DEPARTAMENTO DE
TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO
NÚCLEO DE REDAÇÃO
FINAL EM COMISSÕES
TEXTO COM REDAÇÃO
FINAL
ENERGIA ELETRICA:
TARIFAÇO E CISÃO DE GERADORAS
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EVENTO:
Seminário
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N°:
344/2002
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DATA:
7/5/2002
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INÍCIO:
10h30min
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TÉRMINO:
13h49min
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DURAÇÃO:
3h19min
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TEMPO
DE GRAVAÇÃO: 3h23min
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PÁGINAS:
85
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QUARTOS:
21
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REVISÃO:
Antonio Morgado, Gilberto, Lia, Marlúcia
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SUPERVISÃO:
J. Carlos, Letícia, Myrinha
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CONCATENAÇÃO:
Débora
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DEPOENTE/CONVIDADO
QUALIFICAÇÃO
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LUIZ
PINGUELLI ROSA Diretor da Coordenação de Pós-Graduação e Pesquisa de
Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro COPPE.
ILDO
SAUER Coordenador de Pós-Graduação em Energia da Universidade de São Paulo.
MAURÍCIO
TIOMNO TOLMASQUIM Presidente da Sociedade Brasileira de Planejamento
Energético.
ROBERTO
ARAÚJO Diretor do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Elétrico
Ilumina.
JOÃO
PAULO MARANHÃO DE AGUIAR Diretor do Instituto Ilumina.
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SUMÁRIO:
O Tarifaço de Energia Elétrica e a Cisão de Geradoras.
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OBSERVAÇÕES
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Há
exibição de imagens.
Há
orador não-identificado.
Há
intervenção inaudível.
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O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Antonio Fleury) - Minhas senhoras, meus senhores, bom dia. Estamos dando início neste momento ao seminário que trata da questão do tarifaço imposto pela Medida Provisória nº 14 e suas repercussões em relação à população brasileira.
Convidamos para integrar a Mesa os membros do primeiro painel de hoje: Prof. Luiz Pinguelli Rosa, Diretor da Coordenação de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da UFRJ - COPPE; Prof. Ildo Sauer, Coordenador de Pós-Graduação em Energia da USP; Dr. Roberto Araújo, Diretor do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Elétrico; Maurício Tiomno Tolmasquim, Presidente da Sociedade Brasileira de Planejamento Energético - SBPE; e o Prof. João Paulo Maranhão de Aguiar, Diretor do Ilumina.
Para abrir os trabalhos, passo a palavra, inicialmente, ao Deputado Pinheiro Landim, Presidente da Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias.
O SR. DEPUTADO PINHEIRO LANDIM - Sr. Presidente, ilustre Deputado Luiz Antonio Fleury, demais membros da Mesa, minhas senhoras e meus senhores, a Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias está vigilante quanto ao tema deste seminário hoje instalado. Trata-se de assunto que mexe com a vida de todos brasileiros. O consumo de energia faz parte do dia-a-dia das famílias brasileiras, seja na industrialização, seja no comércio, seja na vida das famílias, nas residências, enfim, em todos os setores da vida produtiva ou do consumo.
Aquilo que enfrentamos no ano passado, a falta de energia, o risco do apagão, a necessidade de diminuirmos o consumo de energia mexeu com toda a sociedade brasileira, apesar de muitas pessoas hoje continuarem fazendo economia, porque aprenderam que estavam desperdiçando o salário, o orçamento familiar, acontecendo o mesmo com as indústrias e todos os setores que tiveram aquele alerta diante da perspectiva de termos um colapso de energia no Brasil. Isso levou a população a descobrir que pode viver uma situação normal consumindo menos energia, fazendo economia.
Decidiram que teríamos um acréscimo nas tarifas de energia, modificando a base de seu preço no Brasil, o que, sem dúvida alguma, vai pesar no bolso do consumidor. A Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias já tem a designação de um levantamento de toda a situação, para que possa tomar uma atitude em nome da própria Comissão e da Câmara dos Deputados.
O seminário será realizado durante todo o dia. Determinei à assessoria e à secretaria da Comissão que convidasse um Deputado ligado ao setor energético para participar de maneira direta dos debates de hoje.
Eram essas nossas considerações iniciais. Queremos agradecer-lhes a oportunidade de estarmos presentes nestes debates.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Antonio Fleury) - Antes de passar ao primeiro painel, gostaria de agradecer a todos que contribuíram para a realização deste seminário, destacando a participação de várias entidades citadas no folder de apresentação. Refiro-me à CUT, à CGT, ao CREA de Minas Gerais, à Federação Nacional dos Urbanitários, à Federação Nacional dos Jornalistas, à Associação dos Engenheiros da PETROBRAS, ao Sindicato dos Engenheiros - SENGE dos Estados da Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, Paraíba, Rio de Janeiro, Roraima, Rondônia, Sergipe e Paraná e do Município de Volta Redonda; à CEAGRO de Santa Catarina e ao Sindicato dos Economistas do Rio de Janeiro.
Este seminário é uma promoção da Ouvidoria da Câmara, da Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias, da 3ª Secretaria da Mesa da Câmara dos Deputados, do Núcleo de Infra-Estrutura do Partido dos Trabalhadores, da FISENGE, do Ilumina, do CONFEA, do IDEC, do CREA do Espírito Santo, da FUP, do IVIG, da PROTEST, do Sindicato dos Eletricitários de São Paulo e do SENGE de Pernambuco.
Realizamos um seminário no dia 14 de junho de 2000. Naquela oportunidade, alertávamos a sociedade brasileira, em especial os poderes constituídos e responsáveis pela área de energia, para a possibilidade de ocorrer falta de energia no País.
Fomos taxados de alarmistas, disseram que o título do seminário - "Crise Energética Brasileira" - era ficção, que a possibilidade de colapso energético não era real e nada poderia ocorrer em termos de falta de energia em nosso País.
Pois bem, veio o apagão, a sociedade brasileira mobilizou-se como poucas vezes tivemos oportunidade de ver, dando demonstração, inclusive às autoridades, da capacidade de enfrentar o problema. Tivemos uma economia maior do que a esperada. Como num passe de mágica, às vésperas do carnaval, suspende-se o apagão, talvez para iluminar ainda mais a festa popular, e sobrevém uma medida provisória que pune exatamente quem colaborou.
Ao tomarmos conhecimento da medida provisória, tivemos oportunidade de dizer que estavam consagrando o capitalismo sem risco; ou seja, não havia risco de mercado. Quem perdeu como consumidor, ao não poder utilizar plenamente os aparelhos que possuía em casa, e quem teve perdas na área industrial, ao ter de diminuir sua produção, não recebeu qualquer tipo de apoio ou auxílio por parte do Governo, mas as geradoras e as distribuidoras de energia, sim.
Foi estranho quando se viu no dia seguinte ao da aprovação da Medida Provisória nº 14, na Câmara dos Deputados, a Folha de S. Paulo publicar o lucro de todas as distribuidoras no Brasil. Que prejuízo é esse que deu lucro para todos?
Finalmente, cria-se no pacote de medidas um seguro destinado a cobrir eventuais problemas emergenciais que possam surgir, um seguro compulsório que está contido dentro dessa medida e da tarifa que estamos pagando. E o que é pior: essa energia futura já foi comprada e já está estocada para uma emergência que, ao que tudo indica, dificilmente virá.
São pontos que ferem diretamente o consumidor. Por essa razão, a Ouvidoria da Câmara, dentro da sua obrigação de orientar as pessoas que buscam satisfação para os seus problemas, diante do grande número de consultas que foram feitas, entendeu por bem realizar este seminário com os parceiros aqui representados, para, inclusive, esclarecer a população e verificar as medidas cabíveis, para que as pessoas possam defender-se da tarifa que lhes foi imposta.
Sem mais delongas, vamos passar ao primeiro painel: "Tarifação e Cisão de Geradoras".
Passo a palavra ao Prof. Luiz Pinguelli Rosa, Diretor da COPPE da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a quem peço assumir a coordenação do painel.
O SR. LUIZ PINGUELLI ROSA - Sr. Presidente, agradeço à Ouvidoria da Câmara dos Deputados o convite para participar deste seminário. As palavras ditas por V.Exa. na abertura dos trabalhos são endossadas por nós. Temos levado este debate adiante em freqüentes ocasiões, a tal ponto que o meu colega, Prof. Ildo Sauer, está sendo admoestado de maneira incorreta pelo Ministro Pedro Parente. Isto é surpreendente, até porque outros membros da Mesa foram convidados a discutir com o Ministro Pedro Parente e sua equipe os problemas no momento em que foi anunciado o plano de revitalização.
A atitude do Ministro de admoestar o Prof. Ildo Sauer é completamente incorreta. Cabe aos professores universitários, pessoas que trabalham no campo acadêmico, expressarem suas opiniões. Aliás, é nosso dever fazê-lo. Podemos não estar certos. Entretanto, cabe à autoridade, no caso de ser do setor empresarial ou qualquer outro da sociedade, apresentar os argumentos e discuti-los, e não ameaçar.
O problema é muito simples, temos duas concepções em choque, e esta é a questão. A energia elétrica é, como dizem os teóricos e os matemáticos, uma realização de um modelo que é aplicado em vários setores e na sociedade como um todo.
Os brasileiros não são meros consumidores, são, acima de tudo, seres humanos. A população brasileira, ao contrário - até infelizmente -, é composta na sua maioria de pessoas que não consomem o mínimo necessário a uma vida digna, a uma sobrevivência correta.
A população brasileira, nessa concepção, deve arcar com todos e quaisquer ônus, em nome da proteção ao investimento estrangeiro.
Lanço uma suspeição novamente para que haja alguma resposta no sentido de existir um compromisso implícito de proteção ao investimento estrangeiro assumido pelo Governo brasileiro, secretamente, sem declaração à sociedade.
Esse tema foi discutido. Era uma posição norte-americana que teve certa oposição européia de proteção dos investimentos estrangeiros em países como o Brasil, ou seja, a eliminação do risco. O Estado brasileiro assume qualquer responsabilidade sobre eventuais prejuízos, naturalmente para alguma categoria, qualquer definição vaga de que prejuízos possam ser ou não protegidos. Estamos cumprindo esse compromisso, porque não há outra lógica. É um pouco o que preside novamente a discussão sobre opiniões de bancos em relação à sociedade, economia e política brasileiras.
Dever-se-ia criar internacionalmente uma instituição que produzisse índices sobre os bancos, porque alguns desses bancos que se manifestam sobre a situação econômica ou política de um país como o Brasil estiveram envolvidos em gravíssimos escândalos, como o da falência da companhia americana Enron, que estava presente no Brasil, aliás, controlando ainda uma das empresas privatizadas no setor elétrico em São Paulo. Nem sei como acabou a história, porque caberia ao Governo brasileiro intervir e assumir o controle da empresa, já que a controladora é uma massa falida nos Estados Unidos, seu país de origem.
Alguns desses bancos opinam sobre a situação brasileira. Caberia mais ao Brasil opinar sobre eles. Infelizmente, criou-se essa psicologia coletiva do mercado sensível e piorou nossa dependência no dia-a-dia de recursos externos para pagar interesses externos. Vivemos recebendo dólares para pagar juros. É essa a nossa vida.
O setor elétrico foi mobilizado em termos da privatização, que não visou absolutamente nenhum modelo de funcionamento da energia elétrica, até porque era irracional.
Reconstituindo-se a história, é preciso lembrar que a ANEEL, órgão regulador, teve sua primeira reunião, da qual participaram o Maurício Tiomno Tolmasquim e eu, no Rio de Janeiro, em meio à crise de colapso da distribuição pela Light. Houve um colapso. Erro da Light, que não se preparou para a hipótese de um verão rigoroso, fato que acontece sobremaneira no Rio de Janeiro, principalmente com as previsões de meteorologia sobre o El Niño, que apontavam para um verão rigoroso. Houve um verão rigoroso e caiu a energia do Rio, porque a Light não estava preparada e tinha dispensado equipes de manutenção em nome da terceirização, uma série de incompetências.
A ANEEL reuniu-se lá pela primeira vez para cuidar disso, com a Light já privatizada. Curiosamente, no dia da reunião, houve um apagão, ou seja, a reunião foi feita em parte no escuro, comicamente, porque caiu a energia durante a primeira reunião da ANEEL. Ela correu atrás do fato consumado, já estava funcionando a empresa privatizada, não havia um órgão regulador.
O Operador Nacional do Sistema Elétrico - ONS saiu correndo atrás do famoso apagão, pelo raio que não caiu em Bauru. A mentira oficial, propagada pelo próprio Presidente da República, no sentido de que um raio teria caído naquele momento em Bauru foi desmentida pelo mapa dos raios - não caiu um raio em Bauru. Tive oportunidade de mostrar isso em um seminário no Senado Federal, o que levou a uma zanga profunda do Ministro Tourinho, quase idêntica à do Ministro Parente em relação ao Rio.
O ONS saiu correndo atrás do raio, que, aliás, também não existia. Nem o ONS nem o raio existiam. O ONS foi implementado, estava no papel, mas passou a operar naquele momento. Tinha começado a instaurar há poucos dias, mas a primeira ação foi aquela em cima do colapso da transmissão no Brasil, que era devido à falta de equipamento, como continua sendo.
Esse absurdo total que foi jogado em cima do consumidor é uma filosofia. A idéia é que cabe ao consumidor brasileiro pagar o que for necessário para que o capital estrangeiro venha operar no setor elétrico, seja em que condições quiserem. Ficou muito claro nos estudos que fizemos - vários de nós aqui presentes e outros que não estão aqui - que havia uma responsabilidade das companhias distribuidoras, elas eram co-responsáveis com o Governo, porque nos vendiam algo que não existia, éramos iludidos de que havia a energia elétrica que estava sendo vendida.
