo
Governo brasileiro, secretamente, sem declaração à sociedade.
Esse tema foi
discutido. Era uma posição norte-americana que teve certa oposição européia de
proteção dos investimentos estrangeiros em países como o Brasil, ou seja, a
eliminação do risco. O Estado brasileiro assume qualquer responsabilidade sobre
eventuais prejuízos, naturalmente para alguma categoria, qualquer definição
vaga de que prejuízos possam ser ou não protegidos. Estamos cumprindo esse
compromisso, porque não há outra lógica. É um pouco o que preside novamente a
discussão sobre opiniões de bancos em relação à sociedade, economia e política
brasileiras.
Dever-se-ia
criar internacionalmente uma instituição que produzisse índices sobre os
bancos, porque alguns desses bancos que se manifestam sobre a situação
econômica ou política de um país como o Brasil estiveram envolvidos em
gravíssimos escândalos, como o da falência da companhia americana Enron, que
estava presente no Brasil, aliás, controlando ainda uma das empresas
privatizadas no setor elétrico em São Paulo. Nem sei como acabou a história,
porque caberia ao Governo brasileiro intervir e assumir o controle da empresa,
já que a controladora é uma massa falida nos Estados Unidos, seu país de
origem.
Alguns desses
bancos opinam sobre a situação brasileira. Caberia mais ao Brasil opinar sobre
eles. Infelizmente, criou-se essa psicologia coletiva do mercado sensível e
piorou nossa dependência no dia-a-dia de recursos externos para pagar
interesses externos. Vivemos recebendo dólares para pagar juros. É essa a nossa
vida.
O setor
elétrico foi mobilizado em termos da privatização, que não visou absolutamente
nenhum modelo de funcionamento da energia elétrica, até porque era irracional.
Reconstituindo-se
a história, é preciso lembrar que a ANEEL, órgão regulador, teve sua primeira
reunião, da qual participaram o Maurício Tiomno Tolmasquim e eu, no Rio de
Janeiro, em meio à crise de colapso da distribuição pela Light. Houve um
colapso. Erro da Light, que não se preparou para a hipótese de um verão
rigoroso, fato que acontece sobremaneira no Rio de Janeiro, principalmente com
as previsões de meteorologia sobre o El Niño, que apontavam para um verão rigoroso.
Houve um verão rigoroso e caiu a energia do Rio, porque a Light não estava
preparada e tinha dispensado equipes de manutenção em nome da terceirização,
uma série de incompetências.
A ANEEL
reuniu-se lá pela primeira vez para cuidar disso, com a Light já privatizada.
Curiosamente, no dia da reunião, houve um apagão, ou seja, a reunião foi feita
em parte no escuro, comicamente, porque caiu a energia durante a primeira
reunião da ANEEL. Ela correu atrás do fato consumado, já estava funcionando a
empresa privatizada, não havia um órgão regulador.
O Operador
Nacional do Sistema Elétrico - ONS saiu correndo atrás do famoso apagão, pelo
raio que não caiu em Bauru. A mentira oficial, propagada pelo próprio
Presidente da República, no sentido de que um raio teria caído naquele momento
em Bauru foi desmentida pelo mapa dos raios - não caiu um raio em Bauru. Tive
oportunidade de mostrar isso em um seminário no Senado Federal, o que levou a
uma zanga profunda do Ministro Tourinho, quase idêntica à do Ministro Parente
em relação ao Rio.
O ONS saiu
correndo atrás do raio, que, aliás, também não existia. Nem o ONS nem o raio
existiam. O ONS foi implementado, estava no papel, mas passou a operar naquele
momento. Tinha começado a instaurar há poucos dias, mas a primeira ação foi
aquela em cima do colapso da transmissão no Brasil, que era devido à falta de
equipamento, como continua sendo.
Esse absurdo
total que foi jogado em cima do consumidor é uma filosofia. A idéia é que cabe
ao consumidor brasileiro pagar o que for necessário para que o capital
estrangeiro venha operar no setor elétrico, seja em que condições quiserem.
Ficou muito claro nos estudos que fizemos - vários de nós aqui presentes e
outros que não estão aqui - que havia uma responsabilidade das companhias distribuidoras,
elas eram co-responsáveis com o Governo, porque nos vendiam algo que não
existia, éramos iludidos de que havia a energia elétrica que estava sendo
vendida.
Como bem já
apontou o Deputado Luiz Antonio Fleury, não compramos apenas energia presente
com a nossa tarifa, mas a garantia da energia futura, e comprávamos um
equipamento elétrico sem saber se haveria energia elétrica no dia seguinte.
Tínhamos geladeira, televisão, lâmpadas e elevadores em nossas casas sem saber
se no dia seguinte ainda teríamos energia.
Algumas
coisas têm de ser ditas com pingos nos is. É uma imbecilidade imaginar-se um
sistema de energia elétrica sem garantia de energia. Isso está no espírito do
sistema de energia elétrica, desde que foi concebida. Ela é garantida; não é como
um produto que se compra num dia e que pode não haver mais no outro.
Estou falando
isso de propósito, porque o Presidente do Banco Central, Armínio Fraga,
declarou, no auge da falta de energia elétrica, que ela era igual a chuchu.
Isso é a cabeça desses marcianos desembarcados no planeta Terra, vindos
diretamente de Chicago ou de onde o valha.
Eles acham
que energia elétrica é igual a chuchu. Você não tendo, fica mais caro. Com o
chuchu é assim. Quando não há chuchu, compramos abóbora. Apenas um maníaco que
só coma chuchu é que depende dele. Não havendo chuchu, compra-se outra coisa.
Não há lei de garantia do suprimento de chuchu, não há concessionária de
chuchu.
Então, o
Presidente do Banco Central falou uma imbecilidade, mas, prestem atenção, não
estou dizendo que ele seja imbecil. Imbecil sou eu que estou aqui, com meu
salário, vindo a Brasília falar disso. Ele é inteligentíssimo, mas falou uma
imbecilidade quando afirmou que energia elétrica é igual a chuchu, mas essa
imbecilidade revela o pensamento dominante na administração pública brasileira.
A idéia é que se faltar energia, o povo que se dane.
Há o seguinte
paradoxo: cortamos nossa energia - empresários, famílias, todos os consumidores
a cortaram. Como bem aponta o Roberto Araújo em um de seus textos, não cortamos
20%, como foi dito, mas 25%, porque ela iria crescer 5% no ano passado, como é
a tendência histórica até vegetativa, e não crescemos, além disso, diminuímos
20%. Então, cortamos 25%. Cortamos com sacrifício, ameaçados de multas, alguns
pagando-as, ameaçados de corte da energia, o que é uma violência, porque a
história do liberalismo no mundo não foi só escrita por Adam Smith e por Lock.
A idéia do
liberalismo econômico era também de um liberalismo político. Isto foi a
revolução da burguesia contra o Estado dos nobres e do Clero. Dentro do
princípio liberal político, é um absurdo completo um indivíduo ter em sua casa
a energia cortada por vários dias por ter infringido uma norma, mas não por não
ter pago a conta. Até por não ter pago a conta, cabe um prazo. Mais grave ainda
se uma família com pessoas doentes, crianças, velhos, sofre um corte de energia
por três dias. Isso foi imposto e todas as pessoas seguiram. O povo mais
cordeiro do mundo é o brasileiro. Num país anglo-saxão, haveria tiro.
Lembro-me de
uma ocasião - e estava até com esses mesmos colegas daqui -, indo a uma
recepção em Washington, quando discutimos o caso do Brasil comparado com o da
Califórnia quanto à falta de energia. Havia uma porta aberta no corredor e eu
ia entrando para ver se era lá. Alguém do grupo advertiu-me que não fizesse
aquilo, porque nos Estados Unidos se você for pego dentro da casa do outro,
este o mata. Lá ninguém pode entrar na casa de ninguém. Então, se eu entrasse
por aquela porta eu poderia levar um tiro. Essa é a cultura anglo-saxônica. Mas
eles vêm aqui e cortam nossa energia - o que lá não fariam - porque é uma norma
baixada pela ANEEL, pelo Governo, de uma maneira absurda, norma que depois é
aprovada pelo Supremo Tribunal Federal de maneira também absurda.
Então,
estamos agora, depois de sofrermos todos esses absurdos, pagando a energia que
não consumimos. Isso é inédito no mundo. Fizeram o cálculo daquilo que não
consumimos e nos sacrificam. Agora, vamos pagar na nossa conta de luz. Isso é
fantástico! Agora sai do terreno político do Lock e voltamos para Adam Smith.
Que teoria econômica prevê um indivíduo pagar o que não consome? Isto é um
hospício? Esta Casa possui um bando de loucos para aprovar um absurdo desses.
Os Deputados e Senadores deveriam passar por um exame psiquiátrico, porque é um
absurdo completo o que foi aprovado sob o nome de Medida Provisória nº 14. Que
o Governo faça isso é uma loucura; que um Congresso, em nome do povo que o
elege, aprove é uma insanidade!
Então,
estamos vivendo num mundo insano no Brasil na área de energia elétrica. O
consumidor está pagando a energia que não consumiu, para garantir os lucros das
empresas elétricas, como também foi dito pelo Deputado Luiz Antonio Fleury. O
que aconteceu, observado, aliás, pelo Prof. Ildo em uma entrevista ocorrida há
tempos? Foi dito que, pelos balanços da empresas elétricas, elas tiveram lucro.
Bem, mas o Ministro esclareceu. Disse que isso aconteceu depois de o Estado dar
os subsídios. Então nossos subsídios, o que nos cobraram para garantir as
empresas, não foi para fechar apenas um prejuízo, mas para recuperar o lucro.
Isso é inédito!
Imaginemos
que há um prejuízo e se queira que a empresa sobreviva de alguma maneira;
cubra-se até o valor de seu equilíbrio. Mas não foi isso o que ocorreu. Foi
restabelecida a lucratividade da empresa presumida por ela. Geramos, com o
dinheiro público, o lucro privado, e um lucro substancial em alguns casos, como
mostrava a análise do balanço das empresas, divulgada pelo jornal.
Isso é um nonsense
completo e que continua, porque as tarifas estão altíssimas, o sistema agora
inclui um seguro para garantir uma energia emergencial paga a custos altíssimos
em nome de segurar o que já estava segurado e pago, porque quando pagamos a
tarifa, teoricamente, a energia está garantida. Os culpados foram ressarcidos e
as vítimas estão pagando o prejuízo. Essa é a situação atual quanto à tarifa.
Estou
apresentando um quadro político, porque a parte técnica meus colegas vão expor
da maneira brilhante e competente, como sempre o fazem. Poderíamos, ao final,
voltar a debater tanto os aspectos de saúde mental quanto os da energia
elétrica propriamente. (Palmas.)
O SR. ILDO
SAUER -
Cumprimento a Ouvidoria da Câmara dos Deputados, a Comissão de Defesa do
Consumidor, Meio Ambiente e Minorias e esse conjunto de entidades que se têm
notabilizado nos últimos anos, começando a ficar proporcional ao tamanho do
problema que estamos enfrentando. São poucas as entidades que vêm ajudando a
organizar a sociedade para que ela se torne consciente e saiba que alguns
recursos ainda existem para enfrentar esse verdadeiro absurdo que se está
perpetrando contra todos nós.
Para
facilitar essa tarefa e ajudar um pouco, não preparei transparências. Trouxe
algumas cópias do documento em papel e em disquete. Nelas abordo o
"Racionamento de Energia Elétrica Decretado em 2001 - Estudos das Causas e
Responsabilidades", que, em sua primeira versão, com esse título, foi
entregue à Procuradoria dos Direitos do Cidadão de Brasília, que tem um
inquérito em andamento sobre as responsabilidades pelo racionamento. Naquela
ocasião, pedimos ao Ministério Público que solicitasse junto à Justiça a
suspensão das negociações, a fim de promover o dito acordo geral, porque, pelo
que se divulgava na imprensa, o absurdo já se configurava.
Para nossa
surpresa, depois da medida provisória editada em 21 de dezembro, emitimos esse
primeiro relatório em 15 de dezembro e o entregamos no dia 18 à Procuradoria. O
título ficou ainda maior, não é mais apenas "Racionamento de Energia
Elétrica Decretado em 2001 - Estudos das Causas e Responsabilidades", mas
também "E Análise das Irregularidades e dos Indícios de Improbidade na
Compra de Energia Emergencial e nas Compensações às Concessionárias". O
título cresceu muito.
O relatório está
à disposição de todos, junto com um adendo produzido no dia 31 de março. Essa
versão é do dia 15 de março. Entre os dias 15 de março, quando produzimos o
relatório, e o dia 31 do mesmo mês, já havia sido aberto um inquérito civil
público em Bauru, na Procuradoria da República, para investigar a legalidade do
tal seguro-apagão e do funcionamento da Comercializadora Brasileira de Energia
Emergencial - CBEE.
Como o
Procurador da República obteve cópia dos contratos, conseguimos uma cópia,
porque nos pediram ajuda na interpretação do seu significado e publicamos esse
adendo, que não muda em nada o que já estava dito, exceto o valor exato de
alguns números.
Esses
documentos estão à disposição e discorrerei brevemente sobre eles, para que
sejam entregues à Ouvidoria. As cópias em disquete e em papel estarão também à
disposição para quem delas precisar. Aliás, fizemos questão de divulgar ambos:
a primeira versão, de dezembro, e a Segunda, de março, para uma série de
entidades, a fim de que elas pudessem dessas informações se valer e entrar na
Justiça.
Sei que já há
uma série de ações, pipocando no Brasil inteiro, questionando o acordo geral, o
"tarifaço", o seguro, que não é seguro, a compra de energia
emergencial e outras coisas para as quais nem damos atenção, mas que são tão
relevantes do ponto de vista ético e moral quanto os outros, que é o problema
da energia livre do MAE e mais algumas coisas que foram inseridas na medida
provisória durante sua tramitação no Congresso Nacional.
Feita essa
breve introdução, pretendo não gastar muito tempo, para que se possa promover
melhor o debate, mas farei algumas considerações sobre o histórico, as
motivações e os pontos que entendo serem fundamentais e não estarem ainda
adequadamente sendo debatidos, absorvidos e entendidos pela sociedade, pela
imprensa e, talvez, pelo Congresso. Esses são os pontos já encaminhados pelo
Deputado Luiz Antonio Fleury e pelo Prof. Pinguelli, mas merecem uma reflexão
orientada apara aquilo que estamos discutindo concretamente nesses dois pontos.
E quais são
esses pontos? Em primeiro lugar, o racionamento aconteceu. E é importante que
se diga que houve uma medida provisória do Governo que solicitou logo a seguir
uma ação declaratória de constitucionalidade ao Supremo Tribunal Federal, que a
concedeu. Assim, tudo o que o Governo fazia tinha respaldo no Supremo Tribunal
Federal.
Não sou
advogado e me sinto até constrangido em falar dessas coisas, mas é necessário
que se diga: o Supremo Tribunal Federal foi enganado pelo Governo quando
proferiu aquela sentença declaratória. Por que foi enganado? Porque o Governo
alegava que o racionamento era produto de um motivo de força maior, que o
regime hidrológico, que as chuvas ou a falta delas teriam conduzido à
necessidade do racionamento.
O fato é que
isso foi desmontado por uma comissão nomeada pelo próprio Governo, presidida
pelo Diretor-Geral da Agência Nacional de Águas e integrada por outros
especialistas. É notório que o regime de chuvas dos últimos anos esteve
plenamente dentro da normalidade e que o racionamento decorreu da falta de
cumprimento das leis e do contrato de concessão, em primeiro lugar, pelas
empresas distribuidoras de energia elétrica e, em segundo lugar, pelas
geradoras, que com aquelas tinham contrato. Pairando sobre todos eles, como o
grande inspirador dessa catástrofe, a política energética implementada pelo
Governo a partir de 1995 como processo de reestruturação extremamente mal
concebido, baseado em pressupostos que raras chances têm de dar certo em
qualquer lugar do mundo, além de muito mal gerenciado a ponto de chegarmos onde
chegamos.
Não
precisamos repetir tudo isso, porque quero concentrar-me nas questões mais
fundamentais. Por que digo que a primeira responsabilidade repousa sobre as
distribuidoras? Porque a legislação diz claramente que a prestação do serviço
público é concedida à empresa pública ou privada que demonstre capacidade para
fazê-lo por sua conta e risco. Não diz que é por conta do consumidor. A lei e o
contrato não prevêem garantia nem de mercado nem lucratividade. O contrato e a
lei brasileira falam, na verdade, numa espécie de Frankstein, porque, de um
lado, o contrato de concessão se inspirou na nova teoria da regulação por
incentivos, que visava acabar com a regulação do custo de serviço, acusado de
ser por qualquer custo, já que levou a sobreinvestimentos no Brasil, na
Califórnia e em outros lugares; de outro lado, no contrato de concessão
manteve-se o instituto do equilíbrio econômico-financeiro, mas ele está
razoavelmente definido ao que se refere.