Como bem já apontou o Deputado Luiz Antonio Fleury, não compramos apenas energia presente com a nossa tarifa, mas a garantia da energia futura, e comprávamos um equipamento elétrico sem saber se haveria energia elétrica no dia seguinte. Tínhamos geladeira, televisão, lâmpadas e elevadores em nossas casas sem saber se no dia seguinte ainda teríamos energia.
Algumas coisas têm de ser ditas com pingos nos is. É uma imbecilidade imaginar-se um sistema de energia elétrica sem garantia de energia. Isso está no espírito do sistema de energia elétrica, desde que foi concebida. Ela é garantida; não é como um produto que se compra num dia e que pode não haver mais no outro.
Estou falando isso de propósito, porque o Presidente do Banco Central, Armínio Fraga, declarou, no auge da falta de energia elétrica, que ela era igual a chuchu. Isso é a cabeça desses marcianos desembarcados no planeta Terra, vindos diretamente de Chicago ou de onde o valha.
Eles acham que energia elétrica é igual a chuchu. Você não tendo, fica mais caro. Com o chuchu é assim. Quando não há chuchu, compramos abóbora. Apenas um maníaco que só coma chuchu é que depende dele. Não havendo chuchu, compra-se outra coisa. Não há lei de garantia do suprimento de chuchu, não há concessionária de chuchu.
Então, o Presidente do Banco Central falou uma imbecilidade, mas, prestem atenção, não estou dizendo que ele seja imbecil. Imbecil sou eu que estou aqui, com meu salário, vindo a Brasília falar disso. Ele é inteligentíssimo, mas falou uma imbecilidade quando afirmou que energia elétrica é igual a chuchu, mas essa imbecilidade revela o pensamento dominante na administração pública brasileira. A idéia é que se faltar energia, o povo que se dane.
Há o seguinte paradoxo: cortamos nossa energia - empresários, famílias, todos os consumidores a cortaram. Como bem aponta o Roberto Araújo em um de seus textos, não cortamos 20%, como foi dito, mas 25%, porque ela iria crescer 5% no ano passado, como é a tendência histórica até vegetativa, e não crescemos, além disso, diminuímos 20%. Então, cortamos 25%. Cortamos com sacrifício, ameaçados de multas, alguns pagando-as, ameaçados de corte da energia, o que é uma violência, porque a história do liberalismo no mundo não foi só escrita por Adam Smith e por Lock.
A idéia do liberalismo econômico era também de um liberalismo político. Isto foi a revolução da burguesia contra o Estado dos nobres e do Clero. Dentro do princípio liberal político, é um absurdo completo um indivíduo ter em sua casa a energia cortada por vários dias por ter infringido uma norma, mas não por não ter pago a conta. Até por não ter pago a conta, cabe um prazo. Mais grave ainda se uma família com pessoas doentes, crianças, velhos, sofre um corte de energia por três dias. Isso foi imposto e todas as pessoas seguiram. O povo mais cordeiro do mundo é o brasileiro. Num país anglo-saxão, haveria tiro.
Lembro-me de uma ocasião - e estava até com esses mesmos colegas daqui -, indo a uma recepção em Washington, quando discutimos o caso do Brasil comparado com o da Califórnia quanto à falta de energia. Havia uma porta aberta no corredor e eu ia entrando para ver se era lá. Alguém do grupo advertiu-me que não fizesse aquilo, porque nos Estados Unidos se você for pego dentro da casa do outro, este o mata. Lá ninguém pode entrar na casa de ninguém. Então, se eu entrasse por aquela porta eu poderia levar um tiro. Essa é a cultura anglo-saxônica. Mas eles vêm aqui e cortam nossa energia - o que lá não fariam - porque é uma norma baixada pela ANEEL, pelo Governo, de uma maneira absurda, norma que depois é aprovada pelo Supremo Tribunal Federal de maneira também absurda.
Então, estamos agora, depois de sofrermos todos esses absurdos, pagando a energia que não consumimos. Isso é inédito no mundo. Fizeram o cálculo daquilo que não consumimos e nos sacrificam. Agora, vamos pagar na nossa conta de luz. Isso é fantástico! Agora sai do terreno político do Lock e voltamos para Adam Smith. Que teoria econômica prevê um indivíduo pagar o que não consome? Isto é um hospício? Esta Casa possui um bando de loucos para aprovar um absurdo desses. Os Deputados e Senadores deveriam passar por um exame psiquiátrico, porque é um absurdo completo o que foi aprovado sob o nome de Medida Provisória nº 14. Que o Governo faça isso é uma loucura; que um Congresso, em nome do povo que o elege, aprove é uma insanidade!
Então, estamos vivendo num mundo insano no Brasil na área de energia elétrica. O consumidor está pagando a energia que não consumiu, para garantir os lucros das empresas elétricas, como também foi dito pelo Deputado Luiz Antonio Fleury. O que aconteceu, observado, aliás, pelo Prof. Ildo em uma entrevista ocorrida há tempos? Foi dito que, pelos balanços da empresas elétricas, elas tiveram lucro. Bem, mas o Ministro esclareceu. Disse que isso aconteceu depois de o Estado dar os subsídios. Então nossos subsídios, o que nos cobraram para garantir as empresas, não foi para fechar apenas um prejuízo, mas para recuperar o lucro. Isso é inédito!
Imaginemos que há um prejuízo e se queira que a empresa sobreviva de alguma maneira; cubra-se até o valor de seu equilíbrio. Mas não foi isso o que ocorreu. Foi restabelecida a lucratividade da empresa presumida por ela. Geramos, com o dinheiro público, o lucro privado, e um lucro substancial em alguns casos, como mostrava a análise do balanço das empresas, divulgada pelo jornal.
Isso é um nonsense completo e que continua, porque as tarifas estão altíssimas, o sistema agora inclui um seguro para garantir uma energia emergencial paga a custos altíssimos em nome de segurar o que já estava segurado e pago, porque quando pagamos a tarifa, teoricamente, a energia está garantida. Os culpados foram ressarcidos e as vítimas estão pagando o prejuízo. Essa é a situação atual quanto à tarifa.
Estou apresentando um quadro político, porque a parte técnica meus colegas vão expor da maneira brilhante e competente, como sempre o fazem. Poderíamos, ao final, voltar a debater tanto os aspectos de saúde mental quanto os da energia elétrica propriamente. (Palmas.)
O SR. ILDO SAUER - Cumprimento a Ouvidoria da Câmara dos Deputados, a Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias e esse conjunto de entidades que se têm notabilizado nos últimos anos, começando a ficar proporcional ao tamanho do problema que estamos enfrentando. São poucas as entidades que vêm ajudando a organizar a sociedade para que ela se torne consciente e saiba que alguns recursos ainda existem para enfrentar esse verdadeiro absurdo que se está perpetrando contra todos nós.
Para facilitar essa tarefa e ajudar um pouco, não preparei transparências. Trouxe algumas cópias do documento em papel e em disquete. Nelas abordo o "Racionamento de Energia Elétrica Decretado em 2001 - Estudos das Causas e Responsabilidades", que, em sua primeira versão, com esse título, foi entregue à Procuradoria dos Direitos do Cidadão de Brasília, que tem um inquérito em andamento sobre as responsabilidades pelo racionamento. Naquela ocasião, pedimos ao Ministério Público que solicitasse junto à Justiça a suspensão das negociações, a fim de promover o dito acordo geral, porque, pelo que se divulgava na imprensa, o absurdo já se configurava.
Para nossa surpresa, depois da medida provisória editada em 21 de dezembro, emitimos esse primeiro relatório em 15 de dezembro e o entregamos no dia 18 à Procuradoria. O título ficou ainda maior, não é mais apenas "Racionamento de Energia Elétrica Decretado em 2001 - Estudos das Causas e Responsabilidades", mas também "E Análise das Irregularidades e dos Indícios de Improbidade na Compra de Energia Emergencial e nas Compensações às Concessionárias". O título cresceu muito.
O relatório está à disposição de todos, junto com um adendo produzido no dia 31 de março. Essa versão é do dia 15 de março. Entre os dias 15 de março, quando produzimos o relatório, e o dia 31 do mesmo mês, já havia sido aberto um inquérito civil público em Bauru, na Procuradoria da República, para investigar a legalidade do tal seguro-apagão e do funcionamento da Comercializadora Brasileira de Energia Emergencial - CBEE.
Como o Procurador da República obteve cópia dos contratos, conseguimos uma cópia, porque nos pediram ajuda na interpretação do seu significado e publicamos esse adendo, que não muda em nada o que já estava dito, exceto o valor exato de alguns números.
Esses documentos estão à disposição e discorrerei brevemente sobre eles, para que sejam entregues à Ouvidoria. As cópias em disquete e em papel estarão também à disposição para quem delas precisar. Aliás, fizemos questão de divulgar ambos: a primeira versão, de dezembro, e a Segunda, de março, para uma série de entidades, a fim de que elas pudessem dessas informações se valer e entrar na Justiça.
Sei que já há uma série de ações, pipocando no Brasil inteiro, questionando o acordo geral, o "tarifaço", o seguro, que não é seguro, a compra de energia emergencial e outras coisas para as quais nem damos atenção, mas que são tão relevantes do ponto de vista ético e moral quanto os outros, que é o problema da energia livre do MAE e mais algumas coisas que foram inseridas na medida provisória durante sua tramitação no Congresso Nacional.
Feita essa breve introdução, pretendo não gastar muito tempo, para que se possa promover melhor o debate, mas farei algumas considerações sobre o histórico, as motivações e os pontos que entendo serem fundamentais e não estarem ainda adequadamente sendo debatidos, absorvidos e entendidos pela sociedade, pela imprensa e, talvez, pelo Congresso. Esses são os pontos já encaminhados pelo Deputado Luiz Antonio Fleury e pelo Prof. Pinguelli, mas merecem uma reflexão orientada apara aquilo que estamos discutindo concretamente nesses dois pontos.
E quais são esses pontos? Em primeiro lugar, o racionamento aconteceu. E é importante que se diga que houve uma medida provisória do Governo que solicitou logo a seguir uma ação declaratória de constitucionalidade ao Supremo Tribunal Federal, que a concedeu. Assim, tudo o que o Governo fazia tinha respaldo no Supremo Tribunal Federal.
Não sou advogado e me sinto até constrangido em falar dessas coisas, mas é necessário que se diga: o Supremo Tribunal Federal foi enganado pelo Governo quando proferiu aquela sentença declaratória. Por que foi enganado? Porque o Governo alegava que o racionamento era produto de um motivo de força maior, que o regime hidrológico, que as chuvas ou a falta delas teriam conduzido à necessidade do racionamento.
O fato é que isso foi desmontado por uma comissão nomeada pelo próprio Governo, presidida pelo Diretor-Geral da Agência Nacional de Águas e integrada por outros especialistas. É notório que o regime de chuvas dos últimos anos esteve plenamente dentro da normalidade e que o racionamento decorreu da falta de cumprimento das leis e do contrato de concessão, em primeiro lugar, pelas empresas distribuidoras de energia elétrica e, em segundo lugar, pelas geradoras, que com aquelas tinham contrato. Pairando sobre todos eles, como o grande inspirador dessa catástrofe, a política energética implementada pelo Governo a partir de 1995 como processo de reestruturação extremamente mal concebido, baseado em pressupostos que raras chances têm de dar certo em qualquer lugar do mundo, além de muito mal gerenciado a ponto de chegarmos onde chegamos.
Não precisamos repetir tudo isso, porque quero concentrar-me nas questões mais fundamentais. Por que digo que a primeira responsabilidade repousa sobre as distribuidoras? Porque a legislação diz claramente que a prestação do serviço público é concedida à empresa pública ou privada que demonstre capacidade para fazê-lo por sua conta e risco. Não diz que é por conta do consumidor. A lei e o contrato não prevêem garantia nem de mercado nem lucratividade. O contrato e a lei brasileira falam, na verdade, numa espécie de Frankstein, porque, de um lado, o contrato de concessão se inspirou na nova teoria da regulação por incentivos, que visava acabar com a regulação do custo de serviço, acusado de ser por qualquer custo, já que levou a sobreinvestimentos no Brasil, na Califórnia e em outros lugares; de outro lado, no contrato de concessão manteve-se o instituto do equilíbrio econômico-financeiro, mas ele está razoavelmente definido ao que se refere.
Por que falo desses pontos? Porque o Governo diz que só concedeu a compensação porque era um direito das concessionárias. É isso que ele tem dito, e nada mais fez do que reconhecer um direito. Ora, se era um direito, não precisava entrar na justiça, bastava fazer; muito menos precisava de uma medida provisória. Esse é um ponto fundamental. A medida provisória foi feita para revogar direitos existentes dos consumidores e para criar privilégios às concessionárias. É esse o espírito da medida provisória e que tem de estar claro para todos nós. Ela foi feita ao arrepio da legislação existente até 21 de dezembro, que, até então, obrigava as empresas a indenizar os consumidores e o poder concedente pelos prejuízos que elas vieram a causar. E o equilíbrio econômico-financeiro, como definido na legislação e no contrato até então, só garante tarifas, porque no momento da privatização elas foram inscritas no contrato de concessão, e o pagamento para obter a concessão pelas concessionárias foi feito levando-se me conta que eram essas as tarifas, de acordo com estudo de mercado feitos pelas empresas; em função disso, pagaram pela concessão.
E o que dizem a lei e o contrato? Presume-se que está preservado o equilíbrio econômico-financeiro desde que preservadas as tarifas, de acordo com o regime de reajustes e de revisões preconizados. Não fala em momento algum que há mercado ou lucros garantidos.