Por que falo
desses pontos? Porque o Governo diz que só concedeu a compensação porque era um
direito das concessionárias. É isso que ele tem dito, e nada mais fez do que
reconhecer um direito. Ora, se era um direito, não precisava entrar na justiça,
bastava fazer; muito menos precisava de uma medida provisória. Esse é um ponto
fundamental. A medida provisória foi feita para revogar direitos existentes dos
consumidores e para criar privilégios às concessionárias. É esse o espírito da
medida provisória e que tem de estar claro para todos nós. Ela foi feita ao
arrepio da legislação existente até 21 de dezembro, que, até então, obrigava as
empresas a indenizar os consumidores e o poder concedente pelos prejuízos que
elas vieram a causar. E o equilíbrio econômico-financeiro, como definido na
legislação e no contrato até então, só garante tarifas, porque no momento da
privatização elas foram inscritas no contrato de concessão, e o pagamento para
obter a concessão pelas concessionárias foi feito levando-se me conta que eram essas
as tarifas, de acordo com estudo de mercado feitos pelas empresas; em função
disso, pagaram pela concessão.
E o que dizem
a lei e o contrato? Presume-se que está preservado o equilíbrio
econômico-financeiro desde que preservadas as tarifas, de acordo com o regime
de reajustes e de revisões preconizados. Não fala em momento algum que há
mercado ou lucros garantidos.
Surpresa,
sim, causou a mim ver certas cartas assinadas por esse senhor, que, felizmente,
a revista Carta Capital chamou, neste fim de semana, de "O príncipe
das trevas". Pedro Parente - parente, como disse alguém, não se escolhe -
diz, em certos documentos já divulgados, que a tarifa é fixada projetando-se um
mercado e garantindo-se a lucratividade das empresas. Isso é o maior absurdo
que já vi na minha vida, porque nem a lei nem o contrato garantem isso.
De maneira
que o acordo geral foi feito ao arrepio da lei, ao arrepio dos contratos de
concessão. A medida provisória foi feita exatamente para revogar direitos dos
consumidores e criar privilégios. Há impressão de fato de que as empresas, ao
agirem como agiram antes, estavam seguras de que tinham um guarda-chuva que
lhes garantia - fazendo o que fizerem ou deixando de fazer o que deveriam -
proteção.
De fato
nota-se que a ação do Governo, por intermédio da medida provisória,
infelizmente referendada e até ampliada em certo ponto por este Congresso, dá
razão aos que pensam que isso é assim. Mas não era assim o que estava na lei.
Por quê? Diz o Governo, em outros pontos, que, além do equilíbrio econômico e
financeiro, precisa garantir a sobrevivência do serviço público. Ora, serviço
público e das empresas não se faz desse jeito. Não é assim que se pode fazê-lo.
Faz-se preservando a lei e os contratos. Não é fazendo o que se fez.
Diz ele em um
ponto que as empresas foram vítimas de uma intervenção unilateral do Estado,
que decretou o racionamento. Vejam que absurdo. O racionamento era previsível,
era evitável. As concessionárias dele participaram ativamente por obrigação e
porque o contrato também lhes obrigava a assim fazê-lo.
Pelo
planejamento, pelas informações de que dispunha e mesmo pelo que vínhamos
divulgando - como no seminário ao qual se referiu o Deputado Luiz Antonio
Fleury, o do dia 14 de junho, e outro que houve, em São Paulo, da FAPESP e em
estudos anteriores -, o ONS já vinha dizendo que há muito vivíamos em situação
insustentável. Disso todos sabiam.
É um absurdo
aceitar o argumento do Sr. Pedro Parente de que houve uma intervenção
unilateral que limitou o mercado das concessionárias. Ora, o Governo - temos de
reconhecer - interveio muito tardiamente para evitar que uma catástrofe total
se abatesse sobre o País e organizar o racionamento criado pelas empresas. Não
fosse isso, chegaríamos ao caos no ano passado. Então, não dá para entender
esse conjunto de argumentos. São inaceitáveis.
Partindo,
portanto, desses argumentos contidos no relatório, chega o Governo e diz que se
tem de dar as compensações, porque o equilíbrio econômico-financeiro foi
rompido. Demonstramos que isso não é o fato, que não houve um motivo de força
maior que desse origem a essa recomposição do equilíbrio, porque força maior
seria de fato se, como o Supremo foi induzido a acreditar no começo, tivesse
havido uma seca maior das que aconteceram no passado.
Sabemos todos
- foram demonstrados os dados - que os regimes hidrológicos foram normais, com
12% abaixo da média em um ano, cinco no outro e nos dois anos anteriores acima
da média inclusive, de forma que não houve motivo de força maior. Não houve
caso fortuito. Nenhuma rede de transmissão ou barragem se rompeu. Não houve
catástrofe. Houve esse argumento que citei há pouco, o do chamado fato do
príncipe ou da administração, de uma intervenção unilateral do Estado, que
justificou a intervenção. Feita a intervenção, seria limitada a possibilidade
de ação das empresas em cumprir suas obrigações. Contudo, isso também não
aconteceu. Ela veio para organizar a escassez causada apenas pelas
concessionárias.
Fica claro,
com esses argumentos, que o Governo não cumpriu a lei e o contrato. Puniu as
vítimas e premiou os culpados. É esse o espírito.
Em certa
ocasião, disse-me um jurista que havia uma espécie de dúvida ou quase certeza
sobre a existência nos acordos internacionais firmados pelo Governo brasileiro
de uma chamada side letter, uma carta colateral, que não é publicada, é
secreta, e obriga o Governo, em qualquer circunstância - fazendo as empresas o
que fizerem ou deixando de fazer o que deveriam fazer -, a recompensar as
empresas com lucratividade, porque a lei e os contratos não permitiam que se
fizesse o que foi feito.
E o maior
absurdo de todos é esse. Houvesse a sociedade consumido a energia, que pelo
próprio Governo foi de 26 milhões de megawatts/hora, ao longo do ano passado,
as empresas teriam registrado no seu caixa 3,1 bilhões de reais a mais. Por
quê? Porque a tarifa média, se a energia entregue fosse, seria de 120 reais. Dá
3,1 bilhões. Só que isso não seria lucro. O lucro é muito menor, porque
despesas foram evitadas. Mais ou menos um bilhão é o que as distribuidoras
pagariam para as geradoras. Impostos não foram pagos, investimentos não foram
feitos, equipes não foram contratadas.
Então, ainda
que se aceitasse o argumento de que o lucro perdido deveria ser indenizado, o
que não é, pela convicção que temos em relação à estrutura jurídica e aos
contratos, isso não seria viável, não seria legal nem moralmente aceitável. Mas
em se aceitando, não seriam 3,1 bilhões. A quanto chegarão os números?
Os primeiros
números que temos, do ano passado, foram estimados em 7,3 bilhões de reais.
Este ano, um pouco mais de dois em janeiro e fevereiro. Chega-se a mais de 10 e
a conta ainda não foi entregue pelas concessionárias à ANEEL, que vai ter um
tempo para se pronunciar. Chegaremos com quase certeza a mais de 10 bilhões de
reais.
Portanto, a
população não apenas vai pagar pela energia que não consumiu, vai pagar três
vezes mais. Isso é absolutamente inaceitável. Não há argumento que me convença
de que isso é aceitável. Não há como se aceitar isso, nem que tenham votado
medida provisória. Acredito que há de existir um jeito de revogar tudo isso,
para que o bom senso volte a prevalecer. Não é possível chegarmos a um absurdo
desses. Usa-se preço de escassez para remover a escassez. Chegam a esses
números porque há uns absurdos no mercado atacadista. Em certa época, o preço
oscila entre 600 e 350 reais.
Ora, o
mercado atacadista sofreu intervenção do Governo. Depois, houve sua extinção,
por notórias irregularidades e deficiências, para não dizer delinqüência.
Agora, o Governo quer usar as referências do mercado atacadista para chegar a
valores, contas e transações, expectativas falsamente criadas, e mantê-las com
privilégios de direitos assegurados daqueles que não cumpriram suas obrigações.
Isso é inaceitável. Por isso, chegaram a esses números absurdos de 10 bilhões
para essa parte.
Essa era
apenas a primeira parte das contas, à qual já nos opúnhamos em dezembro do ano
passado, antes de a medida provisória sair, antes de o acordo ser negociado.
Acreditava-se até que aquele negócio de ir ao BNDES era algo que na Polícia
chamam de outra coisa: formação de quadrilha. Fiquei com essa sensação. Depois,
recuei e resolvi escrever, porque era uma turma que estava negociando para
saber como tirar dinheiro da população. Não está escrito isso em lugar algum,
mas era essa a sensação que tínhamos. Aí vem a medida provisória e sacramenta
esse ponto.
Esses são os
argumentos expostos nos relatórios, que estão à disposição de todos. Acredito
que ainda deve haver jeito de se enganar o Supremo, que foi enganado ao
declarar a constitucionalidade do racionamento, porque o que se disse a ele não
era verdadeiro. Não era a pior seca dos últimos anos, o regime foi normal. Há
documentos oficiais provando isso. Por outro lado, acredito que o conjunto de
ações que estão aí vão fazer isso.
O segundo
ponto que quero abordar aqui é mais surpreendente ainda: a chamada energia
emergencial. O Governo dizia que estava contratando energia emergencial. Muitos
de nós comparecemos ao Congresso Nacional - Senado, Câmara e Comissão Mista -
durante o racionamento. Ouvimos que um dos jeitos de acelerar a saída do
racionamento era contratar energia emergencial, que poderia depois ser
convertida em energia permanente em sua forma de co-geração. Se tivéssemos
acrescentado 5 mil megawatts emergenciais e, em março ou junho do ano passado,
iniciado seu processo, em setembro estaria operando. Já seria sob co-geração
hoje, o racionamento teria acabado antes. Então, era uma idéia que não era
desprezível, desde que isso fosse feito adequadamente. Não o foi.
Começaram a
fazer chamadas em setembro. Em fevereiro, para minha surpresa, chega um
contrato com cláusulas como, por exemplo, a dolarização, o que é proibido pela
lei brasileira. Em uma parte do contrato, o reajuste seria em dólar; em outra,
pelo IGP-M, o que também é proibido por lei. Surpreendentemente também, para
dirimir dúvidas, se escolhe a arbitragem em vez da Justiça. Mas o pior de tudo
é que há uma cláusula que simplesmente não permite a rescisão: se houver
rescisão, tem de se pagar o resto do contrato. Isso não é rescisão. A
legislação diz que a administração pública tem o direito de tomar medidas ao
longo do tempo.
Além do mais,
os contratos entraram em vigor cinco dias depois de publicados no Diário
Oficial, em fevereiro, exatamente na época em que foi decretado o fim do
racionamento. Portanto, se o Governo acreditasse no que dizia, não faria o que
fez, porque não era mais concebível. Havia água para este ano e havia um jeito
de se fazer outras coisas, supondo-se que a energia emergencial fosse
necessária, mas essa é uma discussão técnica.
De qualquer
maneira, o maior absurdo são os valores. Há uma cláusula de confidencialidade.
Esse é o ponto fundamental. Investigamos no Diário Oficial, obtivemos
dados dos 28 contratos, depois a Procuradoria da República nos forneceu as
cópias completas, e constatamos o absurdo: 6 bilhões e 700 milhões de reais
estão comprometidos para o pagamento de aluguel de máquinas ao longo de três
anos em média. Se essas máquinas forem feitas por qualquer empresa privada,
pública, estatal, com seriedade, custarão mais que 58 pequenas usinas de 2.156
megawatts, cuja construção giraria em torno de 2,5 bilhões de reais, não mais
que isso. Além do mais, tive informação, mas tenho de confirmá-la, de que
algumas barcaças da Segunda Guerra estão na base dessas máquinas. Se fossem
novas, custariam 2,5 bilhões só de aluguel, e têm uma vida útil de trinta anos.
Isso está sendo repassado para os consumidores, que, pelo contrato em vigor, já
pagam tarifas que lhes garantem a confiabilidade.
Na minha
opinião, assim como na opinião de pessoas que já questionaram na Justiça, isso
é uma espécie de tributo, porque não é tarifa. Em primeiro lugar, não tem
sentido cobrar por prejuízos do passado dos consumidores do futuro, que é o caso
do tarifaço das compensações. De outro lado, é obrigação das concessionárias
garantir o fornecimento pelas tarifas fixadas, reajustadas e revistas no
contrato de concessão, de acordo com a legislação. Nada disso tem fundamento
legal, técnico, ético ou moral, e é preciso ser revisto.
Há ainda um
terceiro ponto, o da energia livre, que precisa ser debatido. A medida
provisória prevê uma conta, que pode chegar a algo entre 1 e 2 bilhões de
reais, se as concessionárias de geração não conseguirem, em função dos
reservatórios, entregar energia compromissada no mercado atacadista, e quem
pagará o prejuízo será a população. Essa é a chamada energia livre. Além de já
terem embutido, desde janeiro, 2,9% nas contas residenciais e 7,9% nas
industriais não-privilegiadas para pagar aqueles 10 bilhões de reais, mais ou
menos, nos próximos dez anos, poderão ser embutidas nas contas três coisas: o
ECE - Encargo de Capacidade Emergencial para pagar aluguel; o EEE - Encargo de
Energia Emergencial, ou seja, se o combustível for usado, se as máquinas forem
usadas, há uma previsão nos contratos de um gasto de 9,3 bilhões de reais para
pagar pela operação, manutenção e o combustível, chegando a um total de 16
bilhões de reais; e, por último, o encargo de energia livre, isto é, se as
concessionárias de geração não conseguirem cumprir os seus contratos, a conta é
repassada ao consumidor. Portanto, estamos em um mundo absolutamente de
fantasia. Eu não acredito que isso esteja acontecendo, mas é real.
Tive a
gentileza, depois de ter sido solicitado pelo Ministério Público Federal a
produzir um relatório a respeito, de entregar primeiro uma cópia ao Procurador
da República, que está investigando esse assunto; segundo, ao então Ministro de
Minas e Energia, Pedro Parente; depois, aos Presidentes do Senado Federal e da
Câmara dos Deputados, a todos os líderes partidários e ao Relator da medida
provisória. Em seguida, por carta à Universidade de São Paulo, fui ameaçado de
processo pelo Ministro Pedro Parente. Ele disse que eu havia sugerido prática
de atos de improbidade.
Eu não sugeri
que eles fizessem nada. Se fizeram, foi por conta deles. Eu apenas disse que me
parecia haver indícios que precisavam ser investigados e apurados, e pedi a
ele, como autoridade maior, que o fizesse primeiro. Foi a contribuição de um
cidadão que, de acordo com o Código de Ética dos Engenheiros, se tiver
conhecimento de qualquer indício de irregularidade, é obrigado a levá-la ao
conhecimento das autoridades. Eu nada mais fiz do que cumprir a minha
obrigação: tentar alertar o Ministro para que o fizesse. A resposta que recebi
foi um ataque brutal.
De maneira
que a minha contribuição é entregar mais uma cópia desse relatório à Ouvidoria,
em disquete, para divulgação, fazendo votos de que consigamos avançar nesse processo
e, eventualmente, paralisar esse verdadeiro absurdo que prejudica o Brasil
neste momento.
Muito
obrigado. (Palmas.)
O SR.
COORDENADOR
(Luiz Pinguelli Rosa) - Em nome da Mesa, agradeço ao Prof. Ildo Sauer, da USP.
Passo a
palavra ao Prof. Maurício Tolmasquim, da COPPE/UFRJ.
O SR.
MAURÍCIO TIOMNO TOLMASQUIM - Vou usar transparências para abordar um outro aspecto
ligado à crise energética, que é a ameaça de desverticalização do setor.
Trata-se de uma medida que faz parte desse novo modelo que o Governo está
tentando implementar, que está fazendo água e está custando muito caro, como
foi apontado pelos Profs. Luiz Pinguelli e Ildo Sauer, a todos nós. É
gravíssimo o que vai ocorrer. Estamos a poucos meses de uma mudança de Governo
e uma medida como essa terá repercussões graves, como eu tentarei mostrar. É
fundamental tentar impedir isso.
Vou tomar
como exemplo o caso de Furnas, porque é bastante emblemático e ilustra bem o
risco que significa essa desverticalização, mas o que vou dizer vale para as
demais empresas.
(Exibição
de imagens.)
Este é o
fluxo de caixa apenas da geração de Furnas. Vamos separar geração da
transmissão e, depois, mostraremos a empresa funcionando de maneira integrada.
Então, aqui é o fluxo de caixa da geração projetado entre 2002 e 2009.
Como é feita
essa projeção? Ela é muito conservadora. Utiliza-se como referência a tarifa
atual dos contratos iniciais, ou seja, ignora-se essa medida que o Governo está
propondo de liberar a tarifa a partir de 2003. Caso isso ocorra, a receita da
geração de Furnas explode, vai ser imensa. Estamos sendo bastante
conservadores, considerando o pior dos casos para a geradora, mas o melhor para
os consumidores, que é manter a tarifa como está hoje.