Surpresa, sim, causou a mim ver certas cartas assinadas por esse senhor, que, felizmente, a revista Carta Capital chamou, neste fim de semana, de "O príncipe das trevas". Pedro Parente - parente, como disse alguém, não se escolhe - diz, em certos documentos já divulgados, que a tarifa é fixada projetando-se um mercado e garantindo-se a lucratividade das empresas. Isso é o maior absurdo que já vi na minha vida, porque nem a lei nem o contrato garantem isso.
De maneira que o acordo geral foi feito ao arrepio da lei, ao arrepio dos contratos de concessão. A medida provisória foi feita exatamente para revogar direitos dos consumidores e criar privilégios. Há impressão de fato de que as empresas, ao agirem como agiram antes, estavam seguras de que tinham um guarda-chuva que lhes garantia - fazendo o que fizerem ou deixando de fazer o que deveriam - proteção.
De fato nota-se que a ação do Governo, por intermédio da medida provisória, infelizmente referendada e até ampliada em certo ponto por este Congresso, dá razão aos que pensam que isso é assim. Mas não era assim o que estava na lei. Por quê? Diz o Governo, em outros pontos, que, além do equilíbrio econômico e financeiro, precisa garantir a sobrevivência do serviço público. Ora, serviço público e das empresas não se faz desse jeito. Não é assim que se pode fazê-lo. Faz-se preservando a lei e os contratos. Não é fazendo o que se fez.
Diz ele em um ponto que as empresas foram vítimas de uma intervenção unilateral do Estado, que decretou o racionamento. Vejam que absurdo. O racionamento era previsível, era evitável. As concessionárias dele participaram ativamente por obrigação e porque o contrato também lhes obrigava a assim fazê-lo.
Pelo planejamento, pelas informações de que dispunha e mesmo pelo que vínhamos divulgando - como no seminário ao qual se referiu o Deputado Luiz Antonio Fleury, o do dia 14 de junho, e outro que houve, em São Paulo, da FAPESP e em estudos anteriores -, o ONS já vinha dizendo que há muito vivíamos em situação insustentável. Disso todos sabiam.
É um absurdo aceitar o argumento do Sr. Pedro Parente de que houve uma intervenção unilateral que limitou o mercado das concessionárias. Ora, o Governo - temos de reconhecer - interveio muito tardiamente para evitar que uma catástrofe total se abatesse sobre o País e organizar o racionamento criado pelas empresas. Não fosse isso, chegaríamos ao caos no ano passado. Então, não dá para entender esse conjunto de argumentos. São inaceitáveis.
Partindo, portanto, desses argumentos contidos no relatório, chega o Governo e diz que se tem de dar as compensações, porque o equilíbrio econômico-financeiro foi rompido. Demonstramos que isso não é o fato, que não houve um motivo de força maior que desse origem a essa recomposição do equilíbrio, porque força maior seria de fato se, como o Supremo foi induzido a acreditar no começo, tivesse havido uma seca maior das que aconteceram no passado.
Sabemos todos - foram demonstrados os dados - que os regimes hidrológicos foram normais, com 12% abaixo da média em um ano, cinco no outro e nos dois anos anteriores acima da média inclusive, de forma que não houve motivo de força maior. Não houve caso fortuito. Nenhuma rede de transmissão ou barragem se rompeu. Não houve catástrofe. Houve esse argumento que citei há pouco, o do chamado fato do príncipe ou da administração, de uma intervenção unilateral do Estado, que justificou a intervenção. Feita a intervenção, seria limitada a possibilidade de ação das empresas em cumprir suas obrigações. Contudo, isso também não aconteceu. Ela veio para organizar a escassez causada apenas pelas concessionárias.
Fica claro, com esses argumentos, que o Governo não cumpriu a lei e o contrato. Puniu as vítimas e premiou os culpados. É esse o espírito.
Em certa ocasião, disse-me um jurista que havia uma espécie de dúvida ou quase certeza sobre a existência nos acordos internacionais firmados pelo Governo brasileiro de uma chamada side letter, uma carta colateral, que não é publicada, é secreta, e obriga o Governo, em qualquer circunstância - fazendo as empresas o que fizerem ou deixando de fazer o que deveriam fazer -, a recompensar as empresas com lucratividade, porque a lei e os contratos não permitiam que se fizesse o que foi feito.
E o maior absurdo de todos é esse. Houvesse a sociedade consumido a energia, que pelo próprio Governo foi de 26 milhões de megawatts/hora, ao longo do ano passado, as empresas teriam registrado no seu caixa 3,1 bilhões de reais a mais. Por quê? Porque a tarifa média, se a energia entregue fosse, seria de 120 reais. Dá 3,1 bilhões. Só que isso não seria lucro. O lucro é muito menor, porque despesas foram evitadas. Mais ou menos um bilhão é o que as distribuidoras pagariam para as geradoras. Impostos não foram pagos, investimentos não foram feitos, equipes não foram contratadas.
Então, ainda que se aceitasse o argumento de que o lucro perdido deveria ser indenizado, o que não é, pela convicção que temos em relação à estrutura jurídica e aos contratos, isso não seria viável, não seria legal nem moralmente aceitável. Mas em se aceitando, não seriam 3,1 bilhões. A quanto chegarão os números?
Os primeiros números que temos, do ano passado, foram estimados em 7,3 bilhões de reais. Este ano, um pouco mais de dois em janeiro e fevereiro. Chega-se a mais de 10 e a conta ainda não foi entregue pelas concessionárias à ANEEL, que vai ter um tempo para se pronunciar. Chegaremos com quase certeza a mais de 10 bilhões de reais.
Portanto, a população não apenas vai pagar pela energia que não consumiu, vai pagar três vezes mais. Isso é absolutamente inaceitável. Não há argumento que me convença de que isso é aceitável. Não há como se aceitar isso, nem que tenham votado medida provisória. Acredito que há de existir um jeito de revogar tudo isso, para que o bom senso volte a prevalecer. Não é possível chegarmos a um absurdo desses. Usa-se preço de escassez para remover a escassez. Chegam a esses números porque há uns absurdos no mercado atacadista. Em certa época, o preço oscila entre 600 e 350 reais.
Ora, o mercado atacadista sofreu intervenção do Governo. Depois, houve sua extinção, por notórias irregularidades e deficiências, para não dizer delinqüência. Agora, o Governo quer usar as referências do mercado atacadista para chegar a valores, contas e transações, expectativas falsamente criadas, e mantê-las com privilégios de direitos assegurados daqueles que não cumpriram suas obrigações. Isso é inaceitável. Por isso, chegaram a esses números absurdos de 10 bilhões para essa parte.
Essa era apenas a primeira parte das contas, à qual já nos opúnhamos em dezembro do ano passado, antes de a medida provisória sair, antes de o acordo ser negociado. Acreditava-se até que aquele negócio de ir ao BNDES era algo que na Polícia chamam de outra coisa: formação de quadrilha. Fiquei com essa sensação. Depois, recuei e resolvi escrever, porque era uma turma que estava negociando para saber como tirar dinheiro da população. Não está escrito isso em lugar algum, mas era essa a sensação que tínhamos. Aí vem a medida provisória e sacramenta esse ponto.
Esses são os argumentos expostos nos relatórios, que estão à disposição de todos. Acredito que ainda deve haver jeito de se enganar o Supremo, que foi enganado ao declarar a constitucionalidade do racionamento, porque o que se disse a ele não era verdadeiro. Não era a pior seca dos últimos anos, o regime foi normal. Há documentos oficiais provando isso. Por outro lado, acredito que o conjunto de ações que estão aí vão fazer isso.
O segundo ponto que quero abordar aqui é mais surpreendente ainda: a chamada energia emergencial. O Governo dizia que estava contratando energia emergencial. Muitos de nós comparecemos ao Congresso Nacional - Senado, Câmara e Comissão Mista - durante o racionamento. Ouvimos que um dos jeitos de acelerar a saída do racionamento era contratar energia emergencial, que poderia depois ser convertida em energia permanente em sua forma de co-geração. Se tivéssemos acrescentado 5 mil megawatts emergenciais e, em março ou junho do ano passado, iniciado seu processo, em setembro estaria operando. Já seria sob co-geração hoje, o racionamento teria acabado antes. Então, era uma idéia que não era desprezível, desde que isso fosse feito adequadamente. Não o foi.
Começaram a fazer chamadas em setembro. Em fevereiro, para minha surpresa, chega um contrato com cláusulas como, por exemplo, a dolarização, o que é proibido pela lei brasileira. Em uma parte do contrato, o reajuste seria em dólar; em outra, pelo IGP-M, o que também é proibido por lei. Surpreendentemente também, para dirimir dúvidas, se escolhe a arbitragem em vez da Justiça. Mas o pior de tudo é que há uma cláusula que simplesmente não permite a rescisão: se houver rescisão, tem de se pagar o resto do contrato. Isso não é rescisão. A legislação diz que a administração pública tem o direito de tomar medidas ao longo do tempo.
Além do mais, os contratos entraram em vigor cinco dias depois de publicados no Diário Oficial, em fevereiro, exatamente na época em que foi decretado o fim do racionamento. Portanto, se o Governo acreditasse no que dizia, não faria o que fez, porque não era mais concebível. Havia água para este ano e havia um jeito de se fazer outras coisas, supondo-se que a energia emergencial fosse necessária, mas essa é uma discussão técnica.
De qualquer maneira, o maior absurdo são os valores. Há uma cláusula de confidencialidade. Esse é o ponto fundamental. Investigamos no Diário Oficial, obtivemos dados dos 28 contratos, depois a Procuradoria da República nos forneceu as cópias completas, e constatamos o absurdo: 6 bilhões e 700 milhões de reais estão comprometidos para o pagamento de aluguel de máquinas ao longo de três anos em média. Se essas máquinas forem feitas por qualquer empresa privada, pública, estatal, com seriedade, custarão mais que 58 pequenas usinas de 2.156 megawatts, cuja construção giraria em torno de 2,5 bilhões de reais, não mais que isso. Além do mais, tive informação, mas tenho de confirmá-la, de que algumas barcaças da Segunda Guerra estão na base dessas máquinas. Se fossem novas, custariam 2,5 bilhões só de aluguel, e têm uma vida útil de trinta anos. Isso está sendo repassado para os consumidores, que, pelo contrato em vigor, já pagam tarifas que lhes garantem a confiabilidade.
Na minha opinião, assim como na opinião de pessoas que já questionaram na Justiça, isso é uma espécie de tributo, porque não é tarifa. Em primeiro lugar, não tem sentido cobrar por prejuízos do passado dos consumidores do futuro, que é o caso do tarifaço das compensações. De outro lado, é obrigação das concessionárias garantir o fornecimento pelas tarifas fixadas, reajustadas e revistas no contrato de concessão, de acordo com a legislação. Nada disso tem fundamento legal, técnico, ético ou moral, e é preciso ser revisto.
Há ainda um terceiro ponto, o da energia livre, que precisa ser debatido. A medida provisória prevê uma conta, que pode chegar a algo entre 1 e 2 bilhões de reais, se as concessionárias de geração não conseguirem, em função dos reservatórios, entregar energia compromissada no mercado atacadista, e quem pagará o prejuízo será a população. Essa é a chamada energia livre. Além de já terem embutido, desde janeiro, 2,9% nas contas residenciais e 7,9% nas industriais não-privilegiadas para pagar aqueles 10 bilhões de reais, mais ou menos, nos próximos dez anos, poderão ser embutidas nas contas três coisas: o ECE - Encargo de Capacidade Emergencial para pagar aluguel; o EEE - Encargo de Energia Emergencial, ou seja, se o combustível for usado, se as máquinas forem usadas, há uma previsão nos contratos de um gasto de 9,3 bilhões de reais para pagar pela operação, manutenção e o combustível, chegando a um total de 16 bilhões de reais; e, por último, o encargo de energia livre, isto é, se as concessionárias de geração não conseguirem cumprir os seus contratos, a conta é repassada ao consumidor. Portanto, estamos em um mundo absolutamente de fantasia. Eu não acredito que isso esteja acontecendo, mas é real.
Tive a gentileza, depois de ter sido solicitado pelo Ministério Público Federal a produzir um relatório a respeito, de entregar primeiro uma cópia ao Procurador da República, que está investigando esse assunto; segundo, ao então Ministro de Minas e Energia, Pedro Parente; depois, aos Presidentes do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, a todos os líderes partidários e ao Relator da medida provisória. Em seguida, por carta à Universidade de São Paulo, fui ameaçado de processo pelo Ministro Pedro Parente. Ele disse que eu havia sugerido prática de atos de improbidade.
Eu não sugeri que eles fizessem nada. Se fizeram, foi por conta deles. Eu apenas disse que me parecia haver indícios que precisavam ser investigados e apurados, e pedi a ele, como autoridade maior, que o fizesse primeiro. Foi a contribuição de um cidadão que, de acordo com o Código de Ética dos Engenheiros, se tiver conhecimento de qualquer indício de irregularidade, é obrigado a levá-la ao conhecimento das autoridades. Eu nada mais fiz do que cumprir a minha obrigação: tentar alertar o Ministro para que o fizesse. A resposta que recebi foi um ataque brutal.
De maneira que a minha contribuição é entregar mais uma cópia desse relatório à Ouvidoria, em disquete, para divulgação, fazendo votos de que consigamos avançar nesse processo e, eventualmente, paralisar esse verdadeiro absurdo que prejudica o Brasil neste momento.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Luiz Pinguelli Rosa) - Em nome da Mesa, agradeço ao Prof. Ildo Sauer, da USP.
Passo a palavra ao Prof. Maurício Tolmasquim, da COPPE/UFRJ.
O SR. MAURÍCIO TIOMNO TOLMASQUIM - Vou usar transparências para abordar um outro aspecto ligado à crise energética, que é a ameaça de desverticalização do setor. Trata-se de uma medida que faz parte desse novo modelo que o Governo está tentando implementar, que está fazendo água e está custando muito caro, como foi apontado pelos Profs. Luiz Pinguelli e Ildo Sauer, a todos nós. É gravíssimo o que vai ocorrer. Estamos a poucos meses de uma mudança de Governo e uma medida como essa terá repercussões graves, como eu tentarei mostrar. É fundamental tentar impedir isso.
Vou tomar como exemplo o caso de Furnas, porque é bastante emblemático e ilustra bem o risco que significa essa desverticalização, mas o que vou dizer vale para as demais empresas.
(Exibição de imagens.)
Este é o fluxo de caixa apenas da geração de Furnas. Vamos separar geração da transmissão e, depois, mostraremos a empresa funcionando de maneira integrada. Então, aqui é o fluxo de caixa da geração projetado entre 2002 e 2009.
Como é feita essa projeção? Ela é muito conservadora. Utiliza-se como referência a tarifa atual dos contratos iniciais, ou seja, ignora-se essa medida que o Governo está propondo de liberar a tarifa a partir de 2003. Caso isso ocorra, a receita da geração de Furnas explode, vai ser imensa. Estamos sendo bastante conservadores, considerando o pior dos casos para a geradora, mas o melhor para os consumidores, que é manter a tarifa como está hoje.
Temos a receita de venda da energia menos a energia que ela compra, então, a receita líquida varia entre 1,9 bilhão e 2 bilhões em 2009. Se retirarmos as despesas operacionais etc., vamos ter uma geração interna de caixa variando entre 530 milhões, em 2002, e 1 bilhão, em 2009.
Ora, uma empresa que gera 1 bilhão de reais de caixa é extremamente interessante do ponto de vista econômico, e vamos mostrar isso a seguir.
Ali embaixo, temos os investimentos que Furnas já se comprometeu a fazer durante esse período. Na verdade, como não se está utilizando Furnas para grandes investimentos, trata-se basicamente da modernização das térmicas, que começam em 306 milhões em 2002 e vão diminuindo até 64 milhões. Ou seja, Furnas tem um saldo de caixa que chega, em 2009, à impressionante cifra de 5 bilhões de reais - 5 bilhões de reais! -, porque esses recursos não estão sendo usados para investimentos.
Para se ter uma idéia, calcula-se que são necessários, anualmente, para investimento no setor elétrico, algo em torno de 7 bilhões de reais, considerando bons investimentos. Estamos dizendo que Furnas, se não for usada para fazer investimentos na geração, vai ter em caixa, em 2009, 5 bilhões de reais, e com condições de gerar um caixa de 700 milhões de reais por ano.
O nível de endividamento de Furnas está em torno de 10 a 15%, que é baixíssimo. Uma utility americana trabalha com níveis de endividamento de 60%. Com essa geração de caixa mais seu baixo endividamento, Furnas pode alavancar recursos duas ou três vezes maior que a sua geração de caixa. Por exemplo, entra-se com sua geração de caixa de 30%, e o BNDES dá os outros dois terços, ou seja, cada 800 milhões de reais de caixa geram outros 1 bilhão e 600 de investimento.
Estamos dizendo, então, que a geração de energia é a galinha dos ovos de ouro - eu tinha usado essa expressão em outro seminário -, e é mesmo!
Aqui está, primeiro, a remuneração do investimento após impostos. Isso varia, anualmente, de 15% a 21% em 2009. A ANEEL considera adequado, como remuneração, 10 a 11%. O próprio capital privado, que pede absurdos, exige 15% ao ano. Essa remuneração atenderia até ao capital privado que, às vezes, pede 15 ou 18%. Estou falando de remuneração, em 2009, de 21%, ou seja, uma empresa extremamente atrativa em geração.
Esta é a evolução da remuneração do investimento e do capital próprio e de terceiros. Notem que ela está acima de 15% e crescendo entre 2002 e 2009. Estamos dizendo que a geração é altamente - mas altamente - lucrativa.
Aqui, em vermelho, está a geração de caixa; em azul, estão os investimentos e, em branco, está o superávit de recursos, que é crescente. Estamos vendo um superávit de recursos enorme gerado por Furnas.
Qual é o segredo de Furnas? Onde está o segredo desse sucesso todo na geração? O segredo é que ela tem no seu portfolio usinas que, primeiro, foram construídas há muito, portanto, estão amortizadas, e, segundo, pela própria lógica que ditou o setor energético: eram as mais baratas. O setor energético, na época em que havia planejamento, fazia as usinas mais baratas primeiro e as mais caras depois. Então, essas são as usinas mais baratas.
A usina de Marimbondo gera 3 reais por megawatts/hora; Furnas, 5 reais; Luiz Carlos Barreto Carvalho, 5,52; Mascarenhas de Moraes, 5 reais por megawatts/hora. Estamos falando de usinas gerando energia praticamente de graça. Elas foram construídas, têm uma barragem, têm a água passando pelas máquinas, gerando energia praticamente de graça. Esse é o segredo da geração de caixa de Furnas.
Vamos ver a parte da transmissão de energia. O que aconteceria se em Furnas a transmissão fosse separada da geração? O que aconteceria com essa empresa de transmissão?
A geração de caixa varia entre 240 milhões e 656 milhões. Como podem ver, a geração de caixa é inferior aos investimentos que hoje são uma responsabilidade de Furnas, isto é, ela não seria suficiente, pelo menos até 2005, para atender aos investimentos. Depois, ela cobriria os investimentos, mas com uma margem muito pequena. A remuneração do investimento dessa empresa de transmissão varia de 2 a 9,5% no máximo, ou seja, é uma empresa inviável. Enquanto temos uma empresa de geração com rentabilidade acima de 20%, temos uma empresa de transmissão com rentabilidade abaixo de 10%. A remuneração é crescente, mas está abaixo do nível dos 10%, ou seja, essa é uma empresa deficitária.
Aqui estão justamente os dados sobre a transmissão: o vermelho é a geração de caixa; o investimento está em azul e o branco é o déficit ou o superávit. Vejam que até 2006 há déficit e, depois, há um superávit pequeno, que não permite que a transmissão dê um retorno suficiente para tornar a empresa viável.
E o que é Furnas unida, Furnas íntegra, Furnas geração e transmissão juntas? É o que ela é hoje. Existe uma sinergia entre as duas atividades: a geração de caixa da atividade de geração financia a atividade de transmissão. Ela é uma empresa lucrativa, que tem uma geração interna de caixa que varia de 700 milhões a 1,7 bilhão, em 2009, o que é mais do que suficiente para pagar os investimentos propostos até o momento para geração e transmissão e ainda sobram bastante recursos para realizar mais investimentos. Vejam bem, temos uma geração de 1,5 bilhão de caixa e podemos multiplicar por três os recursos que podem ser arrecadados do capital privado.
Essa empresa integrada tem uma rentabilidade que varia de 8,5% a 14%, que é totalmente adequada para uma empresa de serviços públicos, que não precisa ter taxas enormes, e eu diria até que poderia fazer investimentos maiores. Acho que 14% de retorno para uma empresa pública é demais. Ela poderia ter um retorno até menor.
Aqui temos a evolução da rentabilidade dessa empresa de geração e transmissão. Por que ela está crescendo? Porque os investimentos propostos para Furnas são poucos.
Mais uma vez, mostramos aqui todo o superávit de recursos que essa empresa teria.
Este é um quadro síntese.
Lembro que estamos considerando o pior caso para Furnas, que é o de manter a tarifa dos contratos iniciais. Isso seria o melhor para o consumidor, mas, do ponto de vista da empresa, o ideal é que libere. Mas vamos considerar a pior hipótese.
Estamos falando de uma geração com rentabilidade entre 16% e 24%; a transmissão sozinha com rentabilidade entre 1% e 10%, o que é inviável, e uma Furnas íntegra com rentabilidade entre 9% e 16%.
Olhando esses números, parece ser óbvia a melhor solução. A idéia inicial do Governo era vender a geração, que é bastante lucrativa, e ficar com esse abacaxi da transmissão, que não é rentável, quando ele pode ter uma empresa íntegra, com duas atividades, em que uma financia a outra. Qual a melhor solução?
Este é um dado que consegui da Associação Brasileira das Grandes Empresas de Transmissão de Energia Elétrica - ABRATE. Trata-se de um estudo impressionante, que não é público. É a análise do balanço de 2001 de todas as transmissoras. É impressionante!
Se observarem a linha quatro, ela mostra o lucro líquido ou o prejuízo do exercício. O que está em vermelho é prejuízo.
Peguemos a rentabilidade do ativo, na primeira linha. Furnas transmissão teve resultado negativo, -0,66% ao ano; CEEE, -11%; CTET, 2%; CHESF, 0,05%. É um crime, é inviável. É impossível essas empresas funcionarem. A CEMIG teve um resultado melhor, 4,5%, mas também é inviável. A ELETRONORTE teve -8%; ELETROSUL, 0,31%; COPEL, -5%.
Estamos dizendo que as empresas de transmissão que vão ser criadas são inviáveis. Qual é a única maneira de viabilizá-las? Seria um absurdo: aumentar ainda mais as tarifas. O único jeito de viabilizá-las é aumentar a tarifa da transmissão, mas isso significa ir adiante com esse modelo nefasto, ir adiante nesse fracasso, que é prejudicar ainda mais o consumidor.
Existe, é claro, a possibilidade de aumentar a tarifa da transmissão e reduzir a margem das distribuidoras. Hoje, as distribuidoras têm uma relação entre a tarifa de suprimento e de fornecimento de 40%, enquanto no período entre 1974 e 1991 ela foi de quase 60%. Isso, porém, é difícil. Outra possibilidade é manter integradas as empresas de geração e transmissão. Essa seria a solução mais interessante para o País.
Acho que, neste momento, se deve mobilizar toda a sociedade no sentido de impedir que se cometa esse crime, que é a separação entre geração e transmissão. Do contrário, estaremos criando empresas inviáveis que, para se viabilizarem, levarão a um aumento ainda maior de tarifas.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Luiz Pinguelli Rosa) - Agradecemos ao colega Maurício Tiomno Tolmasquim. Vamos passar imediatamente a palavra para o Sr. Roberto Araújo, do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Elétrico - Ilumina.
O SR. ROBERTO ARAÚJO - Uma coisa que tenho dito há muito tempo é que o racionamento de energia elétrica foi o grand finale de uma grande lesão ao consumidor. É como se fosse uma orquestra, que toca um acorde e pensamos que é o último, mas não é. Na realidade, o grand finale não é só o racionamento; o ressarcimento às distribuidoras é a continuidade dessa lesão.
quadro1
Estes são dados reais. Qualquer um pode ter esses dados a partir da página do ONS.
Este é o mercado, que vinha crescendo desde 1999 e isso foi o que aconteceu com o mercado racionado.
Aqui, em abóbora, temos o mercado calculado pela Resolução nº 31 da ANEEL . Essa seria a receita esperada pelas distribuidoras e, portanto, é um mercado virtual, um mercado que não aconteceu.
Esse buraco negro aqui são as perdas, a diferença entre o que consumimos e o que deveríamos ter consumido para não causar prejuízo às distribuidoras.
Se pensarmos nessa quantidade de energia... O Governo diz que foram 26 terawatts/hora, mas na realidade esse foi o valor em relação ao que economizamos no ano passado. É mais do que isso. Mas, vamos pensar que são apenas 26 terawatts/hora e vamos imaginar em uma tarifa apenas de geração, sem distribuição e sem transmissão, de 50 reais por megawatt/hora. Isso significa que poupamos uma energia que vale, nas usinas, 1,3 bilhão de reais.
Essa foi a nossa poupança, é um dinheiro que nos pertence, porque tínhamos o direito de consumir. Do outro lado as distribuidoras acham que é direito de faturamento. Se é direito de faturamento, é também o direito de consumir.
Portanto, temos guardado, nos reservatórios, 1,3 bilhão, no mínimo.
Pode-se também fazer essas contas com as reservas. Essa curva representa o nível de reservas em termos de megawatt-mês dos reservatórios.
O que aconteceu com elas? O que aconteceu pelo fato de termos feito o racionamento e o que teria acontecido se não tivéssemos feito o racionamento? Essa diferença são aqueles 1,3 bilhão. O fato de estarmos agora com este nível de reservas mostra que uma parte da reserva é nossa poupança.
O consumidor poupou energia. Era um direito, até porque as distribuidoras contavam com esse faturamento. Entretanto, em vez de uma recompensa, o consumidor terá que desembolsar por volta de 8 bilhões de reais.
A meu ver, esse é um ponto que está sendo esquecido, porque, uma explicação, só pode ser a de que as empresas não entendem os relatórios que elas mesmas assinam. Se elas não têm competência para entender o assunto "energia no Brasil", o assunto é grave e vou explicar por quê.
Estes são dados do ONS. Quem quiser fazer este gráfico, pode fazer. Em vermelho é o que ocorreu desde 1996 até 2002; em amarelo é a média, ou seja, quando o ano é médio, é aquela curva amarela ali. Então, podem reparar que o único ano ruim foi 2001. Nos meses de novembro e dezembro, apontaram para um aumento de chuvas e, de repente, o Governo foi driblado; foi um "garrincha" que derrubou o Governo.
Aqui temos uma outra razão por que houve o racionamento. Na página do ONS, podem reparar que, só nos meses de janeiro e fevereiro de 2002, choveu o equivalente a seis meses de consumo. Isso aconteceu porque nós economizamos e porque São Pedro resolveu nos fornecer muita energia. Assim é que saímos do racionamento.