Temos a
receita de venda da energia menos a energia que ela compra, então, a receita
líquida varia entre 1,9 bilhão e 2 bilhões em 2009. Se retirarmos as despesas
operacionais etc., vamos ter uma geração interna de caixa variando entre 530
milhões, em 2002, e 1 bilhão, em 2009.
Ora, uma
empresa que gera 1 bilhão de reais de caixa é extremamente interessante do
ponto de vista econômico, e vamos mostrar isso a seguir.
Ali embaixo,
temos os investimentos que Furnas já se comprometeu a fazer durante esse
período. Na verdade, como não se está utilizando Furnas para grandes
investimentos, trata-se basicamente da modernização das térmicas, que começam
em 306 milhões em 2002 e vão diminuindo até 64 milhões. Ou seja, Furnas tem um
saldo de caixa que chega, em 2009, à impressionante cifra de 5 bilhões de reais
- 5 bilhões de reais! -, porque esses recursos não estão sendo usados para
investimentos.
Para se ter
uma idéia, calcula-se que são necessários, anualmente, para investimento no
setor elétrico, algo em torno de 7 bilhões de reais, considerando bons
investimentos. Estamos dizendo que Furnas, se não for usada para fazer
investimentos na geração, vai ter em caixa, em 2009, 5 bilhões de reais, e com
condições de gerar um caixa de 700 milhões de reais por ano.
O nível de
endividamento de Furnas está em torno de 10 a 15%, que é baixíssimo. Uma utility
americana trabalha com níveis de endividamento de 60%. Com essa geração de
caixa mais seu baixo endividamento, Furnas pode alavancar recursos duas ou três
vezes maior que a sua geração de caixa. Por exemplo, entra-se com sua geração
de caixa de 30%, e o BNDES dá os outros dois terços, ou seja, cada 800 milhões
de reais de caixa geram outros 1 bilhão e 600 de investimento.
Estamos
dizendo, então, que a geração de energia é a galinha dos ovos de ouro - eu
tinha usado essa expressão em outro seminário -, e é mesmo!
Aqui está,
primeiro, a remuneração do investimento após impostos. Isso varia, anualmente,
de 15% a 21% em 2009. A ANEEL considera adequado, como remuneração, 10 a 11%. O
próprio capital privado, que pede absurdos, exige 15% ao ano. Essa remuneração
atenderia até ao capital privado que, às vezes, pede 15 ou 18%. Estou falando
de remuneração, em 2009, de 21%, ou seja, uma empresa extremamente atrativa em
geração.
Esta é a
evolução da remuneração do investimento e do capital próprio e de terceiros.
Notem que ela está acima de 15% e crescendo entre 2002 e 2009. Estamos dizendo
que a geração é altamente - mas altamente - lucrativa.
Aqui, em
vermelho, está a geração de caixa; em azul, estão os investimentos e, em
branco, está o superávit de recursos, que é crescente. Estamos vendo um
superávit de recursos enorme gerado por Furnas.
Qual é o
segredo de Furnas? Onde está o segredo desse sucesso todo na geração? O segredo
é que ela tem no seu portfolio usinas que, primeiro, foram construídas
há muito, portanto, estão amortizadas, e, segundo, pela própria lógica que
ditou o setor energético: eram as mais baratas. O setor energético, na época em
que havia planejamento, fazia as usinas mais baratas primeiro e as mais caras
depois. Então, essas são as usinas mais baratas.
A usina de
Marimbondo gera 3 reais por megawatts/hora; Furnas, 5 reais; Luiz Carlos
Barreto Carvalho, 5,52; Mascarenhas de Moraes, 5 reais por megawatts/hora.
Estamos falando de usinas gerando energia praticamente de graça. Elas foram
construídas, têm uma barragem, têm a água passando pelas máquinas, gerando
energia praticamente de graça. Esse é o segredo da geração de caixa de Furnas.
Vamos ver a
parte da transmissão de energia. O que aconteceria se em Furnas a transmissão
fosse separada da geração? O que aconteceria com essa empresa de transmissão?
A geração de
caixa varia entre 240 milhões e 656 milhões. Como podem ver, a geração de caixa
é inferior aos investimentos que hoje são uma responsabilidade de Furnas, isto
é, ela não seria suficiente, pelo menos até 2005, para atender aos
investimentos. Depois, ela cobriria os investimentos, mas com uma margem muito
pequena. A remuneração do investimento dessa empresa de transmissão varia de 2
a 9,5% no máximo, ou seja, é uma empresa inviável. Enquanto temos uma empresa
de geração com rentabilidade acima de 20%, temos uma empresa de transmissão com
rentabilidade abaixo de 10%. A remuneração é crescente, mas está abaixo do
nível dos 10%, ou seja, essa é uma empresa deficitária.
Aqui estão
justamente os dados sobre a transmissão: o vermelho é a geração de caixa; o
investimento está em azul e o branco é o déficit ou o superávit. Vejam que até
2006 há déficit e, depois, há um superávit pequeno, que não permite que a
transmissão dê um retorno suficiente para tornar a empresa viável.
E o que é
Furnas unida, Furnas íntegra, Furnas geração e transmissão juntas? É o que ela
é hoje. Existe uma sinergia entre as duas atividades: a geração de caixa da
atividade de geração financia a atividade de transmissão. Ela é uma empresa
lucrativa, que tem uma geração interna de caixa que varia de 700 milhões a 1,7
bilhão, em 2009, o que é mais do que suficiente para pagar os investimentos
propostos até o momento para geração e transmissão e ainda sobram bastante
recursos para realizar mais investimentos. Vejam bem, temos uma geração de 1,5
bilhão de caixa e podemos multiplicar por três os recursos que podem ser
arrecadados do capital privado.
Essa empresa
integrada tem uma rentabilidade que varia de 8,5% a 14%, que é totalmente
adequada para uma empresa de serviços públicos, que não precisa ter taxas
enormes, e eu diria até que poderia fazer investimentos maiores. Acho que 14%
de retorno para uma empresa pública é demais. Ela poderia ter um retorno até
menor.
Aqui temos a
evolução da rentabilidade dessa empresa de geração e transmissão. Por que ela
está crescendo? Porque os investimentos propostos para Furnas são poucos.
Mais uma vez,
mostramos aqui todo o superávit de recursos que essa empresa teria.
Este é um quadro
síntese.
Lembro que
estamos considerando o pior caso para Furnas, que é o de manter a tarifa dos
contratos iniciais. Isso seria o melhor para o consumidor, mas, do ponto de
vista da empresa, o ideal é que libere. Mas vamos considerar a pior hipótese.
Estamos
falando de uma geração com rentabilidade entre 16% e 24%; a transmissão sozinha
com rentabilidade entre 1% e 10%, o que é inviável, e uma Furnas íntegra com
rentabilidade entre 9% e 16%.
Olhando esses
números, parece ser óbvia a melhor solução. A idéia inicial do Governo era
vender a geração, que é bastante lucrativa, e ficar com esse abacaxi da
transmissão, que não é rentável, quando ele pode ter uma empresa íntegra, com
duas atividades, em que uma financia a outra. Qual a melhor solução?
Este é um
dado que consegui da Associação Brasileira das Grandes Empresas de Transmissão
de Energia Elétrica - ABRATE. Trata-se de um estudo impressionante, que não é
público. É a análise do balanço de 2001 de todas as transmissoras. É
impressionante!
Se observarem
a linha quatro, ela mostra o lucro líquido ou o prejuízo do exercício. O que
está em vermelho é prejuízo.
Peguemos a
rentabilidade do ativo, na primeira linha. Furnas transmissão teve resultado
negativo, -0,66% ao ano; CEEE, -11%; CTET, 2%; CHESF, 0,05%. É um crime, é
inviável. É impossível essas empresas funcionarem. A CEMIG teve um resultado
melhor, 4,5%, mas também é inviável. A ELETRONORTE teve -8%; ELETROSUL, 0,31%;
COPEL, -5%.
Estamos
dizendo que as empresas de transmissão que vão ser criadas são inviáveis. Qual
é a única maneira de viabilizá-las? Seria um absurdo: aumentar ainda mais as
tarifas. O único jeito de viabilizá-las é aumentar a tarifa da transmissão, mas
isso significa ir adiante com esse modelo nefasto, ir adiante nesse fracasso,
que é prejudicar ainda mais o consumidor.
Existe, é
claro, a possibilidade de aumentar a tarifa da transmissão e reduzir a margem
das distribuidoras. Hoje, as distribuidoras têm uma relação entre a tarifa de
suprimento e de fornecimento de 40%, enquanto no período entre 1974 e 1991 ela
foi de quase 60%. Isso, porém, é difícil. Outra possibilidade é manter
integradas as empresas de geração e transmissão. Essa seria a solução mais
interessante para o País.
Acho que,
neste momento, se deve mobilizar toda a sociedade no sentido de impedir que se
cometa esse crime, que é a separação entre geração e transmissão. Do contrário,
estaremos criando empresas inviáveis que, para se viabilizarem, levarão a um
aumento ainda maior de tarifas.
Muito
obrigado. (Palmas.)
O SR.
COORDENADOR
(Luiz Pinguelli Rosa) - Agradecemos ao colega Maurício Tiomno Tolmasquim. Vamos
passar imediatamente a palavra para o Sr. Roberto Araújo, do Instituto de
Desenvolvimento Estratégico do Setor Elétrico - Ilumina.
O SR.
ROBERTO ARAÚJO
- Uma coisa que tenho dito há muito tempo é que o racionamento de energia
elétrica foi o grand finale de uma grande lesão ao consumidor. É como se
fosse uma orquestra, que toca um acorde e pensamos que é o último, mas não é.
Na realidade, o grand finale não é só o racionamento; o ressarcimento às
distribuidoras é a continuidade dessa lesão.
quadro1
Estes são dados reais. Qualquer um pode ter
esses dados a partir da página do ONS.
Este é o
mercado, que vinha crescendo desde 1999 e isso foi o que aconteceu com o
mercado racionado.
Aqui, em
abóbora, temos o mercado calculado pela Resolução nº 31 da ANEEL . Essa seria a
receita esperada pelas distribuidoras e, portanto, é um mercado virtual, um
mercado que não aconteceu.
Esse buraco
negro aqui são as perdas, a diferença entre o que consumimos e o que deveríamos
ter consumido para não causar prejuízo às distribuidoras.
Se pensarmos
nessa quantidade de energia... O Governo diz que foram 26 terawatts/hora, mas
na realidade esse foi o valor em relação ao que economizamos no ano passado. É
mais do que isso. Mas, vamos pensar que são apenas 26 terawatts/hora e vamos
imaginar em uma tarifa apenas de geração, sem distribuição e sem transmissão,
de 50 reais por megawatt/hora. Isso significa que poupamos uma energia que
vale, nas usinas, 1,3 bilhão de reais.
Essa foi a
nossa poupança, é um dinheiro que nos pertence, porque tínhamos o direito de
consumir. Do outro lado as distribuidoras acham que é direito de faturamento.
Se é direito de faturamento, é também o direito de consumir.
Portanto,
temos guardado, nos reservatórios, 1,3 bilhão, no mínimo.
Pode-se também fazer essas contas com as
reservas.
Essa curva representa o nível de reservas em termos de megawatt-mês dos
reservatórios.
O que
aconteceu com elas? O que aconteceu pelo fato de termos feito o racionamento e
o que teria acontecido se não tivéssemos feito o racionamento? Essa diferença
são aqueles 1,3 bilhão. O fato de estarmos agora com este nível de reservas
mostra que uma parte da reserva é nossa poupança.
O consumidor
poupou energia. Era um direito, até porque as distribuidoras contavam com esse
faturamento. Entretanto, em vez de uma recompensa, o consumidor terá que
desembolsar por volta de 8 bilhões de reais.
A meu ver,
esse é um ponto que está sendo esquecido, porque, uma explicação, só pode ser a
de que as empresas não entendem os relatórios que elas mesmas assinam. Se elas não têm competência para
entender o assunto "energia no Brasil", o assunto é grave e vou
explicar por quê.
Estes são dados do ONS. Quem quiser fazer este
gráfico, pode fazer.
Em vermelho é o que ocorreu desde 1996 até 2002; em amarelo é a média, ou seja,
quando o ano é médio, é aquela curva amarela ali. Então, podem reparar que o
único ano ruim foi 2001. Nos meses de novembro e dezembro, apontaram para um
aumento de chuvas e, de repente, o Governo foi driblado; foi um
"garrincha" que derrubou o Governo.
Aqui temos
uma outra razão por que houve o racionamento. Na página do ONS, podem reparar
que, só nos meses de janeiro e fevereiro de 2002, choveu o equivalente a seis
meses de consumo. Isso aconteceu porque nós economizamos e porque São Pedro
resolveu nos fornecer muita energia. Assim é que saímos do racionamento.
Seria interessante examinar em um horizonte
maior.
Se pegássemos toda a energia vinda dos céus e transformássemos em energia,
teríamos aproximadamente o seguinte quadro: segundo dados da Região Sudeste, o
pior ano foi o de 1971, em que só choveu 20 gigawatts; o melhor ano foi 1983,
em que choveu 57 gigawatts. Esse período que estava no gráfico anterior está
mais ou menos nessa linha, ou seja, em cinco anos estivemos acima da média em 3
anos e em dois anos estivemos abaixo da média. Portanto, não houve nenhuma
situação dramática de chuvas.
É interessante olhar isso quando se observa o
deplecionamento.
Aqui temos, mais ou menos por altura, a situação de hidrologia comparada a esse
eixo aqui. Então, reparem: mesmo sob hidrologia média, como é o caso, por
exemplo, de 1999, ou o caso de 2000, há um deplecionamento total do
reservatório. Isso significa que, mesmo sob hidrologia média, o reservatório
não consegue guardar água para o ano seguinte. Isso mostra que o consumidor não
tem garantia da energia que se está vendendo. É simplesmente uma questão de
tempo ou uma questão de sorte com São Pedro: chegará um momento em que não se
poderá mais fornecer energia contratada.
Isso está claro, foi traduzido num relatório
do ONS de abril de 2000, que diz que houve uma deterioração das condições de
atendimento nos próximos anos, o que se reflete nos constantes adiamentos dos
programas de obra de geração previstos. A demanda é atendida não somente com
energia garantida, mas também com energia secundária - interruptível. Portanto,
quem atende uma demanda com uma energia chamada interruptível sabe do risco que
está correndo de interromper o fornecimento.
Isso quem diz
é o ONS. Quem é o ONS? Vamos
ver, pela legislação e pela sua organização, quem é o ONS. Traduzindo para
leigos, quando acontece aquilo, quando o mercado é atendido por uma energia
secundária, não se pode garantir a continuidade do suprimento. E outra: o
sistema não consegue guardar energia de um ano para o seguinte. Não se está
fornecendo ao mercado energia com a segurança que se paga na tarifa. É isso que
aquilo quer dizer. Qualquer uma dessas frases pode ser substituída por aquela.
Quem entrar
na página do ONS, vai ler o seguinte:
Então, o
ONS é as próprias empresas distribuidoras, geradoras e transmissoras. Elas
são parte do ONS, portanto, são responsáveis por tudo o que aconteceu, por tudo
que o ONS escreveu e assinou.
Estas são
algumas das atribuições da ONS,
segundo seu Estatuto:
"Art. 4º São atribuições do ONS:
I - o planejamento e a programação da operação e o
despacho centralizado da geração, com vistas à otimização dos sistemas
eletroenergéticos interligados;
II - a supervisão e a coordenação dos centros de operação
de sistemas elétricos;
III - a supervisão e o controle da operação dos sistemas
eletroenergéticos nacionais interligados e das interligações internacionais;
IV - a contratação e a administração de serviços de
transmissão de energia elétrica e respectivas condições de acesso, bem como dos
serviços ancilares;"
É importante
guardar esse papel que o ONS tem, porque vamos falar um pouco sobre a
desverticalização.
"V - propor à Agência Nacional de Energia Elétrica -
ANEEL ampliações das instalações da rede básica de transmissão, bem como
reforços dos sistemas existentes, a serem licitados ou autorizados;
VI - a definição de regras para operação de transmissão
da rede básica dos sistemas elétricos interligados, a serem aprovadas pela
ANEEL;
VII - outras que forem atribuídas em contratos
específicos celebrados com os agentes do setor elétrico."
O ONS define ainda os seguintes benefícios:
"Para os agentes setoriais:
(...)
- Fornecimento de sinalização técnico-econômica das
condições futuras de atendimento.
- Viabilização de um mercado competitivo sadio, atuando
com integridade, transparência e eqüidade no relacionamento técnico com os
agentes.
Para os Consumidores:
- Segurança de padrões adequados de continuidade e
qualidade de fornecimento.
- Garantia de condições técnicas para que eletricidade a
preços baixos seja o resultado da competição entre as empresas no Mercado
Atacadista de Energia.
- Condições técnicas para a opção de escolha de
fornecedor pelos consumidores livres.