Seria interessante examinar em um horizonte maior. Se pegássemos toda a energia vinda dos céus e transformássemos em energia, teríamos aproximadamente o seguinte quadro: segundo dados da Região Sudeste, o pior ano foi o de 1971, em que só choveu 20 gigawatts; o melhor ano foi 1983, em que choveu 57 gigawatts. Esse período que estava no gráfico anterior está mais ou menos nessa linha, ou seja, em cinco anos estivemos acima da média em 3 anos e em dois anos estivemos abaixo da média. Portanto, não houve nenhuma situação dramática de chuvas.
É interessante olhar isso quando se observa o deplecionamento. Aqui temos, mais ou menos por altura, a situação de hidrologia comparada a esse eixo aqui. Então, reparem: mesmo sob hidrologia média, como é o caso, por exemplo, de 1999, ou o caso de 2000, há um deplecionamento total do reservatório. Isso significa que, mesmo sob hidrologia média, o reservatório não consegue guardar água para o ano seguinte. Isso mostra que o consumidor não tem garantia da energia que se está vendendo. É simplesmente uma questão de tempo ou uma questão de sorte com São Pedro: chegará um momento em que não se poderá mais fornecer energia contratada.
Isso está claro, foi traduzido num relatório do ONS de abril de 2000, que diz que houve uma deterioração das condições de atendimento nos próximos anos, o que se reflete nos constantes adiamentos dos programas de obra de geração previstos. A demanda é atendida não somente com energia garantida, mas também com energia secundária - interruptível. Portanto, quem atende uma demanda com uma energia chamada interruptível sabe do risco que está correndo de interromper o fornecimento.
Isso quem diz é o ONS. Quem é o ONS? Vamos ver, pela legislação e pela sua organização, quem é o ONS. Traduzindo para leigos, quando acontece aquilo, quando o mercado é atendido por uma energia secundária, não se pode garantir a continuidade do suprimento. E outra: o sistema não consegue guardar energia de um ano para o seguinte. Não se está fornecendo ao mercado energia com a segurança que se paga na tarifa. É isso que aquilo quer dizer. Qualquer uma dessas frases pode ser substituída por aquela.
Quem entrar na página do ONS, vai ler o seguinte:
Então, o ONS é as próprias empresas distribuidoras, geradoras e transmissoras. Elas são parte do ONS, portanto, são responsáveis por tudo o que aconteceu, por tudo que o ONS escreveu e assinou.
Estas são algumas das atribuições da ONS, segundo seu Estatuto:
"Art. 4º São atribuições do ONS:
I - o planejamento e a programação da operação e o
despacho centralizado da geração, com vistas à otimização dos sistemas
eletroenergéticos interligados;
II - a supervisão e a coordenação dos centros de operação
de sistemas elétricos;
III - a supervisão e o controle da operação dos sistemas
eletroenergéticos nacionais interligados e das interligações internacionais;
IV - a contratação e a administração de serviços de
transmissão de energia elétrica e respectivas condições de acesso, bem como dos
serviços ancilares;"
É importante
guardar esse papel que o ONS tem, porque vamos falar um pouco sobre a
desverticalização.
"V - propor à Agência Nacional de Energia Elétrica -
ANEEL ampliações das instalações da rede básica de transmissão, bem como
reforços dos sistemas existentes, a serem licitados ou autorizados;
VI - a definição de regras para operação de transmissão
da rede básica dos sistemas elétricos interligados, a serem aprovadas pela
ANEEL;
VII - outras que forem atribuídas em contratos
específicos celebrados com os agentes do setor elétrico."
O ONS define ainda os seguintes benefícios:
"Para os agentes setoriais:
(...)
- Fornecimento de sinalização técnico-econômica das
condições futuras de atendimento.
- Viabilização de um mercado competitivo sadio, atuando
com integridade, transparência e eqüidade no relacionamento técnico com os
agentes.
Para os Consumidores:
- Segurança de padrões adequados de continuidade e
qualidade de fornecimento.
- Garantia de condições técnicas para que eletricidade a
preços baixos seja o resultado da competição entre as empresas no Mercado
Atacadista de Energia.
- Condições técnicas para a opção de escolha de
fornecedor pelos consumidores livres.
Para a sociedade:
- Redução dos riscos de falta de energia elétrica.
- Aumento da eficiência do serviço de eletricidade,
contribuindo para alavancar recursos para investimentos pelas
empresas.(...)"
Chega a ser
uma piada as frases contidas no Estatuto do ONS.Qualé a composição do ONS ? Compete ao seu Conselho de Administração a orientação geral dos trabalhos e atividades do ONS; aprovar os procedimentos operacionais dos sistemas de geração e transmissão; aprovar os relatórios emitidos pela Diretoria Executiva e solicitar à Diretoria Executiva relatórios de análise de perturbações que afetem o sistema.
Quem são as pessoas que compõem esse Conselho de Administração? Temos sete representantes da geração, representantes da transmissão e representantes da categoria consumo, que é a categoria das distribuidoras.
Aqui estão, inclusive, os nomes das pessoas que aprovaram esses relatórios ou, pelo menos, deveriam tê-los lido e aprovado, dizendo que estavam corretos. Se estavam corretos, aquele aviso de abril de 2000, já explicitava o dever que as distribuidoras tinham com o consumidor.
Além do Conselho de Administração, existe a Assembléia Geral, composta da seguinte forma: a geração tem 9 mil votos, a transmissão tem 3 mil votos e o consumo tem 9 mil votos. Dentro da área de consumo, só 30% são proporcionais ao mercado de cada empresa; 70% são votos igualitários.
O interessante é que o Estatuto, no seu art. 9º, III, diz que a Assembléia Geral pode aprovar a constituição de comitês de arbitragem e de auditoria, e no art. 21, V, recomendar a contratação de auditores externos para avaliar e analisar questões específicas. Por exemplo, nós poderíamos ter sido contratados e, com certeza, teríamos avaliado essa iminência de racionamento que havia nos relatórios.
Sobre isso o Pinguelli e o Ildo já falaram. É o relatório do Kelman, que colocou em pratos limpos que não houve nenhuma influência inesperada da hidrologia.
É engraçado vermos que, no Brasil, as leis são desmoralizadas. A Lei nº 9.074/95, no seu art. 3.º, que trata da prorrogação das construções, justamente a parte que preparou as concessões, que eram estatais, para serem privatizadas, diz o seguinte:
"Art. 3º
.................................................................................
I - garantia da continuidade na prestação dos serviços
públicos;"
Tivemos o
racionamento.
"III - aumento da eficiência das empresas
concessionárias, visando à elevação da competitividade global da economia
nacional;"
A tarifa
subiu 188,78%.
"IV - atendimento abrangente ao mercado, sem
exclusão das populações de baixa renda e das áreas de baixa densidade
populacional inclusive as rurais;"
A exclusão
não se dá só pelo não atendimento, mas pelo preço também, e algumas famílias
foram excluídas por aumentos da ordem de 300%.Ou seja, a lei não vale no Brasil. A Lei nº 9.074/95 tem vários dispositivos que não estão valendo.
A Lei nº 8.987/95 também não está valendo. Ela diz, no seu art. 38:
"Art.
38
................................................................................
§ 1º A caducidade da concessão poderá ser declarada pelo
poder concedente quando:
I - o serviço estiver sendo prestado de forma inadequada
ou deficiente, tendo por base as normas, critérios, indicadores e parâmetros
definidores da qualidade do serviço;"
Tudo isso foi
desobedecido, e, teóricamente, poderíamos inclusive cassar concessões, por
exemplo, no caso em que a concessionária perde suas condições técnicas. Na
minha opinião, não entender os relatórios da ONS é uma imensa falha técnica.Sobre a desverticalização, a que o Tolmasquim já se referiu, a intenção era no sentido de que a transmissão não poderia ficar na mão da geração porque haveria um poder de mercado muito grande para quem tem geração e transmissão.
É preciso entender que existem dois modelos básicos para a implantação de de mercados de sistemas elétricos, o modelo inglês ou o americano. No modelo inglês, a empresa que faz a operação da transmissão tem todos os ativos da transmissão; no modelo americano, o operador independente do sistema é tão poderoso, tão definidor do que passa na linha, de que linha vai ser construída, qual a receita do distribuidor, que o FERC resolveu recomendar que não se desverticalizasse, exatamente plas razões que o Tolmasquim acabou de falar. Quer dizer, desverticalizar a transmissão da geração é criar um problema contábil inexistente: Porque não vou poder pegar o recurso que sobra na minha geração, (porque as usinas no Brasil são antigas, estão rendendo muito dinheiro,) e passar para a minha transmissão? Os senhores sabem que a transmissão no Brasil está deficitária. Se a geração estava deficitária, a transmissão está muito mais.
A desverticalização é desnecessária. Pela estrutura de poder do ONS, é impossível que um agente de geração e transmissão tenha poder de interferência. Naquela composição dos 9 mil votos, mesmo que Furnas, por exemplo, tivesse um representante de geração, ele não pode ter um outro de transmissão. Cada empresa só pode ter um representante, portanto, não há como se conseguir ter poder de mercado.
O ONS é contratante exclusivo do sistema de transmissão e interveniente obrigatório do contrato de conexão. Os proprietários de ativo de transmissão não têm qualquer poder sobre o mercado de energia. A remuneração da transmissão, o monopólio atual, é fixado pela ANEEL sob forma de receita anual permitida, quer dizer, não há como alterar esse quadro, a receita está definida. Mesmo que Furnas geração contrate a Furnas transmissão, não pode fazer um preço diferente para valorizar sua venda; ela tem que contratar por um valor definido. Os proprietários dos ativos de transmissão são obrigados a contratar exclusivamente com o ONS o transporte de energia, a quem cabe a operação.
Então, essa hipótese de que vai se exercer poder de mercado e por isso tem que verticalizar não é válida com o modelo adotado pelo Brasil, que igual ao modelo americano. Por isso os Estados Unidos não desverticalizaram.
Era isso que queria dizer. (Palmas)
O SR. COORDENADOR (Luiz Pinguelli Rosa) - Agradecemos ao Sr. Roberto Araújo, sempre fazendo exposições de alta qualidade, contribuindo com sua apresentação audiovisual muito bem feita e pedagógica, além de correta.
Concedo a palavra ao Sr. João Paulo, também do Instituto Ilumina do Nordeste.
O SR. JOÃO PAULO MARANHÃO DE AGUIAR - Bom dia a todos. Acredito que uma parte importantíssima de reuniões como essa são os debates, os questionamentos. Vou procurar ser breve, utilizando dez minutos para falar sobre o tarifaço e o racionamento e outros dez sobre a cisão.
Gostaria de começar chamando atenção para um aspecto muito importante. O histórico de tudo isso demonstrará que, a partir do que disse o Deputado Luiz Antonio Fleury, passando pelo Prof. Pinguelli Rosa, e pelos outros companheiros, houve uma crônica da morte anunciada. O racionamento, a crise toda tem uma história, todo um projeto de tragédia que vem de há muito tempo.
Em maio de 1995, pelo Decreto nº 1.481, o Governo Federal incluiu as geradoras estatais, os grande sistemas hidrelétricos, no programa de privatização. Em 1996, surgiu o Ilumina não para ser contra ou a favor, mas para discutir. Ontem, o Prof. Pinguelli Rosa e eu participamos de um seminário no Rio, e foi citado um livro novo de Celso Furtado que é maravilhoso. Ele chama a atenção para o fato de que a busca de um novo modelo é um convite ao debate sobre o futuro do País. Então, o Ilumina, em 1996, se propôs a começar debater o futuro da energia no Brasil.
Foi dito aqui que energia não é chuchu. Se quisermos tratá-la como commodity, é um commodity especial. Quando eu não tenho chuchu, como cenoura; se não tenho cenoura, como alface; mas o similar da energia elétrica é a vela. Ou há energia elétrica ou temos que usar vela para não ficar no escuro. Essa é a característica fundamental da energia, fora o fato de não ser estocável etc.
Então, em 1996, surgiu o Ilumina. Só agora estamos reaprendendo a cidadania, cuja trajetória foi interrompida em 1964, e o fato de sobreviver 6 anos já é uma vitória extraordinária do Ilumina.
Naquela ocasião, a CHESF fez uma proposta, como empresa, para o Governo Federal - estou aqui como representante da Ilumina - sobre o Nordeste, que vamos ver que era algo muito simples.
Cerca de 95% da energia produzida no Nordeste vem dessa cascata de usinas. É um rio só, não tem a complexidade do Centro-Sul, do Sudeste, onde há diferentes sistemas, diferentes empresas, como a CEMIG, CESP, Furnas, COPEL. No Nordeste a coisa é muito simples: é um conjunto de usinas que começa em Sobradinho, passa por Itaparica, Moxotó, até o complexo de usinas de Paulo Afonso e Xingó. Ali há uma capacidade de produção de 50 milhões de megawatts/hora anuais, que é mais ou menos o consumo atual do Nordeste, se fosse operado corretamente, coisa que não aconteceu.
Em 1996, a CHESF produziu um estudo, quando se falou que começou a Coopers&Lybrand, e aqui está dito:
"A partir do ano 2000, é preciso agregar novas
fontes de geração para suprir o mercado. As opções disponíveis passam por
importação da energia de outras regiões, implantação de parque térmico local,
e, em menor escala, uso de fontes alternativas de energia. "
Então, foi
dado em 1996 o alerta de que, a partir de 2000, seriam necessárias novas fontes
de energia para o Nordeste.Finalmente, também sobre esse aspecto, no ano 2000, imediatamente após concluído o período úmido, em junho de 2000 o Ilumina já dizia que a crise que se estava anunciando seria dita pelo Governo como resultante do insucesso do programa de privatização, em face de forças obscurantistas que teriam se oposto à privatização. Dizíamos que não haveria um quilowatt/hora a mais agregado ao sistema se tivesse havido privatização. O que houve foi incompetência, imprudência, irresponsabilidade, não providenciando a ampliação. Isso foi dito e publicado nos jornais em junho de 2000.
A crise veio no período úmido, de novembro de 2000 a abril de 2001, dizendo-se que não foi tão bom quanto se esperava. Essa crise foi totalmente anunciada.
Vem agora o fato de que é absolutamente irreal se estar pagando uma multa pelo exercício de cidadania que toda a população brasileira fez de não consumir energia. Quer dizer, a energia que o Brasil não consumiu os consumidores estão sendo obrigados a pagar. Essa é uma questão importantíssima, que faço muita questão de ressaltar em todos os pronunciamentos, e não tenho ouvido muitas referências a ela. Acredito que estamos aqui para dar subsídio a fim de se saber o que se faz em defesa da sociedade, em defesa dos brasileiros.
Ao longo do ano de 1999, a ANEEL preparou contratos a serem assinados entre as geradoras e as distribuidoras, contratos esses que deveriam regular o fornecimento de energia. O § 3º de uma cláusula - que varia entre a sétima, oitava e nona em cada contrato, estou aqui com um contrato entre a CHESF e a CELPE - diz claramente o seguinte:
"Os faturamentos integrais relativos à compra de
energia e demanda pela compradora referem-se a períodos normais de
fornecimento, podendo não vigorar nos períodos de racionamento, durante os
quais deverá ser observado o disposto no Decreto nº 93.901, de 9 de janeiro de
1987, ou legislação que venha a substituí-lo ou complementá-lo".
O que
aconteceu foi que, no mesmo dia em que foi assinada a Medida Provisória nº
2.148, que criou a Câmara de Gestão, foi emitido um decreto tratando da
economia de energia em repartições públicas e outros órgãos. Perdido em um dos
artigos desse decreto, havia um dispositivo que revogava o Decreto nº 93.901. A
salvaguarda que a sociedade tinha para dizer que cabia ao Ministério de Minas e
Energia definir o regime de faturamento relativo à energia e demanda entre a
vendedora e a compradora foi eliminada no dia em que o Governo reconheceu que
haveria crise. Ou seja, a salvaguarda que a sociedade tinha para esses casos,
que era um decreto de Aureliano Chaves, de janeiro de 1987, antecedendo o
início de uma crise de racionamento, no mesmo dia em que o Governo terminou por
reconhecer que havia uma crise, ele revogou esse decreto, deixando para as
distribuidoras absoluta liberdade de se apoiarem no tal do Anexo V.Isso, até hoje - deve ser uma deficiência nossa - não consigo entender. Partimos da posição de se ter uma salvaguarda e começou um jogo já a favor da concessionária.
Algum tempo atrás, uma cunhada minha foi roubada por um trombadinha, e quando falei com ela, estava extremamente contente. Perguntei como ela, tendo sido roubada, estava tão contente? Ela tinha passado no banco, tirado 3 ou 4 mil reais, e colocado no bolso da calça. O trombadinha chegou e levou a bolsa dela, onde só havia batom e uns cinqüenta ou cem reais. Então, ela estava felicíssima por ter sido roubada só em alguns poucos reais quando no bolso da calça tinha alguns milhares de reais.
Temos uma coisa semelhante no Relatório nº 2 do Comitê de Revitalização, onde é dito que as distribuidoras pediram 10,7 bilhões, e estamos estimando passar 4,6 bilhões para elas. Ou seja, elas não teriam direito a nada se o decreto de Aureliano estivesse vigorando, ou pelo menos o Brasil partiria de uma posição de superioridade, dizendo que estava previsto no acordo que eles assinaram que, em termos de racionamento, é excepcional o tratamento. Mas não, eliminou-se aquilo e eles passaram a exigir 10,7 bilhões. Depois, dizem: "Olha como sou inteligente; não vou pagar 10,7 bilhões, só vou pagar 4,6 bilhões de compensação".
Essa é a história mais esquisita que conheço, e gostaria de deixar aqui com o companheiro que comanda a Mesa. Vou deixar essas coisas todas, até porque tenho um cuidado muito grande, desde alguns anos atrás, quando houve aquele assunto do Ricupero. Falamos sempre do postulado de Ricupero, que é quando se diz para o público o que é bom e se esconde o que é ruim. Não gosto de fazer isso; gosto de analisar todos os dados. Então, tudo o que estou dizendo aqui está em documentos que serão passados para vocês.
Por outro lado, naquele mesmo junho de 2000, dizíamos que se o Nordeste tiver 1200 megawatts à disposição - porque imaginávamos 400 em Fortaleza, 400 em Recife, 400 em Salvador -, não haveria nenhuma ameaça, por pior que fosse o ciclo hidrológico. O que aconteceu?
A idéia do Ilumina Nordeste é que as idéias do Prof. Ildo sejam colocadas num documento e que todos nós assinemos para que todos sejamos processados. Fica de novo a sugestão.
Então, vejam o seguinte: na ocasião em que os contratos foram assinados, estava demonstrado que não havia a necessidade de contratar energia emergencial. Todos que estão aqui certamente lêem revistas semanais, e devem ter visto que foi inaugurado uma térmica em Fortaleza. Todos se lembram de que a esposa do empresário aparece na fotografia tomando algumas providências para defender o patrimônio. (Risos.) Foram 270 megawatts, de uma primeira etapa de 400. A CHESF já vai inaugurar no fim do ano em Camaçari e, em 2003, em Bongi. Então, sabe-se que não se precisa de energia emergencial.
Peguei cinco exemplos: o que o Brasil está gastando para ter a honra de hospedar algumas energias emergenciais? Não se trata de um quilowatt/hora gerado; isso é só para manter de sobreaviso, é só para chegar com a usina, abrir a madeira da embalagem e, daqui a dois ou três anos, fechar a embalagem. Não se trata de gerar um quilowatt/hora.
Vamos pegar um exemplo. Em Minas Gerais, a HRG Energy Limited vai instalar uma usina de 192 megawatts, que deverá estar disponível no dia 1º de julho de 2002 e que vai embora no dia 31 de dezembro de 2005 - portanto, são 42 meses de disponibilidade. O Brasil vai pagar 325 milhões, 638 mil e 340 dólares para ter o prazer de hospedar essa usina, e depois o proprietário a leva para onde quiser.
No meu Estado, Pernambuco, a Termocabo é uma potência de 48 megawatts, também vai ficar disponível até 2005, e por ela vamos pagar US$ 2.548,70 por quilowatt disponível, que é mais do que o dobro de uma usina hidrelétrica. No caso dessa usina, em dezembro de 2005, o dono também leva de volta, não vai gerar um quilowatt/hora, e recebeu 122 milhões, 337 mil e 892 dólares por ter colocado isso parado lá.
Na Bahia, o valor é menor, mas também vai se desmobilizar mais cedo. Vai-se instalar uma usina entre junho e dezembro de 2004, e o dono vai receber 255 milhões de dólares.
Ou seja, por essas cinco usinazinhas, pelo prazer, pela honra de hospedar usinas - vejam que não haverá nem um quilowatt/hora gerado aí, os custos são adicionais - o Brasil vai gastar 1 bilhão de dólares. E repito - por uma questão de honra, terei muito prazer de estar ao lado do Prof. Ildo quando processado -, no instante em que esses contratos foram assinados, estava demonstrado que não era necessário. TTodos sabemos que, na compra de um carro ou um apartamento, enquanto não se assinar a escritura ou passar o cheque para efetivação da compra, poderá de última hora haver desistência do negócio. Autoridades do setor declararam que, naquele caso, já havia um compromisso; não havia. Na verdade, estavam apenas na fase de entendimentos. Antes de assinar o contrato, poderiam optar por fazer ou não aquele negócio. No máximo levariam uma bronca.
(Não identificado) - Mas existe a palavra.
O SR. JOÃO PAULO MARANHÃO DE AGUIAR - A palavra? (Risos.) V.Sa., se pedir a um vendedor um par de sapatos para experimentá-los, mesmo que eles apertem todos os seus dedos, deve sentir-se na obrigação de comprá-los e levá-los simplesmente para manter sua palavra? Mesmo que passe a mancar o resto da vida, deve comprar aquele sapato apertado apenas para honrar sua palavra? (Risos.)
Expliquei de forma extremamente rápida a situação da energia emergencial e do tarifaço, ao meu ver absolutamente desnecessário. Alertou-se com extrema antecedência para a necessidade de se ter uma nova fonte de energia. E ela apareceu em Fortaleza, naquelas usinas térmicas das CHESF, a exemplo das que já existem no Sul do País. Então, teria sido perfeitamente possível abortar a operação. Só falta dizerem que o piloto, se no momento da decolagem de sua aeronave perceber uma pane na turbina, deve decolar assim mesmo para manter a palavra. Nesse caso, só espero não estar nesse avião.
Sobre a cisão - e volto novamente a me referir ao postulado de Ricupero -, farei algumas considerações. Tudo que existe sobre cisão de empresas está contido nessas 22 páginas, assim divididas: 12 páginas para a Exposição de Motivos do BNDES; 8 para as cópias das transparências apresentadas na Presidência da República no dia 8 de janeiro de 2002.
Em dezembro de 2001, o BNDES produziu um relatório de 12 páginas tratando da cisão de Furnas, conforme bem demonstrado pelos companheiros Maurício e Roberto. Vale ressaltar que a cisão de Furnas é a separação entre a empresa de transmissão e a de geração. Quanto à separação contábil, nós já a praticamos há anos. O Dr. Maurício Tolmasquim confirmou que é possível saber perfeitamente qual foi o prejuízo de Furnas com a transmissão, assim como qual foi o lucro mínimo e o lucro máximo da CHESF.
Sobre essa separação contábil, nós que temos uma carreira e uma empresa a preservar sabemos que em certo instante há custeio, investimento etc. Durante quase dez anos consegui manter na CHESF um centro de custos correspondente à inserção regional. Tudo que fazemos hoje para atender à obrigação constitucional da função social da empresa está no centro de custos. Este ano, por exemplo, comunicamos ao setor financeiro que gastamos R$ 587.462,20 em inserção social ou regional. A operação é simplíssima.
Mas, voltando àquele documento de doze páginas - e a Exposição de Motivos apresentada na Presidência da República é praticamente igual -, há ali apenas uma repetição de frases. Não existe qualquer fundamento nas argumentações. Uma das razões apresentadas para a cisão da CHESF foi a de que o adequado e eficaz gerenciamento de recursos hídricos da Bacia do São Francisco se torna vital, uma vez que as afluências dos rios dependem dos níveis de precipitação pluviométrica. E ainda se explica, para nós, ignorantes e "neobobos", que precipitações pluviométricas são "chuvas", entre aspas, e que elas não podem ser previstas com precisão, além de variarem razoavelmente de um ano para outro. Numa das argumentações mais importantes, justifica-se a cisão da CHESF afirmando-se que o rio é formado pela água da chuva, que varia periodicamente, até mesmo de ano para ano. (Risos.) O Deputado Clementino Coelho, originário daquela região, sabe como sofre o sertanejo. Há ano que chove muito, há ano que não chove nada, e assim sucessivamente. Enfim, é uma justificativa.
No caso específico da CHESF, apresentarei novamente aquela transparência do São Francisco. A CHESF serve como exemplo bem didático. Como disse anteriormente, 95% vêm daquele pedaço de rio, do Km 800, em Sobradinho, pertinho de Petrolina e Juazeiro, até o Km 200, em Xingó. Hoje, 95% da energia do Nordeste vêm basicamente de Sobradinho, Itaparica, Moxotó, PA-I, PA-II, PA-III, PA-IV, Xingó - um conjunto de usinas que somam 10.200.000 quilowatts, ou 10.200 megawatts.
Em 1998, houve uma tentativa de cisão que motivou um esforço muito grande da sociedade, principalmente dos sindicatos e das organizações de classe. Às vésperas de a CHESF ser cindida para ser privatizada, o então Prefeito de Recife, Roberto Magalhães, pronunciou-se sobre a insanidade dos responsáveis pela venda da CHESF, que significaria a privatização da água do São Francisco. Pela primeira vez o Governo, juntamente com os gestores, começou a pensar nos múltiplos usos da água. Foram extremamente inteligentes, porque embrulharam todo um ardil com três embalagens de excelente qualidade. E em 8 de janeiro o Governo Federal anunciou que não mais haveria a privatização da CHESF, e que aproveitaria, sim, seu conhecimento para colocá-la como gestora dos recursos hídricos e responsável pela ampliação da infra-estrutura hídrica. Anunciou também a utilização de toda a renda originária da geração para ampliação da infra-estrutura hídrica da usina.
Um companheiro nosso, do Ilumina, lembrou que Alexandre, o Grande, rei da Macedônia, dizia que nenhuma cidade resistiria a um burro carregado de ouro. Realmente, o Governo foi extremamente inteligente ao elaborar seu ardil para efetivar a cisão. Anunciou à sociedade nordestina, depois de haver feito levantamentos e pesquisas de opinião e confirmar que mais de 80% daquela população estava contra a privatização da CHESF, que não ia mais privatizar a empresa e que usaria sua competência para transformá-la em gestora da água e ampliar a infra-estrutura hídrica, além de usar os recursos gerados para produção de energia elétrica em reaplicação. Há vários nordestinos aqui que podem confirmar o que digo. Ninguém, tenho certeza, dirá o contrário.