Para a sociedade:
- Redução dos riscos de falta de energia elétrica.
- Aumento da eficiência do serviço de eletricidade,
contribuindo para alavancar recursos para investimentos pelas
empresas.(...)"
Chega a ser
uma piada as frases contidas no Estatuto do ONS.
Qualé a composição do ONS ? Compete ao seu
Conselho de Administração a orientação geral dos trabalhos e atividades do ONS;
aprovar os procedimentos operacionais dos sistemas de geração e transmissão;
aprovar os relatórios emitidos pela Diretoria Executiva e solicitar à Diretoria
Executiva relatórios de análise de perturbações que afetem o sistema.
Quem são as
pessoas que compõem esse Conselho de Administração? Temos sete representantes
da geração, representantes da transmissão e representantes da categoria
consumo, que é a categoria das distribuidoras.
Aqui estão,
inclusive, os nomes das pessoas que aprovaram esses relatórios ou, pelo menos,
deveriam tê-los lido e aprovado, dizendo que estavam corretos. Se estavam
corretos, aquele aviso de abril de 2000, já explicitava o dever que as
distribuidoras tinham com o consumidor.
Além do Conselho de Administração, existe a Assembléia
Geral, composta da seguinte forma: a geração tem 9 mil votos, a transmissão tem
3 mil votos e o consumo tem 9 mil votos. Dentro da área de consumo, só 30% são
proporcionais ao mercado de cada empresa; 70% são votos igualitários.
O
interessante é que o Estatuto, no seu art. 9º, III, diz que a Assembléia Geral
pode aprovar a constituição de comitês de arbitragem e de auditoria, e no art.
21, V, recomendar a contratação de auditores externos para avaliar e analisar
questões específicas. Por exemplo, nós poderíamos ter sido contratados e, com
certeza, teríamos avaliado essa iminência de racionamento que havia nos
relatórios.
Sobre isso o
Pinguelli e o Ildo já falaram. É
o relatório do Kelman, que colocou em pratos limpos que não houve nenhuma
influência inesperada da hidrologia.
É engraçado
vermos que, no Brasil, as leis são desmoralizadas. A Lei nº 9.074/95, no seu art.
3.º, que trata da prorrogação das construções, justamente a parte que preparou
as concessões, que eram estatais, para serem privatizadas, diz o seguinte:
"Art. 3º
.................................................................................
I - garantia da continuidade na prestação dos serviços
públicos;"
Tivemos o
racionamento.
"III - aumento da eficiência das empresas
concessionárias, visando à elevação da competitividade global da economia
nacional;"
A tarifa
subiu 188,78%.
"IV - atendimento abrangente ao mercado, sem
exclusão das populações de baixa renda e das áreas de baixa densidade
populacional inclusive as rurais;"
A exclusão
não se dá só pelo não atendimento, mas pelo preço também, e algumas famílias
foram excluídas por aumentos da ordem de 300%.
Ou seja, a
lei não vale no Brasil. A Lei nº 9.074/95 tem vários dispositivos que não estão
valendo.
A Lei nº 8.987/95 também não está
valendo. Ela diz, no seu art. 38:
"Art.
38
................................................................................
§ 1º A caducidade da concessão poderá ser declarada pelo
poder concedente quando:
I - o serviço estiver sendo prestado de forma inadequada
ou deficiente, tendo por base as normas, critérios, indicadores e parâmetros
definidores da qualidade do serviço;"
Tudo isso foi
desobedecido, e, teóricamente, poderíamos inclusive cassar concessões, por
exemplo, no caso em que a concessionária perde suas condições técnicas. Na
minha opinião, não entender os relatórios da ONS é uma imensa falha técnica.
Sobre a desverticalização, a que o Tolmasquim
já se referiu, a intenção era no sentido de que a transmissão não poderia ficar
na mão da geração porque haveria um poder de mercado muito grande para quem tem
geração e transmissão.
É preciso
entender que existem dois modelos básicos para a implantação de de mercados de
sistemas elétricos, o modelo inglês ou o americano. No modelo inglês, a empresa
que faz a operação da transmissão tem todos os ativos da transmissão; no modelo
americano, o operador independente do sistema é tão poderoso, tão definidor do
que passa na linha, de que linha vai ser construída, qual a receita do
distribuidor, que o FERC resolveu recomendar que não se desverticalizasse,
exatamente plas razões que o Tolmasquim acabou de falar. Quer dizer,
desverticalizar a transmissão da geração é criar um problema contábil
inexistente: Porque não vou poder pegar o recurso que sobra na minha geração,
(porque as usinas no Brasil são antigas, estão rendendo muito dinheiro,) e
passar para a minha transmissão? Os senhores sabem que a transmissão no Brasil
está deficitária. Se a geração estava deficitária, a transmissão está muito
mais.
A desverticalização é desnecessária. Pela estrutura de
poder do ONS, é impossível que um agente de geração e transmissão tenha poder
de interferência. Naquela composição dos 9 mil votos, mesmo que Furnas, por
exemplo, tivesse um representante de geração, ele não pode ter um outro de
transmissão. Cada empresa só pode ter um representante, portanto, não há como
se conseguir ter poder de mercado.
O ONS é
contratante exclusivo do sistema de transmissão e interveniente obrigatório do
contrato de conexão. Os proprietários de ativo de transmissão não têm qualquer
poder sobre o mercado de energia. A remuneração da transmissão, o monopólio atual,
é fixado pela ANEEL sob forma de receita anual permitida, quer dizer, não há
como alterar esse quadro, a receita está definida. Mesmo que Furnas geração
contrate a Furnas transmissão, não pode fazer um preço diferente para valorizar
sua venda; ela tem que contratar por um valor definido. Os proprietários
dos ativos de transmissão são obrigados a contratar exclusivamente com o ONS o
transporte de energia, a quem cabe a operação.
Então, essa
hipótese de que vai se exercer poder de mercado e por isso tem que verticalizar
não é válida com o modelo adotado pelo Brasil, que igual ao modelo americano.
Por isso os Estados Unidos não desverticalizaram.
Era isso que
queria dizer. (Palmas)
O SR.
COORDENADOR
(Luiz Pinguelli Rosa) - Agradecemos ao Sr. Roberto Araújo, sempre fazendo
exposições de alta qualidade, contribuindo com sua apresentação audiovisual
muito bem feita e pedagógica, além de correta.
Concedo a
palavra ao Sr. João Paulo, também do Instituto Ilumina do Nordeste.
O SR. JOÃO
PAULO MARANHÃO DE AGUIAR - Bom dia a todos. Acredito que uma parte
importantíssima de reuniões como essa são os debates, os questionamentos. Vou
procurar ser breve, utilizando dez minutos para falar sobre o tarifaço e o
racionamento e outros dez sobre a cisão.
Gostaria de
começar chamando atenção para um aspecto muito importante. O histórico de tudo
isso demonstrará que, a partir do que disse o Deputado Luiz Antonio Fleury,
passando pelo Prof. Pinguelli Rosa, e pelos outros companheiros, houve uma
crônica da morte anunciada. O racionamento, a crise toda tem uma história, todo
um projeto de tragédia que vem de há muito tempo.
Em maio de
1995, pelo Decreto nº 1.481, o Governo Federal incluiu as geradoras estatais,
os grande sistemas hidrelétricos, no programa de privatização. Em 1996, surgiu
o Ilumina não para ser contra ou a favor, mas para discutir. Ontem, o Prof.
Pinguelli Rosa e eu participamos de um seminário no Rio, e foi citado um livro
novo de Celso Furtado que é maravilhoso. Ele chama a atenção para o fato de que
a busca de um novo modelo é um convite ao debate sobre o futuro do País. Então,
o Ilumina, em 1996, se propôs a começar debater o futuro da energia no Brasil.
Foi dito aqui
que energia não é chuchu. Se quisermos tratá-la como commodity, é um commodity
especial. Quando eu não tenho chuchu, como cenoura; se não tenho cenoura, como
alface; mas o similar da energia elétrica é a vela. Ou há energia elétrica ou
temos que usar vela para não ficar no escuro. Essa é a característica
fundamental da energia, fora o fato de não ser estocável etc.
Então, em
1996, surgiu o Ilumina. Só agora estamos reaprendendo a cidadania, cuja
trajetória foi interrompida em 1964, e o fato de sobreviver 6 anos já é uma
vitória extraordinária do Ilumina.
Naquela
ocasião, a CHESF fez uma proposta, como empresa, para o Governo Federal - estou
aqui como representante da Ilumina - sobre o Nordeste, que vamos ver que era
algo muito simples.
Cerca de 95%
da energia produzida no Nordeste vem dessa cascata de usinas. É um rio só, não
tem a complexidade do Centro-Sul, do Sudeste, onde há diferentes sistemas,
diferentes empresas, como a CEMIG, CESP, Furnas, COPEL. No Nordeste a coisa é
muito simples: é um conjunto de usinas que começa em Sobradinho, passa por
Itaparica, Moxotó, até o complexo de usinas de Paulo Afonso e Xingó. Ali há uma
capacidade de produção de 50 milhões de megawatts/hora anuais, que é mais ou
menos o consumo atual do Nordeste, se fosse operado corretamente, coisa que não
aconteceu.
Em 1996, a
CHESF produziu um estudo, quando se falou que começou a Coopers&Lybrand, e
aqui está dito:
"A partir do ano 2000, é preciso agregar novas
fontes de geração para suprir o mercado. As opções disponíveis passam por
importação da energia de outras regiões, implantação de parque térmico local,
e, em menor escala, uso de fontes alternativas de energia. "
Então, foi
dado em 1996 o alerta de que, a partir de 2000, seriam necessárias novas fontes
de energia para o Nordeste.
Finalmente,
também sobre esse aspecto, no ano 2000, imediatamente após concluído o período
úmido, em junho de 2000 o Ilumina já dizia que a crise que se estava anunciando
seria dita pelo Governo como resultante do insucesso do programa de
privatização, em face de forças obscurantistas que teriam se oposto à
privatização. Dizíamos que não haveria um quilowatt/hora a mais agregado ao
sistema se tivesse havido privatização. O que houve foi incompetência,
imprudência, irresponsabilidade, não providenciando a ampliação. Isso foi dito
e publicado nos jornais em junho de 2000.
A crise veio
no período úmido, de novembro de 2000 a abril de 2001, dizendo-se que não foi
tão bom quanto se esperava. Essa crise foi totalmente anunciada.
Vem agora o
fato de que é absolutamente irreal se estar pagando uma multa pelo exercício de
cidadania que toda a população brasileira fez de não consumir energia. Quer
dizer, a energia que o Brasil não consumiu os consumidores estão sendo
obrigados a pagar. Essa é uma questão importantíssima, que faço muita questão
de ressaltar em todos os pronunciamentos, e não tenho ouvido muitas referências
a ela. Acredito que estamos aqui para dar subsídio a fim de se saber o que se
faz em defesa da sociedade, em defesa dos brasileiros.
Ao longo do
ano de 1999, a ANEEL preparou contratos a serem assinados entre as geradoras e
as distribuidoras, contratos esses que deveriam regular o fornecimento de
energia. O § 3º de uma cláusula - que varia entre a sétima, oitava e nona em
cada contrato, estou aqui com um contrato entre a CHESF e a CELPE - diz
claramente o seguinte:
"Os faturamentos integrais relativos à compra de
energia e demanda pela compradora referem-se a períodos normais de
fornecimento, podendo não vigorar nos períodos de racionamento, durante os
quais deverá ser observado o disposto no Decreto nº 93.901, de 9 de janeiro de
1987, ou legislação que venha a substituí-lo ou complementá-lo".
O que
aconteceu foi que, no mesmo dia em que foi assinada a Medida Provisória nº
2.148, que criou a Câmara de Gestão, foi emitido um decreto tratando da
economia de energia em repartições públicas e outros órgãos. Perdido em um dos
artigos desse decreto, havia um dispositivo que revogava o Decreto nº 93.901. A
salvaguarda que a sociedade tinha para dizer que cabia ao Ministério de Minas e
Energia definir o regime de faturamento relativo à energia e demanda entre a
vendedora e a compradora foi eliminada no dia em que o Governo reconheceu que
haveria crise. Ou seja, a salvaguarda que a sociedade tinha para esses casos,
que era um decreto de Aureliano Chaves, de janeiro de 1987, antecedendo o
início de uma crise de racionamento, no mesmo dia em que o Governo terminou por
reconhecer que havia uma crise, ele revogou esse decreto, deixando para as
distribuidoras absoluta liberdade de se apoiarem no tal do Anexo V.
Isso, até
hoje - deve ser uma deficiência nossa - não consigo entender. Partimos da
posição de se ter uma salvaguarda e começou um jogo já a favor da
concessionária.
Algum tempo
atrás, uma cunhada minha foi roubada por um trombadinha, e quando falei com
ela, estava extremamente contente. Perguntei como ela, tendo sido roubada,
estava tão contente? Ela tinha passado no banco, tirado 3 ou 4 mil reais, e
colocado no bolso da calça. O trombadinha chegou e levou a bolsa dela, onde só
havia batom e uns cinqüenta ou cem reais. Então, ela estava felicíssima por ter
sido roubada só em alguns poucos reais quando no bolso da calça tinha alguns
milhares de reais.
Temos uma
coisa semelhante no Relatório nº 2 do Comitê de Revitalização, onde é dito que
as distribuidoras pediram 10,7 bilhões, e estamos estimando passar 4,6 bilhões
para elas. Ou seja, elas não teriam direito a nada se o decreto de Aureliano
estivesse vigorando, ou pelo menos o Brasil partiria de uma posição de
superioridade, dizendo que estava previsto no acordo que eles assinaram que, em
termos de racionamento, é excepcional o tratamento. Mas não, eliminou-se aquilo
e eles passaram a exigir 10,7 bilhões. Depois, dizem: "Olha como sou
inteligente; não vou pagar 10,7 bilhões, só vou pagar 4,6 bilhões de
compensação".
Essa é a
história mais esquisita que conheço, e gostaria de deixar aqui com o
companheiro que comanda a Mesa. Vou deixar essas coisas todas, até porque tenho
um cuidado muito grande, desde alguns anos atrás, quando houve aquele assunto
do Ricupero. Falamos sempre do postulado de Ricupero, que é quando se diz para
o público o que é bom e se esconde o que é ruim. Não gosto de fazer isso; gosto
de analisar todos os dados. Então, tudo o que estou dizendo aqui está em
documentos que serão passados para vocês.
Por outro
lado, naquele mesmo junho de 2000, dizíamos que se o Nordeste tiver 1200
megawatts à disposição - porque imaginávamos 400 em Fortaleza, 400 em Recife,
400 em Salvador -, não haveria nenhuma ameaça, por pior que fosse o ciclo
hidrológico. O que aconteceu?
A idéia do
Ilumina Nordeste é que as idéias do Prof. Ildo sejam colocadas num documento e
que todos nós assinemos para que todos sejamos processados. Fica de novo a
sugestão.
Então, vejam
o seguinte: na ocasião em que os contratos foram assinados, estava demonstrado
que não havia a necessidade de contratar energia emergencial. Todos que estão
aqui certamente lêem revistas semanais, e devem ter visto que foi inaugurado
uma térmica em Fortaleza. Todos se lembram de que a esposa do empresário
aparece na fotografia tomando algumas providências para defender o patrimônio.
(Risos.) Foram 270 megawatts, de uma primeira etapa de 400. A CHESF já vai
inaugurar no fim do ano em Camaçari e, em 2003, em Bongi. Então, sabe-se que
não se precisa de energia emergencial.
Peguei cinco
exemplos: o que o Brasil está gastando para ter a honra de hospedar algumas
energias emergenciais? Não se trata de um quilowatt/hora gerado; isso é só para
manter de sobreaviso, é só para chegar com a usina, abrir a madeira da
embalagem e, daqui a dois ou três anos, fechar a embalagem. Não se trata de
gerar um quilowatt/hora.
Vamos pegar
um exemplo. Em Minas Gerais, a HRG Energy Limited vai instalar uma usina de 192
megawatts, que deverá estar disponível no dia 1º de julho de 2002 e que vai
embora no dia 31 de dezembro de 2005 - portanto, são 42 meses de
disponibilidade. O Brasil vai pagar 325 milhões, 638 mil e 340 dólares para ter
o prazer de hospedar essa usina, e depois o proprietário a leva para onde
quiser.
No meu
Estado, Pernambuco, a Termocabo é uma potência de 48 megawatts, também vai
ficar disponível até 2005, e por ela vamos pagar US$ 2.548,70 por quilowatt
disponível, que é mais do que o dobro de uma usina hidrelétrica. No caso dessa
usina, em dezembro de 2005, o dono também leva de volta, não vai gerar um
quilowatt/hora, e recebeu 122 milhões, 337 mil e 892 dólares por ter colocado
isso parado lá.
Na Bahia, o
valor é menor, mas também vai se desmobilizar mais cedo. Vai-se instalar uma
usina entre junho e dezembro de 2004, e o dono vai receber 255 milhões de
dólares.