Posteriormente, o Ilumina/NE anunciou que precisaria analisar com muito cuidado aquele documento, sob pena de estarmos adotando a postura do anarquista espanhol: "Hay gobierno, soy contra". Ou seja, não aceitaríamos aquilo só porque o Governo propôs. Tratava-se de uma proposta extraordinária.
E os dias começaram a correr.
Já ultrapassei em quase cinco minutos meu tempo. Na tentativa de respeitar o tempo de V.Exas., concluirei em cinco minutos.
A sociedade, por intermédio do Ilumina/NE, ou da própria empresa CHESF, responsável por uma série de tarefas, começou a querer saber o que o Governo Federal e os gestores do processo desejavam de nós. Primeiro, há uma grande quantidade de atores envolvidos: o DNOCS, a CODEVASF, a ANA, o Ministério dos Transportes. Então, o que o Governo Federal desejava da CHESF, em relação a desenvolvimento hídrico? Que a CHESF construísse poços artesianos, como vimos nas transparências apresentadas na sala do Presidente da República no dia 8 de agosto? Que ela fosse responsável pelos poços artesianos, pelos esgotos, pelo derrocamento, pela dragagem, pela canalização, desmoralizando-se em seis meses? Ou, finalmente, que fizesse estudos, planejamento, financiamentos e fiscalização desses financiamentos?
Senhoras e senhores, amanhã completamos quatro meses. Há pessoas, não sei se com medo de perderem o emprego ou obcecadas por determinadas ordens, sargentões do Exército, ou pessoas ligadas à direção de empresas, como a ELETROBRAS, entre outras, que recomendam à CHESF que não defina nada, mas tão-somente que se faça uma caixinha para o desenvolvimento hídrico. Depois, tudo se resolverá. Na realidade, o Governo não sabe o que quer. No momento, o mais importante é a cisão. Foi dito aqui, se não me engano pelo Prof. Luís Pinguelli Rosa, que existem determinações externas para realizá-la de qualquer jeito.
O Governo pretende obter de qualquer jeito - embora isso tenha sido "apagado" aqui - duas empresas de geração. A primeira delas vai de Paulo Afonso para atrás, deixando Xingó livre para, em 2 de janeiro de 2003, anunciar a privatização. Serão 3 mil megawatts para privatizar, ou seja, 18 milhões de megawatts/horas.
No ano passado a CHESF deu lucro, pois vendeu energia a 16 dólares e 50 centavos. O que se pretende é elevar esse lucro para aproximadamente 45 dólares. Quem comprar esse ativo terá ganho significativo, semelhante ao de uma loteria.
Apenas mais duas observações: Furnas é uma empresa de geração e de transmissão. Prevê-se futuramente uma possível pulverização de ações. A ELETRONORTE também é uma empresa de geração e de transmissão. No caso da ELETRONORTE, os sistemas de Acre e Rondônia ficam isolados dentro da empresa de transmissão, o que já é absolutamente contra o dogma dessas pessoas. Está claramente indicada, no documento do BNDES, a restruturação das companhias ELETROBRAS, CHESF e ELETRONORTE. Para a ELETRONORTE, a proposta é a cisão parcial, com a criação da transmissão, para segregar os ativos, e dos sistemas eletroisolados do Acre e Rondônia. Quer dizer, improvisa-se tanto que para a ELETRONORTE está prevista a criação de uma empresa de transmissão, mas permanecem os ativos de geração do sistema isolado de Acre e Rondônia.
Quando o BNDES concluiu esse trabalho, declarou, absurdamente, que não haveria problema de água com a criação da CHESF-Água, , . Seria, sim, uma maneira de gerenciar pressões locais, como o Projeto Nilo Coelho e outros, quanto ao uso dos reservatórios, apesar de o futuro operador ser um mero executor da regulação desses reservatórios, seguindo instruções da ONS, medida que contraria a lei, porque quem deve definir o destino da água é a ANA; acima dela está o Conselho Nacional de Recursos Hídricos, autoridade maior, que executa a política nacional de águas. O Governo resolveu cindir a CHESF em duas e definiu que um trecho do São Francisco ficará sob gestão da empresa.
Vale lembrar que o Governo já foi contra a Lei nº 9.433, uma das melhores legislações elaboradas por este Parlamento, que determina que a unidade de planejamento é a bacia hidrográfica, que, por sua vez, é indissolúvel. Para aprimorar seu projeto, o Governo simplesmente anunciou que a bacia do São Francisco será dividida em duas - uma medida que, como se vê, vai contra a lei.
Lembro mais uma situação ocorrida no BNDES que vale a pena citar, e ninguém pode dizer que essa história não ocorreu, porque eu participei dela. Em 1998 a CHESF tinha uma pendência judicial com a Construtora Mendes Júnior. O BNDES enviou representantes a Recife para que analisassem em profundidade aquele processo. Como eu conhecia mais profundamente a situação, fui encarregado para tanto. Durante aquele período recebi várias informações a respeito daquela ação judicial. Eu, pessoalmente, imaginava que estivesse agindo do lado do bem, mas na verdade estava do lado do mal. De posse dessas informações, o BNDES fez uma triangulação com a Mendes Júnior e a Belgo Mineira. A Mendes Júnior passou o hipotético direito às mãos da Belgo Mineira, que pegou os papéis podres, e o BNDES pagou à Belgo Mineira 350 milhões de dólares, a preços daquela época, para ficar com aqueles papéis podres. Tomamos conhecimento dessa negociação agora, em dezembro de 2001, quando, em função da burocracia do BNDES, a CHESF foi incluída no SERASA dos bancos. Quando a CHESF foi procurar suporte bancário para negociar com Camaçari e Bonji, constatou que não poderia realizar a operação porque estava inscrita no cadastro de inadimplentes. Ou seja, o BNDES, órgão do Governo, tornou-se contendor da CHESF porque comprou papéis podres da Mendes Júnior para que fosse possível dar dinheiro bom à Belgo Mineira.
Recentemente, o BNDES disse que precisa ter notícia de outra pendência da CHESF contra empreiteiros. Senti-me na obrigação, respeitando o Código de Ética, de alertar os colegas. Tenham cuidado, porque em 1998 eu fui usado. Vocês podem estar passando informações privilegiadas. Por isso, precisam saber que tipo de negociação se pretende fazer com essas informações. Será que a intenção é entregar dinheiro bom, a título de pretensos direitos, para depois entrar na Justiça como contendores da CHESF? Trata-se de questão gravíssima. Estamos aqui para discutir o que podemos fazer para defender a sociedade.
Evidentemente poderia passar a tarde inteira falando, mas já fui alertado de que ultrapassei os vinte minutos a mim concedidos.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Luiz Pinguelli Rosa) - Senhoras e senhores, completamos agora nosso ciclo de debates. Creio que todos já fizeram suas intervenções, mas ainda nos resta algum tempo para manifestações do plenário.
Convido os Srs. Deputados a fazerem parte da Mesa .
Senhoras e senhores, o que ouvimos aqui é estarrecedor. Na presença do Ouvidor da Câmara, gostaria de propor que a partir de agora, e logo mais à tarde - naturalmente, o fim da tarde será destinado a isso -, usemos o impressionante material que nos foi apresentado. Não sei se é o termo adequado, mas considero que esse material é prova da ação de uma quadrilha que, em favor do interesse privado, insere em um instrumento legal algo que nada tem a ver com esse determinado assunto, algo que anula esse instrumento legal. É um escândalo! Quando se examina um documento, seja o Congresso, seja a Justiça, seja o cidadão interessado, guia-se pelo título. Não me parece da boa prática legislativa introduzir em um documento assuntos que nada tenham a ver com o título. É uma forma de ludibriar a boa-fé de quem examina ou de quem vota a matéria.
Vamos votar uma lei sobre de energia elétrica, e nessa lei vamos, por exemplo, tratar do tráfico de drogas, ou da prisão dos bandidos? Vamos agora dizer que a energia elétrica deixa de ser assim e passa a ser assado no meio da discussão de outro assunto?
Usei aqui a palavra "insanidade". Algumas coisas que discutimos, que dissemos e ouvimos, colocam-nos na entristecida situação de insanos neste País, ou na suspeita de que há algo por trás disso - também é uma suspeição aqui presente -, que esse processo todo é presidido por uma lógica maior. Ou seja, o Governo brasileiro assumiu um compromisso internacional secreto que não confessa à população e que, portanto, parece ilegal.
Não sei se existe autorização para o Poder Executivo assumir tais compromissos, mas ele os segue à risca e beneficia com infra-estrutura o investidor estrangeiro na área para a qual foi atraído. O que foi dito aqui em termos de proteção às empresas elétricas só pode ser entendido a partir dessa lógica, ou de alguma outra que não o bom senso, não o serviço público, não a meta de bem administrar o setor elétrico.
Vamos passar a palavra ao Plenário para perguntas aos expositores ou para que alguma contribuição possa ser dada ao debate.
(Intervenção inaudível.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Antonio Fleury) - Deputado Clementino Coelho, solicito a V.Exa. que utilize o microfone para fins de registro, já que depois enviaremos cópia da fita a quem desejar.
O SR. DEPUTADO CLEMENTINO COELHO - Ouvi atentamente a palestra do Sr. João Paulo Aguiar, uma das pessoas que mais me aconselham. Sempre o consulto. Sou membro da Comissão de Minas e Energia e fiz parte da Comissão Mista. S.Sa. é a pessoa que procuro para esclarecer dúvidas e posicionamentos. Considero-o uma das pessoas mais capacitadas no Nordeste sobre o tema energia. Sinto-me bastante seguro depois que o ouço.
Esse aspecto aqui discutido, de que o Ilumina, de que os acadêmicos, enfim, de que os próprios gerentes do sistema energético do Brasil chamaram a atenção para o fato de que não haveria necessidade do programa emergencial tem de ir às últimas conseqüências. Se havia toda essa evidência, toda essa segurança da não-necessidade de um projeto que ultrapassa o desperdício e beira o conluio, temos de ir ao fundo, utilizando todos os instrumentos disponíveis à sociedade e ao Congresso para defender a Nação e a própria sociedade de atos dessa natureza.
João Paulo chamou a atenção para a situação do Nordeste, sobretudo no semi-árido. Nesse ponto o Governo é muito ardiloso. A maioria das emergenciais estão no Nordeste. Ele é ardiloso, porque o que nos preocupa no Nordeste e no semi-árido não é falta de energia, como acontece no resto do País; o que nos preocupa é a falta d'água para promover nosso desenvolvimento sustentado.
Todo o desenvolvimento sustentado de 22 milhões de brasileiros, naquele um milhão de quilômetros quadrados que é a plataforma do semi-árido tropical, depende da água e do manuseio inteligente dos recursos hídricos do Rio São Francisco. A vida toda, a sociedade do semi-árido tem sido ameaçada pelo conflito energia versus irrigação, e o elemento que propicia tanto a energia elétrica como a irrigação é a água. Toda vez em que se fala em colapso energético, está-se falando em colapso do desenvolvimento sustentado, cujos pilares são a irrigação, a geração de divisas e de empregos, a distribuição de renda e a agricultura competitiva. Nenhum outro país do mundo poderia competir conosco se irrigássemos um ou dois milhões de hectares, se tivéssemos água disponível. Portanto, o Governo é ardiloso, porque joga com esse sentimento.
Repito: a única maneira de desenvolver o semi-árido brasileiro - que abrange 1.150 Municípios em um milhão de quilômetros quadrados - é justamente termos água disponível. Talvez isso justifique a passividade de alguns Parlamentares, ou da maioria dos Parlamentares do Nordeste, quanto a essas evidências de que não haveria necessidade do programa emergencial. Faço essa ponderação até porque temos que ir ao fundo dessa questão.
Um outro aspecto: independentemente da tentativa de responsabilização criminal e judicial, há um outro argumento que poderá causar reação mais rápida da sociedade. No ano passado, depois de diversos debates e audiências com acadêmicos na Comissão de Minas e Energia, no fórum da Comissão Mista e na imprensa, ficou claro que a sociedade como um todo penaliza o consumidor residencial. Foi demonstrado que o consumidor residencial de São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador paga pela energia muito mais do que uma pessoa que more em Paris, Londres e Nova York. Por que isso é duas vezes absurdo? Ora, a renda per capita no exterior é três, cinco, dez vezes maior do que a nossa! Pior: a matriz energética deles é muito mais onerosa. Temos uma matriz hidroelétrica, mais barata.
Repito: ficou claro que quem está bancando todo o subsídio à indústria é o consumidor residencial, que responde por 28% do consumo e paga quase 50% do que se arrecada.
Ficou claro também para o Congresso e para a sociedade que no Brasil as indústrias, sobretudo as eletrointensivas, detêm os maiores subsídios do mundo. Não se encontra preço garantido por 10, 15, 20, 25 anos a essas empresas. E são todas multinacionais. Já foi dito que alguns países chegaram a fechar suas fábricas de alumínio e trouxeram-nas para o Brasil - como, por exemplo, Japão e Canadá - atrás dos subsídios.
Além disso, ficou claro que existe desequilíbrio entre a tarifa residencial e a seletiva das eletrointensivas.
Pergunto então: qual o papel de qualquer Governo? Distribuir os recursos dentro de uma sociedade.
Para amenizar a proposta, apresentamos um destaque ao Plenário quando da votação da MP nº 14. Infelizmente, o Relator sequer respondeu. Eu pedi nominalmente que S.Exa. me desse uma explicação. Perdemos. Propusemos que, se tem de haver compensação, seja ela tirada das eletrointensivas. Em vez de aumentarmos em 8% as tarifas das eletrointensivas, aumentemos 10%, 11%, e liberaremos o consumidor residencial e o setor agrícola.