Ou seja, por
essas cinco usinazinhas, pelo prazer, pela honra de hospedar usinas - vejam que
não haverá nem um quilowatt/hora gerado aí, os custos são adicionais - o Brasil
vai gastar 1 bilhão de dólares. E repito - por uma questão de honra, terei
muito prazer de estar ao lado do Prof. Ildo quando processado -, no instante em
que esses contratos foram assinados, estava demonstrado que não era necessário.
TTodos sabemos que, na compra de um carro ou um apartamento, enquanto não se
assinar a escritura ou passar o cheque para efetivação da compra, poderá de
última hora haver desistência do negócio. Autoridades do setor declararam que,
naquele caso, já havia um compromisso; não havia. Na verdade, estavam apenas na
fase de entendimentos. Antes de assinar o contrato, poderiam optar por fazer ou
não aquele negócio. No máximo levariam uma bronca.
(Não
identificado)
- Mas existe a palavra.
O SR. JOÃO
PAULO MARANHÃO DE AGUIAR - A palavra? (Risos.) V.Sa., se pedir a um
vendedor um par de sapatos para experimentá-los, mesmo que eles apertem todos
os seus dedos, deve sentir-se na obrigação de comprá-los e levá-los
simplesmente para manter sua palavra? Mesmo que passe a mancar o resto da vida,
deve comprar aquele sapato apertado apenas para honrar sua palavra? (Risos.)
Expliquei de
forma extremamente rápida a situação da energia emergencial e do tarifaço, ao
meu ver absolutamente desnecessário. Alertou-se com extrema antecedência para a
necessidade de se ter uma nova fonte de energia. E ela apareceu em Fortaleza,
naquelas usinas térmicas das CHESF, a exemplo das que já existem no Sul do
País. Então, teria sido perfeitamente possível abortar a operação. Só falta
dizerem que o piloto, se no momento da decolagem de sua aeronave perceber uma
pane na turbina, deve decolar assim mesmo para manter a palavra. Nesse caso, só
espero não estar nesse avião.
Sobre a cisão
- e volto novamente a me referir ao postulado de Ricupero -, farei algumas
considerações. Tudo que existe sobre cisão de empresas está contido nessas 22
páginas, assim divididas: 12 páginas para a Exposição de Motivos do BNDES; 8
para as cópias das transparências apresentadas na Presidência da República no
dia 8 de janeiro de 2002.
Em dezembro
de 2001, o BNDES produziu um relatório de 12 páginas tratando da cisão de
Furnas, conforme bem demonstrado pelos companheiros Maurício e Roberto. Vale
ressaltar que a cisão de Furnas é a separação entre a empresa de transmissão e
a de geração. Quanto à separação contábil, nós já a praticamos há anos. O Dr.
Maurício Tolmasquim confirmou que é possível saber perfeitamente qual foi o
prejuízo de Furnas com a transmissão, assim como qual foi o lucro mínimo e o
lucro máximo da CHESF.
Sobre essa
separação contábil, nós que temos uma carreira e uma empresa a preservar
sabemos que em certo instante há custeio, investimento etc. Durante quase dez
anos consegui manter na CHESF um centro de custos correspondente à inserção
regional. Tudo que fazemos hoje para atender à obrigação constitucional da
função social da empresa está no centro de custos. Este ano, por exemplo,
comunicamos ao setor financeiro que gastamos R$ 587.462,20 em inserção social
ou regional. A operação é simplíssima.
Mas, voltando
àquele documento de doze páginas - e a Exposição de Motivos apresentada na
Presidência da República é praticamente igual -, há ali apenas uma repetição de
frases. Não existe qualquer fundamento nas argumentações. Uma das razões
apresentadas para a cisão da CHESF foi a de que o adequado e eficaz
gerenciamento de recursos hídricos da Bacia do São Francisco se torna vital,
uma vez que as afluências dos rios dependem dos níveis de precipitação
pluviométrica. E ainda se explica, para nós, ignorantes e "neobobos",
que precipitações pluviométricas são "chuvas", entre aspas, e que
elas não podem ser previstas com precisão, além de variarem razoavelmente de um
ano para outro. Numa das argumentações mais importantes, justifica-se a cisão
da CHESF afirmando-se que o rio é formado pela água da chuva, que varia
periodicamente, até mesmo de ano para ano. (Risos.) O Deputado Clementino
Coelho, originário daquela região, sabe como sofre o sertanejo. Há ano que
chove muito, há ano que não chove nada, e assim sucessivamente. Enfim, é uma
justificativa.
No caso
específico da CHESF, apresentarei novamente aquela transparência do São Francisco.
A CHESF serve como exemplo bem didático. Como disse anteriormente, 95% vêm
daquele pedaço de rio, do Km 800, em Sobradinho, pertinho de Petrolina e
Juazeiro, até o Km 200, em Xingó. Hoje, 95% da energia do Nordeste vêm
basicamente de Sobradinho, Itaparica, Moxotó, PA-I, PA-II, PA-III, PA-IV, Xingó
- um conjunto de usinas que somam 10.200.000 quilowatts, ou 10.200 megawatts.
Em 1998,
houve uma tentativa de cisão que motivou um esforço muito grande da sociedade,
principalmente dos sindicatos e das organizações de classe. Às vésperas de a
CHESF ser cindida para ser privatizada, o então Prefeito de Recife, Roberto
Magalhães, pronunciou-se sobre a insanidade dos responsáveis pela venda da
CHESF, que significaria a privatização da água do São Francisco. Pela primeira
vez o Governo, juntamente com os gestores, começou a pensar nos múltiplos usos
da água. Foram extremamente inteligentes, porque embrulharam todo um ardil com
três embalagens de excelente qualidade. E em 8 de janeiro o Governo Federal
anunciou que não mais haveria a privatização da CHESF, e que aproveitaria, sim,
seu conhecimento para colocá-la como gestora dos recursos hídricos e
responsável pela ampliação da infra-estrutura hídrica. Anunciou também a
utilização de toda a renda originária da geração para ampliação da
infra-estrutura hídrica da usina.
Um
companheiro nosso, do Ilumina, lembrou que Alexandre, o Grande, rei da
Macedônia, dizia que nenhuma cidade resistiria a um burro carregado de ouro.
Realmente, o Governo foi extremamente inteligente ao elaborar seu ardil para
efetivar a cisão. Anunciou à sociedade nordestina, depois de haver feito
levantamentos e pesquisas de opinião e confirmar que mais de 80% daquela
população estava contra a privatização da CHESF, que não ia mais privatizar a empresa
e que usaria sua competência para transformá-la em gestora da água e ampliar a
infra-estrutura hídrica, além de usar os recursos gerados para produção de
energia elétrica em reaplicação. Há vários nordestinos aqui que podem confirmar
o que digo. Ninguém, tenho certeza, dirá o contrário.
Posteriormente,
o Ilumina/NE anunciou que precisaria analisar com muito cuidado aquele
documento, sob pena de estarmos adotando a postura do anarquista espanhol: "Hay
gobierno, soy contra". Ou seja, não aceitaríamos aquilo só porque
o Governo propôs. Tratava-se de uma proposta extraordinária.
E os dias
começaram a correr.
Já
ultrapassei em quase cinco minutos meu tempo. Na tentativa de respeitar o tempo
de V.Exas., concluirei em cinco minutos.
A sociedade,
por intermédio do Ilumina/NE, ou da própria empresa CHESF, responsável por uma
série de tarefas, começou a querer saber o que o Governo Federal e os gestores
do processo desejavam de nós. Primeiro, há uma grande quantidade de atores
envolvidos: o DNOCS, a CODEVASF, a ANA, o Ministério dos Transportes. Então, o
que o Governo Federal desejava da CHESF, em relação a desenvolvimento hídrico?
Que a CHESF construísse poços artesianos, como vimos nas transparências
apresentadas na sala do Presidente da República no dia 8 de agosto? Que ela
fosse responsável pelos poços artesianos, pelos esgotos, pelo derrocamento,
pela dragagem, pela canalização, desmoralizando-se em seis meses? Ou,
finalmente, que fizesse estudos, planejamento, financiamentos e fiscalização
desses financiamentos?
Senhoras e
senhores, amanhã completamos quatro meses. Há pessoas, não sei se com medo de
perderem o emprego ou obcecadas por determinadas ordens, sargentões do
Exército, ou pessoas ligadas à direção de empresas, como a ELETROBRAS, entre
outras, que recomendam à CHESF que não defina nada, mas tão-somente que se faça
uma caixinha para o desenvolvimento hídrico. Depois, tudo se resolverá. Na
realidade, o Governo não sabe o que quer. No momento, o mais importante é a
cisão. Foi dito aqui, se não me engano pelo Prof. Luís Pinguelli Rosa, que
existem determinações externas para realizá-la de qualquer jeito.
O Governo
pretende obter de qualquer jeito - embora isso tenha sido "apagado"
aqui - duas empresas de geração. A primeira delas vai de Paulo Afonso para atrás,
deixando Xingó livre para, em 2 de janeiro de 2003, anunciar a privatização.
Serão 3 mil megawatts para privatizar, ou seja, 18 milhões de megawatts/horas.
No ano
passado a CHESF deu lucro, pois vendeu energia a 16 dólares e 50 centavos. O
que se pretende é elevar esse lucro para aproximadamente 45 dólares. Quem
comprar esse ativo terá ganho significativo, semelhante ao de uma loteria.
Apenas mais
duas observações: Furnas é uma empresa de geração e de transmissão. Prevê-se
futuramente uma possível pulverização de ações. A ELETRONORTE também é uma
empresa de geração e de transmissão. No caso da ELETRONORTE, os sistemas de
Acre e Rondônia ficam isolados dentro da empresa de transmissão, o que já é
absolutamente contra o dogma dessas pessoas. Está claramente indicada, no
documento do BNDES, a restruturação das companhias ELETROBRAS, CHESF e
ELETRONORTE. Para a ELETRONORTE, a proposta é a cisão parcial, com a criação da
transmissão, para segregar os ativos, e dos sistemas eletroisolados do Acre e
Rondônia. Quer dizer, improvisa-se tanto que para a ELETRONORTE está prevista a
criação de uma empresa de transmissão, mas permanecem os ativos de
geração do sistema isolado de Acre e Rondônia.
Quando o
BNDES concluiu esse trabalho, declarou, absurdamente, que não haveria problema
de água com a criação da CHESF-Água, , . Seria, sim, uma maneira de gerenciar
pressões locais, como o Projeto Nilo Coelho e outros, quanto ao uso dos
reservatórios, apesar de o futuro operador ser um mero executor da regulação
desses reservatórios, seguindo instruções da ONS, medida que contraria a lei,
porque quem deve definir o destino da água é a ANA; acima dela está o Conselho
Nacional de Recursos Hídricos, autoridade maior, que executa a política
nacional de águas. O Governo resolveu cindir a CHESF em duas e definiu que um
trecho do São Francisco ficará sob gestão da empresa.
Vale lembrar
que o Governo já foi contra a Lei nº 9.433, uma das melhores legislações
elaboradas por este Parlamento, que determina que a unidade de planejamento é a
bacia hidrográfica, que, por sua vez, é indissolúvel. Para aprimorar seu
projeto, o Governo simplesmente anunciou que a bacia do São Francisco será
dividida em duas - uma medida que, como se vê, vai contra a lei.
Lembro mais
uma situação ocorrida no BNDES que vale a pena citar, e ninguém pode dizer que
essa história não ocorreu, porque eu participei dela. Em 1998 a CHESF tinha uma
pendência judicial com a Construtora Mendes Júnior. O BNDES enviou
representantes a Recife para que analisassem em profundidade aquele processo.
Como eu conhecia mais profundamente a situação, fui encarregado para tanto.
Durante aquele período recebi várias informações a respeito daquela ação
judicial. Eu, pessoalmente, imaginava que estivesse agindo do lado do bem, mas
na verdade estava do lado do mal. De posse dessas informações, o BNDES fez uma
triangulação com a Mendes Júnior e a Belgo Mineira. A Mendes Júnior passou o
hipotético direito às mãos da Belgo Mineira, que pegou os papéis podres, e o
BNDES pagou à Belgo Mineira 350 milhões de dólares, a preços daquela época,
para ficar com aqueles papéis podres. Tomamos conhecimento dessa negociação
agora, em dezembro de 2001, quando, em função da burocracia do BNDES, a CHESF
foi incluída no SERASA dos bancos. Quando a CHESF foi procurar suporte bancário
para negociar com Camaçari e Bonji, constatou que não poderia realizar a
operação porque estava inscrita no cadastro de inadimplentes. Ou seja, o
BNDES, órgão do Governo, tornou-se contendor da CHESF porque comprou papéis
podres da Mendes Júnior para que fosse possível dar dinheiro bom à Belgo
Mineira.
Recentemente,
o BNDES disse que precisa ter notícia de outra pendência da CHESF contra
empreiteiros. Senti-me na obrigação, respeitando o Código de Ética, de alertar
os colegas. Tenham cuidado, porque em 1998 eu fui usado. Vocês podem estar
passando informações privilegiadas. Por isso, precisam saber que tipo de
negociação se pretende fazer com essas informações. Será que a intenção é
entregar dinheiro bom, a título de pretensos direitos, para depois entrar na
Justiça como contendores da CHESF? Trata-se de questão gravíssima. Estamos aqui
para discutir o que podemos fazer para defender a sociedade.
Evidentemente
poderia passar a tarde inteira falando, mas já fui alertado de que ultrapassei
os vinte minutos a mim concedidos.
Muito
obrigado. (Palmas.)
O SR.
COORDENADOR (Luiz
Pinguelli Rosa) - Senhoras e senhores, completamos agora nosso ciclo de
debates. Creio que todos já fizeram suas intervenções, mas ainda nos resta
algum tempo para manifestações do plenário.
Convido os
Srs. Deputados a fazerem parte da Mesa .
Senhoras e
senhores, o que ouvimos aqui é estarrecedor. Na presença do Ouvidor da Câmara,
gostaria de propor que a partir de agora, e logo mais à tarde - naturalmente, o
fim da tarde será destinado a isso -, usemos o impressionante material que nos
foi apresentado. Não sei se é o termo adequado, mas considero que esse material
é prova da ação de uma quadrilha que, em favor do interesse privado, insere em
um instrumento legal algo que nada tem a ver com esse determinado assunto, algo
que anula esse instrumento legal. É um escândalo! Quando se examina um
documento, seja o Congresso, seja a Justiça, seja o cidadão interessado,
guia-se pelo título. Não me parece da boa prática legislativa introduzir em um
documento assuntos que nada tenham a ver com o título. É uma forma de ludibriar
a boa-fé de quem examina ou de quem vota a matéria.
Vamos votar
uma lei sobre de energia elétrica, e nessa lei vamos, por exemplo, tratar do
tráfico de drogas, ou da prisão dos bandidos? Vamos agora dizer que a energia
elétrica deixa de ser assim e passa a ser assado no meio da discussão de outro
assunto?
Usei aqui a
palavra "insanidade". Algumas coisas que discutimos, que dissemos e
ouvimos, colocam-nos na entristecida situação de insanos neste País, ou na
suspeita de que há algo por trás disso - também é uma suspeição aqui presente
-, que esse processo todo é presidido por uma lógica maior. Ou seja, o Governo
brasileiro assumiu um compromisso internacional secreto que não confessa à
população e que, portanto, parece ilegal.
Não sei se
existe autorização para o Poder Executivo assumir tais compromissos, mas ele os
segue à risca e beneficia com infra-estrutura o investidor estrangeiro na área
para a qual foi atraído. O que foi dito aqui em termos de proteção às empresas
elétricas só pode ser entendido a partir dessa lógica, ou de alguma outra que
não o bom senso, não o serviço público, não a meta de bem administrar o setor
elétrico.
Vamos passar
a palavra ao Plenário para perguntas aos expositores ou para que alguma
contribuição possa ser dada ao debate.
(Intervenção
inaudível.)
O SR.
PRESIDENTE (Deputado
Luiz Antonio Fleury) - Deputado Clementino Coelho, solicito a V.Exa. que
utilize o microfone para fins de registro, já que depois enviaremos cópia da
fita a quem desejar.
O SR.
DEPUTADO CLEMENTINO COELHO - Ouvi atentamente a palestra do Sr. João Paulo Aguiar,
uma das pessoas que mais me aconselham. Sempre o consulto. Sou membro da
Comissão de Minas e Energia e fiz parte da Comissão Mista. S.Sa. é a pessoa que
procuro para esclarecer dúvidas e posicionamentos. Considero-o uma das pessoas
mais capacitadas no Nordeste sobre o tema energia. Sinto-me bastante seguro
depois que o ouço.
Esse aspecto
aqui discutido, de que o Ilumina, de que os acadêmicos, enfim, de que os
próprios gerentes do sistema energético do Brasil chamaram a atenção para o
fato de que não haveria necessidade do programa emergencial tem de ir às
últimas conseqüências. Se havia toda essa evidência, toda essa segurança da
não-necessidade de um projeto que ultrapassa o desperdício e beira o conluio,
temos de ir ao fundo, utilizando todos os instrumentos disponíveis à sociedade
e ao Congresso para defender a Nação e a própria sociedade de atos dessa natureza.
João Paulo
chamou a atenção para a situação do Nordeste, sobretudo no semi-árido. Nesse
ponto o Governo é muito ardiloso. A maioria das emergenciais estão no Nordeste.
Ele é ardiloso, porque o que nos preocupa no Nordeste e no semi-árido não é
falta de energia, como acontece no resto do País; o que nos preocupa é a falta
d'água para promover nosso desenvolvimento sustentado.
Todo o
desenvolvimento sustentado de 22 milhões de brasileiros, naquele um milhão de
quilômetros quadrados que é a plataforma do semi-árido tropical, depende da
água e do manuseio inteligente dos recursos hídricos do Rio São Francisco. A
vida toda, a sociedade do semi-árido tem sido ameaçada pelo conflito energia versus
irrigação, e o elemento que propicia tanto a energia elétrica como a irrigação
é a água. Toda vez em que se fala em colapso energético, está-se falando em
colapso do desenvolvimento sustentado, cujos pilares são a irrigação, a geração
de divisas e de empregos, a distribuição de renda e a agricultura competitiva.
Nenhum outro país do mundo poderia competir conosco se irrigássemos um ou dois
milhões de hectares, se tivéssemos água disponível. Portanto, o Governo é
ardiloso, porque joga com esse sentimento.
Repito: a
única maneira de desenvolver o semi-árido brasileiro - que abrange 1.150
Municípios em um milhão de quilômetros quadrados - é justamente termos água
disponível. Talvez isso justifique a passividade de alguns Parlamentares, ou da
maioria dos Parlamentares do Nordeste, quanto a essas evidências de que não
haveria necessidade do programa emergencial. Faço essa ponderação até porque
temos que ir ao fundo dessa questão.
Um outro
aspecto: independentemente da tentativa de responsabilização criminal e
judicial, há um outro argumento que poderá causar reação mais rápida da
sociedade. No ano passado, depois de diversos debates e audiências com
acadêmicos na Comissão de Minas e Energia, no fórum da Comissão Mista e na
imprensa, ficou claro que a sociedade como um todo penaliza o consumidor
residencial. Foi demonstrado que o consumidor residencial de São Paulo, Rio de
Janeiro e Salvador paga pela energia muito mais do que uma pessoa que more em
Paris, Londres e Nova York. Por que isso é duas vezes absurdo? Ora, a renda per
capita no exterior é três, cinco, dez vezes maior do que a nossa! Pior: a
matriz energética deles é muito mais onerosa. Temos uma matriz hidroelétrica,
mais barata.
Repito: ficou
claro que quem está bancando todo o subsídio à indústria é o consumidor
residencial, que responde por 28% do consumo e paga quase 50% do que se
arrecada.
Ficou claro
também para o Congresso e para a sociedade que no Brasil as indústrias,
sobretudo as eletrointensivas, detêm os maiores subsídios do mundo. Não se
encontra preço garantido por 10, 15, 20, 25 anos a essas empresas. E são todas
multinacionais. Já foi dito que alguns países chegaram a fechar suas fábricas
de alumínio e trouxeram-nas para o Brasil - como, por exemplo, Japão e Canadá -
atrás dos subsídios.
Além disso,
ficou claro que existe desequilíbrio entre a tarifa residencial e a seletiva
das eletrointensivas.
Pergunto
então: qual o papel de qualquer Governo? Distribuir os recursos dentro de uma
sociedade.
Para amenizar
a proposta, apresentamos um destaque ao Plenário quando da votação da MP nº 14.
Infelizmente, o Relator sequer respondeu. Eu pedi nominalmente que S.Exa. me
desse uma explicação. Perdemos. Propusemos que, se tem de haver compensação,
seja ela tirada das eletrointensivas. Em vez de aumentarmos em 8% as tarifas
das eletrointensivas, aumentemos 10%, 11%, e liberaremos o consumidor
residencial e o setor agrícola.
As indústrias
eletrointensivas são altamente subsidiadas. Primeiro, na tarifa recebem
tratamento privilegiado; segundo, trata-se de um setor que pode incorporar
tecnologia, ganho de produtividade. É o que tem acontecido nesses últimos dez
anos com a revolução tecnológica. Estão reincorporando vantagens que não são
repassadas como benefícios para a sociedade ou para os setores produtivos em
cadeia. Vão é para o bolso de alguns. São dividendos que estão indo para o
exterior. Acho que poderíamos retirar esse ônus da sociedade justamente
transferindo a tarifação. Tenho certeza de que esse impacto de mais dois ou
três pontos percentuais para as eletrointensivas não precisa ser repassado ao
preço dos produtos, porque, como disse, elas têm ganhos de produtividade e de
incorporação de tecnologia. Não podemos, então, fazer um aditivo ao contrato,
ao que está aprovado?
Houve mais
absurdos ainda. Elementos da base do Governo tentaram privilegiar ainda mais os
eletrointensivos: a tarifa, em vez de ser fixada em 7,8%, ficou em 2,8%. Isso
não foi vetado? Recebi a informação de que havia sido vetado pelo Presidente.
Não foi? Foi vetado.
Mais ainda:
as economias dessas eletrointensivas poderiam ser vendidas a preço de mercado.
Quer dizer, receberam energia subsidiada e vão economizar, por conta de
incorporação tecnológica; receberam um benefício e, no lugar de devolvê-lo à
Nação, querem vendê-lo a preço de mercado! Prova disso é a possibilidade de
absorver o impacto que cairia sobre o residencial. Poderíamos brigar, aqui. O
desdobramento jurídico e criminal vai demandar tempo, mas esse outro não. Basta
negociar, porque se trata de bom senso. Eles mesmos admitem isso. Se na hora de
vender podem economizar - leia-se: economia não é racionamento; é ganho de
produtividade -, como já existe tarifa subsidiada, que devolvam esse ganho à
sociedade, ou então incorporem esse aumento que se quer cobrar do consumidor
residencial ou da agricultura.
Era o que
tinha a dizer. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE
(Deputado
Luiz Antonio Fleury) - Com a palavra o Sr. Fernando Siqueira, Presidente da
Associação dos Engenheiros da PETROBRAS, nosso companheiro na apuração da P-36.
O SR.
FERNANDO SIQUEIRA
- Gostaria de fazer uma pergunta ao Sr. Tolmasquim. Estive comentando com o
Deputado Luiz Antonio Fleury as estarrecedoras informações apresentadas por
pessoas altamente confiáveis. Elas só encontram paralelo na forma de atuação do
Governo em relação à PETROBRAS.
Dr.
Tolmasquim, minha pergunta é sobre a rentabilidade da geração e da
distribuição. A meu ver, essa relação situa-se entre quatro e cinco dólares por
megawatts/hora. Furnas vende por 18. Portanto, para mim trata-se de um ganho
mais alto do que foi mostrado, a não ser que se tenha mostrado uma situação muito
desfavorável. O fato é que as distribuidoras compram por 18 e revendem para o
consumidor por mais de 100 dólares; para a indústria, fica em torno de 70
dólares o megawatt/hora. Nesses termos, o lucro é fantástico. Como o Governo
tem a cara-de-pau de dizer que tem de ressarcir essas distribuidoras?
Gostaria que
esse ganho absurdo das distribuidoras fosse bem ressaltado, porque a população
brasileira investiu no sistema de relação e, ao invés de estar desfrutando
desse investimento com uma tarifa mais baixa, está repassando esse lucro
fantástico para as distribuidoras, e ainda arcando com um tarifaço. Quer dizer,
a sociedade precisa estar bem esclarecida sobre o que está acontecendo.
O SR.
MAURÍCIO TIOMNO TOLMASQUIM - V.Sa. tocou um ponto importante. Veja bem, quando foi
feita a privatização, começou-se pela distribuição. Para tornar atrativa a
privatização da distribuição, aumentou-se a tarifa para a distribuidora, de tal
maneira que, em todo o mundo, no valor total da tarifa, 60% vão normalmente
para geração e transmissão, e 40% para distribuição. No Brasil acontece
justamente o contrário: 60% vão para distribuição e 40% para geração e
transmissão.
Temos um
sistema tarifário em que o grosso da remuneração da tarifa vai para
distribuidores. Daí inclusive a dificuldade, mantendo-se essa proporção de
ganhos, porque qualquer aumento na transmissão causa grandes impactos para o
consumidor.
Gostaria de
aproveitar este momento para dar uma informação que me chegou agora. Não sei se
é verdadeira, mas estou bastante preocupado e estarrecido. As distribuidoras
estavam recolhendo essa sobretaxa que estamos pagando, mas não a repassava para
o Governo. Parece a ANEEL que vai parcelar e dar mais tempo às distribuidoras
para repassar essa sobretaxa.
É um
verdadeiro escândalo! Elas estão ficando com o dinheiro. Fazem caixa, aplicam e
não repassam para o Tesouro, para o Governo, como deveriam. Pedi até que
confirmassem se a informação é verdadeira. É verdade? Estão dando um sinal de
que é verdade. É de estarrecer! Pensei que o Governo diria: "Não, vocês
têm de pagar agora, porque esse dinheiro não é seu". Mas, além de
parcelar, ele diz: "Vocês podem ficar com o dinheiro; tomem conta dele um
pouco, porque no momento não preciso". Deram mais tempo!
É informação
oficial: a ANEEL aumentou para quinze dias o prazo para o repasse do
seguro-apagão, que antes era de três dias. Estamos falando de 100 milhões de
reais mensais que elas podem ganhar. Podemos fazer a conta, considerando que
aplicam esses recursos no mercado financeiro, com juros, e veremos quanto estão
ganhando. Realmente, é um escândalo!
O SR.
PRESIDENTE (Deputado
Luiz Antonio Fleury) - Dr. Maurício, na sessão da tarde, o Deputado Fernando
Ferro estará presidindo os trabalhos. Vou pedir a S.Sa., porque estarei
presidindo a CPI do BANESPA, a partir das 14h, quando vamos ouvir o Diretor de
Fiscalização do Banco Central sobre o preço e a forma de avaliação do banco,
que faça a gentileza de sugerir, em relação a essa portaria da ANEEL, a
elaboração de um projeto de decreto legislativo - porque se trata de caso
típico de decreto legislativo - para sustar os efeitos dessa medida e para que
o repasse seja feito de imediato.
Dentre as
conclusões, poderemos aprovar a elaboração de um projeto de decreto legislativo
que revogue essa decisão da agência reguladora, que contraria, evidentemente,
os interesses do povo brasileiro. Aproveito esta oportunidade para apresentar
essa sugestão.
O SR.
MAURÍCIO TIOMNO TOLMASQUIM - Acho que respondi ao Sr. Siqueira. Realmente, o filet
mignon da tarifa vai para as distribuidoras, como S.Sa. bem apontou.
O SR.
PRESIDENTE (Deputado
Luiz Antonio Fleury) - Com a palavra o próximo inscrito, por favor. Peço que,
por gentileza, use o microfone e se identifique para fins de gravação.
O SR.
OLÍMPIO
DA VINCENZO - Penso que o Sr. Pinguelli tem razão. Estamos diante de uma
quadrilha, uma máfia que, parece, foi montada para saquear o povo brasileiro.
Não há outra explicação. É de estarrecer.
Peço-lhe
desculpas, Deputado, porque V.Exa. é da base do Governo. Meu descontentamento
não é com V.Exa.
O SR.
PRESIDENTE (Deputado
Luiz Antonio Fleury) - Sou independente. Votei contra a MP nº 14, e os
Deputados desta Comissão sabem disso. (Palmas.) No final desta reunião,
vou prestar um esclarecimento mais amplo. Inclusive discuti com o Ministro
Pedro Parente o conteúdo dessa medida provisória. Inicialmente o PTB havia
votado contra, depois liberou a votação. Eu defendi o voto contrário. Depois
vou esclarecer como foi a discussão, porque seria interessante, historicamente,
esse registro. Foi uma discussão trágica, eu diria, mas muito interessante.
O SR.
OLÍMPIO DA VINCENZO
- É bom saber que existem pessoas que pensam como V.Exa., embora fazendo parte
da base governista.
O SR.
PRESIDENTE (Deputado
Luiz Antonio Fleury) - Não estamos mais no Governo.
O SR.
OLÍMPIO DA VINCENZO
- Todos esses dados não podem ficar somente entre nós. O povo brasileiro tem de
ter clareza do que está ocorrendo. As entidades que estão promovendo este
debate têm de fazer um esforço para divulgar esses dados, a fim de criarmos um
movimento de salvação deste País. Tenho certeza de que isso não ocorre apenas
com o setor elétrico, mas também, como bem lembrou Fernando, com o petróleo, e
por aí vai.
A proposta
que faço é no sentido de que as entidades que estão promovendo este seminário o
divulguem amplamente.
O SR.
PRESIDENTE (Deputado
Luiz Antonio Fleury) - Pela ordem, concedo a palavra ao próximo inscrito, Sr.
Paulo Bubach.
O SR.
PAULO BUBACH
- Sou Presidente da Federação dos Sindicatos dos Engenheiros. Inicialmente,
quero parabenizar o Deputado Luiz Antonio Fleury pela oportunidade que oferece
à sociedade brasileira, na Ouvidoria da Câmara, o que não é novidade, tendo em
vista que na Comissão de Minas e Energia tivemos condições de participar de
eventos semelhantes.
É muito
importante ter a oportunidade de debater questões que normalmente são
discutidas a portas fechadas. Cabe também o reconhecimento da coragem e da
dedicação de pessoas como os nossos dignos palestrantes, sem distinção, que
usam sua inteligência, seu saber e sua capacidade para esclarecer a sociedade
sobre esses fatos e tirar o véu que encobre essas terríveis armações, feitas,
lamentavelmente, contra os interesses da sociedade e em favor de privilégios
restritos de grupos que se locupletam dessa situação.
Ficamos,
vamos dizer assim, um pouco desorientados sobre o que fazer ou até sobre o que
perguntar numa situação como esta, mas penso que temos de registrar, primeiro,
a importância que esta Casa e o Congresso Nacional têm, apesar de certas
dificuldades, na divulgação de tais fatos. Essa é a única chance de tomarmos
conhecimento, de forma mais aberta, do que tem acontecido por aí. Se tivéssemos
feito este debate num outro lugar, as informações seriam mais restritas;
entretanto, como o debate está sendo realizado nesta Casa, as informações têm
oportunidade de circular mais amplamente e de vir ao conhecimento da sociedade.
Apenas faria
um comparativo de como as coisas são, lamentavelmente, tratadas pelo Governo.
Não desconhecemos a prioridade do Governo em termos de Orçamento público. É
público e notório que cerca de 10 bilhões de reais por mês são dedicados ao
pagamento dos juros da dívida pública. Parece até que esses números
apresentados aqui começam a ficar pequenos, porque estamos tratando de uma armação
que envolve cerca de 18 bilhões, ou 20 bilhões de reais, não sei ao certo. Essa
armação dos juros já acontece há algum tempo; a sociedade não tem conhecimento
claro disso, mas cerca de 10 bilhões de reais por mês são destinados ao
pagamento de juros.
A questão
tarifária apresentada pelo Prof. Tolmasquim em relação ao setor elétrico -
embora Fernando, evidentemente, não tenha abordado isso aqui - já acontece há
muito tempo; ou seja, a parte da produção em mãos da PETROBRAS fica com a menor
quota, e a parte de distribuição em mãos das multinacionais fica com a maior
parcela das tarifas de petróleo.
Até hoje não
se esclareceu a privatização do Sistema TELEBRÁS, mas estamos certos de que se
trata de uma coisa monstruosa. Para se ter uma idéia, na Vale do Rio Doce só o
lucro pós-privatização já foi superior ao preço de venda da companhia.
Observamos que é costume criar certos auxílios quando as questões se relacionam
com o social, como, por exemplo, o auxílio-gás, que eqüivale a 7 reais ao mês
por família. Olhem só que disparidade: 7 reais ao mês por família!
No dia 1º de
maio, Dia do Trabalhador, o Ministro do Trabalho, em entrevista, disse, ao ser
questionado sobre a possibilidade de aumento do seguro-desemprego - hoje o
tempo gasto pelo trabalhador desempregado para conseguir um emprego é de oito a
doze meses; antigamente era de quatro meses -, com uma tranqüilidade de fazer
inveja, o seguinte: "É impossível fazer isso". E questionamos:
"Mas por quê?" Ele respondeu: "Porque o Orçamento deste ano já
foi aprovado. Talvez se possa pensar nisso para o próximo ano. Façam essa
proposta para o ano que vem, porque o Orçamento deste ano já foi
aprovado".
Ao mesmo
tempo, vimos o Prof. João Paulo mostrar aqui que decretos são alterados com
incrível facilidade e que o Orçamento pode ser mudado na hora em que bem
quiserem.
Realmente,
não tenho o que perguntar. Fico apenas estarrecido com esta situação, e mais
uma vez louvo a coragem e a dedicação das pessoas que se dispõem a trazer essas
informações a público e a buscar solução para esses problemas.
O SR.
PRESIDENTE (Deputado
Luiz Antonio Fleury) - Convido o companheiro Jesus, que sempre estará à frente,
para se pronunciar. (Risos.)
O SR.
JESUS DIVINO
- Sou Diretor dos Urbanitários de Goiás. Estou na mesma situação de Paulo, mas
apenas gostaria de acrescentar mais alguns dados.
Quando alguém
se referiu a subsídios, lembrei-me da CODEMIL, empresa que nunca foi nacional,
mas que dá prejuízo de 1 milhão de reais por mês para a Companhia Energética do
Estado de Goiás, só para os senhores terem uma noção. Quando se fala em
estarrecimento, fico imaginando o seguinte: roubam de um lado, roubam do outro
- e não tenho medo de dizer essas palavras -, mas gostaria de ter a honra e o
privilégio de assinar esse documento para ser processado por esse Parente,
porque quando eu disse que o rapaz tem palavra é porque os reis não voltam
atrás. Estamos falando de príncipes, o príncipe das trevas. Estamos falando de
Fernando Henrique Cardoso, outro príncipe. Portanto, a situação é complicada.
Vinha
comentando com um colega que é bom visitar o Congresso, porque aqui, além dos
ratos, existem os eletrorratos e os eletrossauros, e eu trouxe estas flores
para presentear um eletrossauro, o meu companheiro Fernando Ferro. Comprei
estas flores pequenas e bonitas para parabenizá-lo, tendo em vista a seriedade
de V.Exa.
Quero também
dizer o seguinte: está fazendo falta entre nós o jornalista Aloysio Biondi, que
esteve nesta Casa no dia 14 de junho de 2000, quando apresentamos a Carta ao
Brasil, de que tive a honra e o privilégio de ser signatário, e faleceu logo em
seguida. Se existe vida após a morte, o pobre companheiro Aloysio Biondi deve
estar dando voltas no túmulo a cada momento destes.
Então,
gostaria de homenagear os Deputados Luciano Zica e Fernando Ferro e os
companheiros Ildo Sauer, Luiz Pinguelli Rosa e outros mais. Parabéns! Para mim,
é um privilégio estar aqui. É brincadeira! O que essa rapaziada rouba não está
escrito! Os fundos de pensão, então, viraram assunto da ordem do dia. Do meu
fundo de pensão, que tem 230 milhões de reais, sumiram 35 milhões da noite para
o dia. O que é pior, eu reclamei, eles mudaram o estatuto de fundo de pensão,
e, agora, eu não posso ser candidato. Para ser conselheiro do fundo de pensão,
para o qual pago 10% do meu salário todos os meses, eu preciso ter curso
superior. Mas, vejam: para ser Presidente neste País não é preciso ter curso
superior; para ser Governador de Goiás, por exemplo, também não é preciso,
tanto é que o atual Governador de Goiás não o tem.
Obrigado. (Palmas.)
O SR.
PRESIDENTE (Deputado
Luiz Antonio Fleury) - Concedo a palavra ao companheiro Martinelli. O próximo a
fazer uso da palavra será o Sr. Drumond.
O SR.
MAURO MARTINELLI PEREIRA - Em primeiro lugar, parabenizo os companheiros
palestrantes pelas excelentes informações que passaram para todos nós. Essas
informações são realmente estarrecedoras. Por isso mesmo, não podem ficar entre
quatro paredes. Nós temos de levar essas informações para fora. Nós só vamos
vencer e parar esse processo de cisão das empresas e de continuidade da
privatização, se houver a participação da sociedade como um todo. Por isso
quero fazer algumas propostas.
Primeiro,
para dar continuidade a este seminário, proponho que façamos uma Comissão Geral
na Câmara dos Deputados com os mesmos expositores. Eu sei que para tal é
necessário a assinatura, se não me engano, de um terço dos Deputados. Este
evento será importante justamente para dar visibilidade à questão.
Outra
proposta é que levemos tal questão para as ruas, que façamos um ato público em
frente do Congresso, com a participação dos trabalhadores, para denunciar o
tarifaço e, principalmente, as conseqüências da cisão das empresas.
Às vezes, eu
fico chateado, e quero fazer uma crítica construtiva aos companheiros
palestrantes: normalmente falam de FURNAS, da CHESF, mas, poucas vezes, da
ELETRONORTE, que atua em uma região que corresponde a quase 60% do território
nacional.
Foi ótima a
apresentação do Sr. Tolmasquim, que mostrou os dados econômicos e financeiros
das empresas que seriam criadas. Gostaria que o mesmo fosse feito para a CHESF
e ELETRONORTE, para que nós, do movimento sindical, tivéssemos como atuar com
informações e não apenas com discursos.
Para
terminar, faço uma pergunta. O Governo queria fazer a cisão das empresas
geradoras federais inicialmente no dia 20 de maio. Depois, passou para o dia 20
de junho. Agora, a última informação que nós temos é de que a ELETRONORTE está
pronta para fazer a cisão, segundo pessoas ligadas a ela.
Como sempre,
são os mais apressados. FURNAS, na reunião do CONSISE, parece que não deu uma
resposta no sentido de que estava pronta ou não. A CHESF não estava pronta;
somente em setembro. Os senhores sabem qual é a proposta do Governo para
estabelecer uma data de cisão? A cisão da ELETROBRÁS, marcada para o dia 15 de
maio, está confirmada?
Obrigado. (Palmas.)
O SR.
ROBERTO ARAÚJO
- Havia um cronograma, que eu não sei se está válido ainda. A data de cisão de
FURNAS estava prevista para o dia 20 de junho. Não sei se será mantida.
O SR.
PRESIDENTE (Deputado
Luiz Antonio Fleury) - Com a palavra o companheiro José Drumond Saraiva.
O SR. JOSÉ
DRUMOND SARAIVA
- Meu nome é Drumond, sou da Federação Nacional dos Urbanitários. Parabenizo
todos os membros da Mesa pela organização deste seminário e os expositores pelo
que foi apresentado.
Sei que hoje,
no período da tarde, nós teremos oportunidade de formular as nossas propostas,
em continuidade ao que foi exposto. Agora, por uma questão de ordem pessoal, eu
não poderia deixar de formular uma proposta de imediato. Eu considero
extremamente grave a ameaça feita pelo Ministro Pedro Parente ao nosso
companheiro e professor da USP, Sr. Ildo Sauer. Esse tipo de atitude não
contribui para o aperfeiçoamento das instituições democráticas. Trata-se de uma
interferência indevida em uma forma de organização que, a princípio, é
independente para o pensamento: a universidade. Todas as organizações e
entidades presentes deveriam de alguma forma manifestar o seu repúdio a essa
tentativa de intimidação.
Por outro
lado, eu gostaria de pedir - aí é uma solicitação especial ao Deputado Luiz
Antonio Fleury - que de imediato se comece, no Congresso Nacional, esse mesmo
tipo de discussão por algo que será vivido agora, em seguida, que diz respeito
ao setor de telecomunicações. Nós estamos diante de um novo processo. O que
hoje vemos no setor elétrico acontecerá, em um curto espaço de tempo, no setor
de telecomunicações. Então, é urgente que nós nos manifestemos com relação a
isso e provoquemos, nesta Casa, um amplo debate sobre o que vai acontecer nos
próximos meses.
Espero que
hoje tenha sido aprovado, no Senado Federal, requerimento da Senadora Heloísa
Helena para a realização de uma audiência pública a fim de discutirmos o
processo de cisão das elétricas federais. Esse requerimento ia ser apresentado
hoje, para votação, na Comissão de Infra-Estrutura do Senado. Penso, inclusive,
que nós deveríamos encaminhar propostas no mesmo sentido na Câmara dos
Deputados.
Eram essas as
considerações iniciais. Muito obrigado. (Palmas.)
O SR.
PRESIDENTE (Deputado
Luiz Antonio Fleury) - Com a palavra o companheiro Barbosa. Depois, já está
inscrito o companheiro Maradona.
O SR. LUIZ
ANTÔNIO BARBOSA
- Eu sou Barbosa, da Intersindical dos Eletricitários do Sul do Brasil, dos
quatro Estados dessa Região. Talvez, os primeiros sobre os quais o trator da
privatização passou por cima. Lá houve a cisão de uma grande empresa do setor
estatal. Tivemos a ELETROSUL, em 1997, cindida; em 1998, privatizada parte da
geração. Desde aquela época estamos preocupados, do ponto de vista do geral,
com todo esse modelo, principalmente quanto à própria sobrevida da ELETROSUL. O
Prof. Tolmasquim falou muito bem hoje sobre essa questão.
A propósito,
apresento um encaminhamento solicitando que se faça um estudo sobre a sobrevida
da ELETROSUL dentro desse cenário atual de tarifa preestabelecida. No nosso
entendimento, ela tem ainda uma sobrevida em função da energia que ela recebe
de Itaipu. Mas a nossa preocupação é quanto ao futuro dela, enquanto primeira
grande transmissora surgida nesse processo de cisão, que, espero, seja a única
e que possamos reverter em um futuro próximo. Assim, a proposição é que se faça
um estudo econômico-financeiro e de viabilidade técnica sobre a questão da
transmissão.
Também quero
fazer uma sugestão. Pouco se fala de todo o processo e das suas conseqüências.
Nós temos hoje uma empresa geradora que, por conta de toda essa questão
tarifária e do racionamento, teve, no ano passado, um lucro presumido - pelo
menos autorizado pela ANEEL - de 580 milhões, enquanto a transmissora obteve 94
milhões, sendo que grande parte da energia que ela está vendendo é oriunda de
Itaipu.
Então, é
interessante fazer esse paralelo das duas empresas, acompanhar essa seqüência,
que vem desde 1997, até para ter subsídio para lutar contra o futuro de FURNAS,
ELETRONORTE e CHESF.
Obrigado. (Palmas.)
O SR.
PRESIDENTE (Deputado
Luiz Antonio Fleury) - Com a palavra o companheiro Maradona, do Sindicato dos
Eletricitários de São Paulo.
O SR.
WASHINGTON A. DOS SANTOS MARADONA - Bom dia a todos. Quero cumprimentar, mais
uma vez, os organizadores deste seminário. Estamos saindo na frente, fazendo
com que muitos ouçam o nosso clamor contra as mazelas existentes no nosso País.
O Sr.
Pinguelli foi muito feliz em seu discurso. É impressionante o que vem
acontecendo no Brasil! Se resgatarmos um pouco a história da privatização, a
forma como ela aconteceu, veremos que foi uma verdadeira ação entre amigos, com
subsídio do BNDES, pagamento a perder de vista no estilo "Casas
Bahia", esfacelamento das empresas, queda da qualidade - assunto que
debatemos, no ano 2000, em um brilhante seminário promovido pela Comissão de
Minas e Energia -, depredação do patrimônio público, desemprego...
Em São Paulo
ocorreu um fato histórico. Pela primeira vez, a Avenida Paulista, o centro
financeiro do País, ficou quatro horas sem energia. Este fato aconteceu
recentemente, há uns dois meses - foi manchete em todos os jornais. Falou-se da
privatização e da promessa do Governo de que ia melhorar a qualidade e uma série
de coisas.
O desemprego
aumentou de forma absurda! Em seguida, houve o racionamento. Quer dizer, se o
consumidor não economiza, pode ter a energia cortada. Aumento de tarifa nem se
fala! E, agora, o seguro-apagão.
Se
observarmos um pouco a história deste Governo, perceberemos que ele vem só
massacrando o povo. E tudo isso é maquiado, está por trás de uma ALCA, etc.
Hoje, nas manchetes, o Sr. Colin Powell elogia a economia do Brasil. Por que
eles estão fazendo isso? Quem não quer vir para o Brasil, que dá lucros
fantásticos para banqueiros?! As empresas consideradas patrimônio nacional
estão sendo doadas de maneira absurda. É lógico que o Brasil tem de ser
elogiado e todo mundo queira vir para cá.
Vi matéria no
jornal dizendo que tem um grupo norte-americano investindo na energia
alternativa - não sei se o Prof. Ildo chegou a ver alguma coisa -, apregoando o
cuidado com o meio ambiente, a não-poluição. No entanto, os Estados Unidos não
assinaram o Tratado de Kyoto.
É
impressionante verificarmos que são poucos os Parlamentares que realmente têm
compromisso com a Nação, no sentido de sair em defesa de seu povo. A questão
mais essencial para qualquer Parlamentar é defender o seu povo, a soberania, a
nacionalidade, o que não está acontecendo agora.
As empresas estavam
retendo o seguro-apagão e, agora, têm a chance de ficar mais quinze dias com o
dinheiro, para depois repassá-lo. Onde vamos parar? É realmente caso de
polícia!
Estamos em um
momento importante: teremos eleições em breve e as máscaras estão caindo. Agora
começou essa questão do Banco do Brasil, com relação à privatização da Vale do
Rio Doce. E, com certeza, não demora mais dois meses, veremos esses fatos de
forma mais clara.
Trava-se uma
luta do tostão contra o milhão. No entanto, a imprensa não dá atenção a nós. A
Rede Globo não está presente hoje. Não vi nenhum representante da grande
imprensa na sala para destacar o nosso evento, que diz respeito a problemas que
afetam todos os cidadãos. Ninguém está fora do processo do seguro-apagão. Até
aquele que não tem emprego, que não está podendo pagar, está sendo taxado com
essa tarifa. E, ainda assim, a grande mídia não dá destaque para nossa luta. O
que devemos fazer? Cada entidade, dentro das condições que têm, carro de som,
boletins etc., deve divulgar. É difícil, mas cada um fazendo um pouco não vai
pesar.
Realmente,
tem de ficar registrado o cinismo de vários Parlamentares que agora vão
aparecer na televisão pedindo votos.
Neste
momento, não poderia me furtar de fazer um destaque: o Deputado Luiz Antonio
Fleury e o Deputado Fernando Ferro, desde a Comissão de Minas Energia, vêm
desenvolvendo um trabalho ferrenho e, na maioria das vezes, se posicionando
contra o Governo - acompanhamos isso direto -, até contra o próprio partido, em
defesa do setor elétrico. Fizemos debates inclusive em São Paulo, quando do
lançamento do livro sobre o resultado do Seminário do Colapso Energético. Na
verdade, devemos somar forças com pessoas que estão compromissadas com nossa
causa para tentar resgatar um pouco da dignidade que ainda resta ao povo e
cobrar dos candidatos no dia da eleição.
Obrigado. (Palmas.)
O SR.
PRESIDENTE (Deputado
Luiz Antonio Fleury) - Registro a presença do Deputado Jorge Bittar
Com a palavra
o Sr. Agenor de Oliveira, próximo inscrito. Depois falará o Deputado Antonio
Carlos Biscaia.
O SR.
AGENOR DE OLIVEIRA -
Boa tarde a todos. Meu nome é Agenor de Oliveira, do Ilumina. Temos um pouco de
responsabilidade na organização deste evento e no longo processo de resistência
a essa loucura elétrica que estão fazendo.
A minha
intervenção, primeiro, é com relação ao que foi exposto pelo Prof. Ildo Sauer.
Já está disponível no site do Ilumina nota de repúdio a essa tentativa
de intimidação do Prof. Ildo Sauer e de outras pessoas que, de alguma maneira,
vêm se manifestando contrariamente a esses equívocos que o Governo vem
cometendo na área. Propomos que as entidades presentes subscrevam essa nota. O
nosso objetivo é não só deixá-la no site, mas também encaminhá-la ao
Ministro Pedro Parente e às demais autoridades que estão cometendo essa
indignidade.
O Prof. Ildo
Sauer já foi vítima de atitude semelhante e tivemos a mesma reação de apoiá-lo
e de encaminhar nota de repúdio à universidade, na qual é coordenador dos
cursos de pós-graduação na área de energia. Então, esse é o primeiro ponto que
gostaríamos de deixar registrado.
Outra
questão: é essencial a definição das datas do cronograma do Governo. Até agora
não temos definido, de forma transparente, qual é o cronograma do Governo para
o processo que eles pretendem fazer de desmonte das empresas. Quer dizer, a
cada dia o BNDES ou a ELETROBRÁS divulgam calendários diferentes. E as ações
formais dentro das empresas - as assembléias ordinárias de aprovação dos
balanços, os atos societários que vão viabilizar o processo de decisão - estão
sendo tomadas.
Houve, no Rio
de Janeiro, uma reunião com a presença do Deputado Antonio Carlos Biscaia e de
outros Parlamentares. Nela foi definido o indicativo que eu gostaria de
apresentar como proposta concreta. Proponho que seja solicitada uma reunião com
o Ministro de Minas e Energia para que S.Exa. esclareça esse calendário e
alguns pontos fundamentais como, por exemplo, a realização de assembléia geral
ordinária da ELETROBRÁS que viabilizará os passos fundamentais para cisão das
empresas.
Desta vez, o
Governo está agindo de forma diferente. No passado, tentou fazer as assembléias
de cisão das empresas, e, posteriormente, da ELETROBRÁS, para formalizar esse
processo de cisão, que não foi bem sucedido. Desta vez, ele está agindo de
forma mais ardilosa, como diz meu querido companheiro João Paulo. Eles vão
tentar fazer a cisão, na verdade, na assembléia geral ordinária da ELETROBRÁS,
que se dará numa data que até hoje não sabemos qual é. Primeiro, seria no dia
15; depois, passou-se para o dia 20.
A rigor,
seria fundamental, primeiro, que tivéssemos resposta a um pedido de informações
que fizemos ao Conselho de Administração da ELETROBRÁS, no sentido de que eles
apresentassem a documentação que dá consistência à contratação, em caráter de
emergência, da consultoria que fez a modelagem da cisão. Entendemos que esse é
um procedimento irregular, ilegal da ELETROBRÁS. Então, tudo aquilo que for
feito a posteriori consideraremos irregular sob o ponto de vista
jurídico.
É fundamental
que haja a solicitação de uma reunião com o Ministro de Minas e Energia, que
haja a disponibilização, por parte da ELETROBRÁS, dos documentos que
viabilizaram a contratação dessa consultoria em caráter emergencial, sem
concorrência, para que, aí sim, a partir da análise desses documentos, possamos
pensar nos processos que envolverão as empresas. É fundamental que
inviabilizemos, pelo seu caráter ilegal, a próxima assembléia da ELETROBRÁS.
Temos de
chamar o Ministro de Minas e Energia e o Presidente do BNDES para que esclareçam
isso. Acredito que a Ouvidoria da Câmara, os Parlamentares das Comissões de
Minas e Energia e de Defesa do Consumidor têm essa missão. Se assim não
procedermos, eles farão a assembléia da ELETROBRÁS. Depois, ficaremos
combatendo assembléia por empresa, o que, na verdade, só ratificará, de alguma
forma, aquilo que a assembléia geral da ELETROBRÁS - constituída pelos
acionistas majoritários - decidir.
Sr.
Presidente, solicito que essas medidas sejam tomadas, pois serão fundamentais
para que possamos sustar efetivamente o processo. (Palmas.)
O SR.
PRESIDENTE
(Deputado Luiz Antonio Fleury) - Esclareço ao Sr. Agenor de Oliveira que a
Ouvidoria poderá fazer todos os requerimentos de informações. É nosso papel.
Nós, como Deputados, podemos requisitar as informações do Ministro. A Ouvidoria
não tem poder para fazer o pedido de convocação, mas os companheiros o farão
nas Comissões. Evidentemente, isso tem de ser feito através das Comissões
Permanentes. Agora, os pedidos de informações que forem aprovados poderemos
encaminhar através da Ouvidoria - e os faremos, sem dúvida alguma.
Com a palavra
o Deputado Antonio Carlos Biscaia.
O SR.
DEPUTADO ANTONIO CARLOS BISCAIA - Quanto à proposta do Sr. Drumond, sugiro
exatamente isso. Suponho que a ameaça de processo foi em razão daquele
documento que aponta indício de improbidade, questão de licitação emergencial,
e assim por diante. Então, entendo que essa parte deva ser reproduzida e todas
as pessoas que com ela concordarem a subscrevam. Assim, a encaminharemos ao
Ministro, porque aí, eventualmente, se ele tiver de processar, se não for só
uma ameaça dessas que ficam por aí, todos os signatários terão de ser
processados também.
Há o
princípio da indivisibilidade da ação, que nós, do Ministério Público,
conhecemos. O Ministro Pedro Parente não pode escolher o Prof. Sauer por ter
maior projeção, por ser mais incisivo nas suas afirmações. Ele não pode dizer:
"Eu quero processar só esse". Não. Vamos preparar o documento. Eu
mesmo o assinarei. Disponho-me a fazer isso. Outros o assinarão e o
encaminharemos ao Ministro. Ele terá de processar a todos.
Era o que
tinha a dizer. (Palmas.)
O SR.
PRESIDENTE
(Deputado Luiz Antonio Fleury) - Antes de passar às considerações finais, eu
gostaria de saber se algum dos debatedores quer fazer uso da palavra. (Pausa.)
Com a palavra
o Sr. Ildo Sauer.
O SR. ILDO
SAUER
- Só gostaria de fazer três esclarecimentos. Em primeiro lugar, o companheiro
do Sul citou que a Tractebel/GERASUL tem um lucro de 580 milhões de reais,
registrado em balanço publicado hoje na Gazeta Mercantil. Ela foi
vendida há alguns anos por 945 milhões de reais. Se somarmos os lucros dos
balanços de lá para cá... E isso me leva a outro ponto: a média de por quanto o
Governo brasileiro vendeu o quilowatt hidráulico instalado. Foram vendidas as
duas usinas de São Paulo, Tietê e Paranapanema, produzindo 4 mil e 600
megawatts, a da Cachoeira Dourada e as da Tractebel. O Governo vendeu por 1.630
reais o quilowatt instalado. De aluguel, por cada quilowatt das térmicas, por
três anos em média, ele está pagando 3.200 reais - o dobro!
Por isso,
respondo ao Deputado Clementino Coelho, e esta é a razão da minha intervenção:
que, além do problema de o Governo ter colocado em vigor os contratos - se ele
acreditasse no que disse, não poderia ter feito o que fez -, há o problema
maior do preço. Não há como explicar esses números - 6,7 bilhões de reais...
Tivemos
acesso a esses documentos porque apareceu um contrato ainda por assinar (o da
Termocabo, de Pernambuco). Dizia-se que seriam gastos 30 milhões de dólares, ou
80 milhões de reais, confirmados pelo seu dono, depois, na entrevista. E este
receberia de aluguel, por três anos (36 meses), 281 milhões de reais.
Investigamos, fizemos esse relatório inteiro e, agora, temos a lista de todos
os projetos. O Ministério Público já teve acesso a ele. É importante que a
imprensa tome conhecimento sobre quais são essas empresas, suas histórias, suas
relações.
O último
ponto é um contraponto a isso tudo. Aproveito para cumprimentar o Deputado Luiz
Antonio Fleury pelos seminários de 2000 e o atual. Eu apresentei uma denúncia
no seminário de 14 de maio de 2000 de que, até então, haviam morrido 16
trabalhadores da COELCE. Recebi estarrecido, semana passada, a informação de
que esse número pulou para 34. Em pouco mais de dois anos de gestão da COELCE
pelo Grupo Endesa - primeiro era um grupo chileno; agora, espanhol -, 34
trabalhadores morreram.
A FNU já
denunciou esse fato, mas é preciso lembrar que, evidentemente, se eu for
ameaçado de processo por este Governo - como disse um colega outro dia - pode
até ser uma honra. Sei que as conseqüências podem ser duras.
Estão matando
aqueles que querem sobreviver com o seu trabalho por causa de uma das
conseqüências mais nefastas dessa reforma: a desverticalização. Mostramos em
São Paulo - eu e o Roberto como testemunhas do Ministério Público Federal e do
Sindicato dos Engenheiros - que somos contra essa desverticalização, que há uma
notória discriminação, ponto que não foi discutido. Além de estar
inviabilizando as estatais, as empresas privadas estão tendo margens
fantásticas sobre seus investimentos. Um exemplo que citei lá é que uma empresa
que faz a linha Taquaruçu-Assis-Sumaré, presidida pelo irmão do Secretário de
Energia de São Paulo, recebe de 20% a 35% sobre o capital como remuneração por
ano. A estatal CETEP que resultou de lá, com um patrimônio de 14 bilhões de
reais, tem como receita permitida 700 milhões, o que dá 5% sobre o capital. Se
reduzirmos as despesas operacionais, chega-se a 2%, como o Maurício apresentou.
Também
gostaria de registrar a discriminação odiosa que o Governo faz contra o capital
público nesse processo, afora o resto.
Era o que
tinha a dizer.
O SR.
DEPUTADO LUCIANO ZICA -
Eu não falaria agora, mas o Tiomno me deu uma idéia fantástica, e resolvi fazer
uma sugestão. Temos neste evento um grande número de sindicalistas. Sugiro que
a idéia do Biscaia de uma assinatura solidária no documento, assumindo a
responsabilidade, fosse transformada num movimento nacional. Os nossos
sindicatos colheriam assinaturas dos trabalhadores e encaminhariam um pacote
com elas.
Faríamos um
movimento, primeiro, com as pessoas que estão presentes, desencadeando
posteriormente um processo nacional, até para divulgar o sentimento de repúdio
à Medida Provisória nº 14 e à forma obscurantista como eles estão abordando o
assunto. (Palmas.)
O SR.
PRESIDENTE (Deputado
Luiz Antonio Fleury) - Meus amigos, antes de encerrar, registro que no meu
partido fui encarregado de fazer os estudos necessários. Fui assessorado por
alguns companheiros que trabalharam comigo na época em que fui Governador e
pelo pessoal do Sindicato dos Eletricitários.
Em um
primeiro momento, o PTB fechou questão contra a Medida Provisória nº 14. O
Ministro Pedro Parente solicitou uma reunião com a bancada. Até corri para
pegar os números do Sr. Ildo Sauer, porque meu papel era sustentar o ponto de
vista contrário à Medida Provisória nº 14. E, na oportunidade, perguntei ao Sr.
Ildo se ele tivera acesso a esse documento.
Eu disse que
houve, antes da privatização, um tarifaço. Recordo que, quando eu era
Governador, diziam que não era possível aumentar a tarifa de energia porque ela
influenciava o índice de inflação. Depois, parou de influenciar. Como num passe
de mágica, fizeram um tarifaço para valorizar o setor elétrico para fins de
privatização - foi essa a justificativa -, e nós pagamos por esse tarifaço.
Orgulho-me de
ter colocado 9 turbinas para operar em Rosana, Três Irmãos e Taquaruçu. Só não
coloquei a turbina reserva; ou seja, só coloquei as que geravam energia firme.
Depois colocaram uma turbina que não gera energia firme em cada uma das usinas
e as inauguraram como se tivessem feito as 9 turbinas. Isso consta inclusive
como uma grande realização do Governo atual. Mas, na verdade, desde 1993 já
estávamos gerando energia em Rosana, Taquaruçu e Três Irmãos.
Questionei o
cálculo que estava sendo feito. Por que 7 bilhões e 400 milhões, e não 3
bilhões e 100 milhões, que seria o que eles deixaram de vender, ou seja, não
era lucro? O argumento que me foi apresentado é de que havia despesas
incomprimíveis. Tenho esse documento, que vou encaminhar. A empresa tinha que
fazer aqueles gastos, qualquer que fosse a situação. Falei que isso fazia parte
do risco do mercado.
Também
perguntei por que os ganhos de eficiência não foram repassados ao consumidor,
como determina a Lei de Privatização. Disseram que as empresas estavam tendo
prejuízo. No dia seguinte saiu a relação de todas elas com o lucro.
Mas o mais
grave, na minha avaliação, foi quando abordei a questão do seguro-apagão. Eu
disse que o operador nacional do sistema tinha garantido que não havia qualquer
risco de apagão no futuro. Pelo menos, até 2003 isso estava garantido. Então,
por que já estávamos pagando por algo que o próprio operador nacional do
sistema dizia que não iria ocorrer?!
Falei também
que seguro - o Biscaia à tarde vai desenvolver esse raciocínio, tenho certeza -
não pode ser imposto, como foi feito com o seguro-apagão. Disseram-me que não é
seguro; é tarifa. Perguntei: "É seguro ou é tarifa?" Houve lá um
certo inconformismo. Na verdade, o que temos é um seguro mesmo. Disfarçado com
o nome que quiserem, mas é um seguro.
Até lancei
mão de uma expressão que costumo usar, como caipira do interior de São Paulo, e
fiz uma pergunta à qual os juristas que estavam lá, junto com o Ministro, não
souberam responder. Disse o seguinte: "Sou do interior, e lá temos forno a
lenha." Aliás, o forno a lenha voltou à moda graças ao apagão. Quem é do
interior sabe que a gata, quando vai dar cria, procura ficar junto do forno a
lenha. Aí perguntei: "O gato que nasce dentro do forno é gato ou é
pão?" Todo mundo disse: "É gato." Eu disse: "Então, não
adianta chamar de outro nome o que é seguro." Não importa o nome que
derem, é um seguro. E é um seguro, a meu ver, absolutamente ilegal. Não pode
ser cobrado dessa forma. Há medidas jurídicas que podem ser adotadas em relação
a isso. O Ministério Público Federal poderia entrar com uma ação nesse sentido.
Terminamos a
conversa, quando disse: "Todas essas empresas que já compraram na Bacia
das Almas, financiadas, enfim, com tudo o que já foi citado, vão ser
ressarcidas. Como é que vai ficar o Seu Zé, que é dono da sorveteria lá em
Ibiúna, que teve de paralisar dois freezers para economizar energia, ou
que só podia ligar o único freezer que tinha de manhã? O sorvete ficou
mole e ele teve mais de 70% de prejuízo com o apagão. Será que vamos fazer
também um tarifaço para beneficiá-lo de alguma maneira? E quantos brasileiros,
principalmente donos de micro e pequenas empresas, tiveram prejuízos
terríveis?"
Questionei a
qualidade dos serviços de energia elétrica, dizendo que ela piorou após a
privatização. Um dos assessores mordeu a isca e disse: "Não, porque
diminuíram as reclamações." Falei: "É claro! Fecharam os postos de
atendimento..." (Risos.) "Como é que queriam que aumentassem
as reclamações?"
Isso é uma
verdade.
O que fizeram
com a população de baixa renda? Discutimos essa questão na Comissão de Minas e
Energia. Eles fizeram um corte linear, e as pessoas tinham 90 dias para se
manifestar. Só que não existia posto de atendimento. Quem mora em Rubinéia, por
exemplo, no interior de São Paulo, se quiser reclamar pessoalmente, tem de
andar 600 quilômetros até Campinas, porque não existe mais ponto de atendimento
pessoal naquela cidade. Então, tem de reclamar por telefone, quando tem um. E
outra coisa: tem de ler a conta de luz por telefone. Eu mal consigo ler a
minha; imaginem o sujeito que mora em casa popular em Rubinéia!
Esse
procedimento foi premeditado e bem articulado. Portanto, a intenção da
Ouvidoria é buscar algumas ações práticas e efetivas, principalmente para que a
população saiba o que está acontecendo, porque até agora sabe apenas que
aumentou a conta de luz. Mas ela não sabe para onde está indo esse dinheiro.
Vemos a ANEEL permitindo e ampliando prazo. Considero fundamental que tomemos
essa posição.
O próximo
tema que temos de enfrentar é com relação às Teles, porque a medida provisória
delas não vai demorar muito.
Discutia-se
muito, Prof. Pinguelli, o Anexo V das privatizações. Pelo jeito, a grande
maracutaia está nesse anexo. Temos de examiná-lo, porque, suponha-se, tenha
havido um desequilíbrio unilateral do contrato, e o Anexo V autorizaria esse
tipo de reajuste. Confesso que não tive oportunidade de ver esse texto, mas ele
precisa ser mostrado. Ele vai provar que, quando o contrato de privatização foi
feito, já se tinha o objetivo de assegurar o capitalismo sem risco.
Esse Anexo V
é um importante documento, porque, se realmente nele constar toda essa proteção
a que o Prof. Pinguelli se referiu - não conheço, não tive oportunidade de
analisá-lo em profundidade - talvez todo o mecanismo de proteção ao capital
estrangeiro esteja nele contido. Então, ficará claro o objetivo, bem como a
forma como as privatizações foram realizadas.
Farei mais
uma observação. Falou-se rapidamente na questão do pagamento de juros. O Brasil
vai comemorar o maior superávit primário da história: 29 bilhões de reais. O
superávit primário, todos sabem, exclui o pagamento de juros. Teremos 29
bilhões de reais, mas vamos ter de pagar 60 bilhões de reais de juros.
Na verdade, a
diferença de 31 bilhões de reais vai ser incorporada nessa montanha da dívida
que está por aí. E a previsão para o ano que vem é de que, dos 150 bilhões de
reais que serão arrecadados, mantido o atual sistema tributário, 92 bilhões de
reais serão usados para pagamento de juros. Ou seja, estamos caminhando muito
rapidamente para uma situação em que não teremos mais os nossos ativos, porque
foram vendidos. Além disso, teremos de enfrentar o pagamento de juros
exorbitantes, e, daqui a pouco, o pagamento de juros vai superar o Orçamento da
União. É algo que também deve compor a preocupação de todos nós.
Vou encerrar
a reunião. Agradeço a participação dos debatedores.
Convoco todos
a comparecerem a este seminário às 14h45min para reiniciarmos os trabalhos. (Palmas.)
Está
encerrada a reunião.