As indústrias eletrointensivas são altamente subsidiadas. Primeiro, na tarifa recebem tratamento privilegiado; segundo, trata-se de um setor que pode incorporar tecnologia, ganho de produtividade. É o que tem acontecido nesses últimos dez anos com a revolução tecnológica. Estão reincorporando vantagens que não são repassadas como benefícios para a sociedade ou para os setores produtivos em cadeia. Vão é para o bolso de alguns. São dividendos que estão indo para o exterior. Acho que poderíamos retirar esse ônus da sociedade justamente transferindo a tarifação. Tenho certeza de que esse impacto de mais dois ou três pontos percentuais para as eletrointensivas não precisa ser repassado ao preço dos produtos, porque, como disse, elas têm ganhos de produtividade e de incorporação de tecnologia. Não podemos, então, fazer um aditivo ao contrato, ao que está aprovado?
Houve mais absurdos ainda. Elementos da base do Governo tentaram privilegiar ainda mais os eletrointensivos: a tarifa, em vez de ser fixada em 7,8%, ficou em 2,8%. Isso não foi vetado? Recebi a informação de que havia sido vetado pelo Presidente. Não foi? Foi vetado.
Mais ainda: as economias dessas eletrointensivas poderiam ser vendidas a preço de mercado. Quer dizer, receberam energia subsidiada e vão economizar, por conta de incorporação tecnológica; receberam um benefício e, no lugar de devolvê-lo à Nação, querem vendê-lo a preço de mercado! Prova disso é a possibilidade de absorver o impacto que cairia sobre o residencial. Poderíamos brigar, aqui. O desdobramento jurídico e criminal vai demandar tempo, mas esse outro não. Basta negociar, porque se trata de bom senso. Eles mesmos admitem isso. Se na hora de vender podem economizar - leia-se: economia não é racionamento; é ganho de produtividade -, como já existe tarifa subsidiada, que devolvam esse ganho à sociedade, ou então incorporem esse aumento que se quer cobrar do consumidor residencial ou da agricultura.
Era o que tinha a dizer. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Antonio Fleury) - Com a palavra o Sr. Fernando Siqueira, Presidente da Associação dos Engenheiros da PETROBRAS, nosso companheiro na apuração da P-36.
O SR. FERNANDO SIQUEIRA - Gostaria de fazer uma pergunta ao Sr. Tolmasquim. Estive comentando com o Deputado Luiz Antonio Fleury as estarrecedoras informações apresentadas por pessoas altamente confiáveis. Elas só encontram paralelo na forma de atuação do Governo em relação à PETROBRAS.
Dr. Tolmasquim, minha pergunta é sobre a rentabilidade da geração e da distribuição. A meu ver, essa relação situa-se entre quatro e cinco dólares por megawatts/hora. Furnas vende por 18. Portanto, para mim trata-se de um ganho mais alto do que foi mostrado, a não ser que se tenha mostrado uma situação muito desfavorável. O fato é que as distribuidoras compram por 18 e revendem para o consumidor por mais de 100 dólares; para a indústria, fica em torno de 70 dólares o megawatt/hora. Nesses termos, o lucro é fantástico. Como o Governo tem a cara-de-pau de dizer que tem de ressarcir essas distribuidoras?
Gostaria que esse ganho absurdo das distribuidoras fosse bem ressaltado, porque a população brasileira investiu no sistema de relação e, ao invés de estar desfrutando desse investimento com uma tarifa mais baixa, está repassando esse lucro fantástico para as distribuidoras, e ainda arcando com um tarifaço. Quer dizer, a sociedade precisa estar bem esclarecida sobre o que está acontecendo.
O SR. MAURÍCIO TIOMNO TOLMASQUIM - V.Sa. tocou um ponto importante. Veja bem, quando foi feita a privatização, começou-se pela distribuição. Para tornar atrativa a privatização da distribuição, aumentou-se a tarifa para a distribuidora, de tal maneira que, em todo o mundo, no valor total da tarifa, 60% vão normalmente para geração e transmissão, e 40% para distribuição. No Brasil acontece justamente o contrário: 60% vão para distribuição e 40% para geração e transmissão.
Temos um sistema tarifário em que o grosso da remuneração da tarifa vai para distribuidores. Daí inclusive a dificuldade, mantendo-se essa proporção de ganhos, porque qualquer aumento na transmissão causa grandes impactos para o consumidor.
Gostaria de aproveitar este momento para dar uma informação que me chegou agora. Não sei se é verdadeira, mas estou bastante preocupado e estarrecido. As distribuidoras estavam recolhendo essa sobretaxa que estamos pagando, mas não a repassava para o Governo. Parece a ANEEL que vai parcelar e dar mais tempo às distribuidoras para repassar essa sobretaxa.
É um verdadeiro escândalo! Elas estão ficando com o dinheiro. Fazem caixa, aplicam e não repassam para o Tesouro, para o Governo, como deveriam. Pedi até que confirmassem se a informação é verdadeira. É verdade? Estão dando um sinal de que é verdade. É de estarrecer! Pensei que o Governo diria: "Não, vocês têm de pagar agora, porque esse dinheiro não é seu". Mas, além de parcelar, ele diz: "Vocês podem ficar com o dinheiro; tomem conta dele um pouco, porque no momento não preciso". Deram mais tempo!
É informação oficial: a ANEEL aumentou para quinze dias o prazo para o repasse do seguro-apagão, que antes era de três dias. Estamos falando de 100 milhões de reais mensais que elas podem ganhar. Podemos fazer a conta, considerando que aplicam esses recursos no mercado financeiro, com juros, e veremos quanto estão ganhando. Realmente, é um escândalo!
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Antonio Fleury) - Dr. Maurício, na sessão da tarde, o Deputado Fernando Ferro estará presidindo os trabalhos. Vou pedir a S.Sa., porque estarei presidindo a CPI do BANESPA, a partir das 14h, quando vamos ouvir o Diretor de Fiscalização do Banco Central sobre o preço e a forma de avaliação do banco, que faça a gentileza de sugerir, em relação a essa portaria da ANEEL, a elaboração de um projeto de decreto legislativo - porque se trata de caso típico de decreto legislativo - para sustar os efeitos dessa medida e para que o repasse seja feito de imediato.
Dentre as conclusões, poderemos aprovar a elaboração de um projeto de decreto legislativo que revogue essa decisão da agência reguladora, que contraria, evidentemente, os interesses do povo brasileiro. Aproveito esta oportunidade para apresentar essa sugestão.
O SR. MAURÍCIO TIOMNO TOLMASQUIM - Acho que respondi ao Sr. Siqueira. Realmente, o filet mignon da tarifa vai para as distribuidoras, como S.Sa. bem apontou.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Antonio Fleury) - Com a palavra o próximo inscrito, por favor. Peço que, por gentileza, use o microfone e se identifique para fins de gravação.
O SR. OLÍMPIO DA VINCENZO - Penso que o Sr. Pinguelli tem razão. Estamos diante de uma quadrilha, uma máfia que, parece, foi montada para saquear o povo brasileiro. Não há outra explicação. É de estarrecer.
Peço-lhe desculpas, Deputado, porque V.Exa. é da base do Governo. Meu descontentamento não é com V.Exa.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Antonio Fleury) - Sou independente. Votei contra a MP nº 14, e os Deputados desta Comissão sabem disso. (Palmas.) No final desta reunião, vou prestar um esclarecimento mais amplo. Inclusive discuti com o Ministro Pedro Parente o conteúdo dessa medida provisória. Inicialmente o PTB havia votado contra, depois liberou a votação. Eu defendi o voto contrário. Depois vou esclarecer como foi a discussão, porque seria interessante, historicamente, esse registro. Foi uma discussão trágica, eu diria, mas muito interessante.
O SR. OLÍMPIO DA VINCENZO - É bom saber que existem pessoas que pensam como V.Exa., embora fazendo parte da base governista.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Antonio Fleury) - Não estamos mais no Governo.
O SR. OLÍMPIO DA VINCENZO - Todos esses dados não podem ficar somente entre nós. O povo brasileiro tem de ter clareza do que está ocorrendo. As entidades que estão promovendo este debate têm de fazer um esforço para divulgar esses dados, a fim de criarmos um movimento de salvação deste País. Tenho certeza de que isso não ocorre apenas com o setor elétrico, mas também, como bem lembrou Fernando, com o petróleo, e por aí vai.
A proposta que faço é no sentido de que as entidades que estão promovendo este seminário o divulguem amplamente.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Antonio Fleury) - Pela ordem, concedo a palavra ao próximo inscrito, Sr. Paulo Bubach.
O SR. PAULO BUBACH - Sou Presidente da Federação dos Sindicatos dos Engenheiros. Inicialmente, quero parabenizar o Deputado Luiz Antonio Fleury pela oportunidade que oferece à sociedade brasileira, na Ouvidoria da Câmara, o que não é novidade, tendo em vista que na Comissão de Minas e Energia tivemos condições de participar de eventos semelhantes.
É muito importante ter a oportunidade de debater questões que normalmente são discutidas a portas fechadas. Cabe também o reconhecimento da coragem e da dedicação de pessoas como os nossos dignos palestrantes, sem distinção, que usam sua inteligência, seu saber e sua capacidade para esclarecer a sociedade sobre esses fatos e tirar o véu que encobre essas terríveis armações, feitas, lamentavelmente, contra os interesses da sociedade e em favor de privilégios restritos de grupos que se locupletam dessa situação.
Ficamos, vamos dizer assim, um pouco desorientados sobre o que fazer ou até sobre o que perguntar numa situação como esta, mas penso que temos de registrar, primeiro, a importância que esta Casa e o Congresso Nacional têm, apesar de certas dificuldades, na divulgação de tais fatos. Essa é a única chance de tomarmos conhecimento, de forma mais aberta, do que tem acontecido por aí. Se tivéssemos feito este debate num outro lugar, as informações seriam mais restritas; entretanto, como o debate está sendo realizado nesta Casa, as informações têm oportunidade de circular mais amplamente e de vir ao conhecimento da sociedade.
Apenas faria um comparativo de como as coisas são, lamentavelmente, tratadas pelo Governo. Não desconhecemos a prioridade do Governo em termos de Orçamento público. É público e notório que cerca de 10 bilhões de reais por mês são dedicados ao pagamento dos juros da dívida pública. Parece até que esses números apresentados aqui começam a ficar pequenos, porque estamos tratando de uma armação que envolve cerca de 18 bilhões, ou 20 bilhões de reais, não sei ao certo. Essa armação dos juros já acontece há algum tempo; a sociedade não tem conhecimento claro disso, mas cerca de 10 bilhões de reais por mês são destinados ao pagamento de juros.
A questão tarifária apresentada pelo Prof. Tolmasquim em relação ao setor elétrico - embora Fernando, evidentemente, não tenha abordado isso aqui - já acontece há muito tempo; ou seja, a parte da produção em mãos da PETROBRAS fica com a menor quota, e a parte de distribuição em mãos das multinacionais fica com a maior parcela das tarifas de petróleo.
Até hoje não se esclareceu a privatização do Sistema TELEBRÁS, mas estamos certos de que se trata de uma coisa monstruosa. Para se ter uma idéia, na Vale do Rio Doce só o lucro pós-privatização já foi superior ao preço de venda da companhia. Observamos que é costume criar certos auxílios quando as questões se relacionam com o social, como, por exemplo, o auxílio-gás, que eqüivale a 7 reais ao mês por família. Olhem só que disparidade: 7 reais ao mês por família!
No dia 1º de maio, Dia do Trabalhador, o Ministro do Trabalho, em entrevista, disse, ao ser questionado sobre a possibilidade de aumento do seguro-desemprego - hoje o tempo gasto pelo trabalhador desempregado para conseguir um emprego é de oito a doze meses; antigamente era de quatro meses -, com uma tranqüilidade de fazer inveja, o seguinte: "É impossível fazer isso". E questionamos: "Mas por quê?" Ele respondeu: "Porque o Orçamento deste ano já foi aprovado. Talvez se possa pensar nisso para o próximo ano. Façam essa proposta para o ano que vem, porque o Orçamento deste ano já foi aprovado".
Ao mesmo tempo, vimos o Prof. João Paulo mostrar aqui que decretos são alterados com incrível facilidade e que o Orçamento pode ser mudado na hora em que bem quiserem.
Realmente, não tenho o que perguntar. Fico apenas estarrecido com esta situação, e mais uma vez louvo a coragem e a dedicação das pessoas que se dispõem a trazer essas informações a público e a buscar solução para esses problemas.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Antonio Fleury) - Convido o companheiro Jesus, que sempre estará à frente, para se pronunciar. (Risos.)
O SR. JESUS DIVINO - Sou Diretor dos Urbanitários de Goiás. Estou na mesma situação de Paulo, mas apenas gostaria de acrescentar mais alguns dados.
Quando alguém se referiu a subsídios, lembrei-me da CODEMIL, empresa que nunca foi nacional, mas que dá prejuízo de 1 milhão de reais por mês para a Companhia Energética do Estado de Goiás, só para os senhores terem uma noção. Quando se fala em estarrecimento, fico imaginando o seguinte: roubam de um lado, roubam do outro - e não tenho medo de dizer essas palavras -, mas gostaria de ter a honra e o privilégio de assinar esse documento para ser processado por esse Parente, porque quando eu disse que o rapaz tem palavra é porque os reis não voltam atrás. Estamos falando de príncipes, o príncipe das trevas. Estamos falando de Fernando Henrique Cardoso, outro príncipe. Portanto, a situação é complicada.
Vinha comentando com um colega que é bom visitar o Congresso, porque aqui, além dos ratos, existem os eletrorratos e os eletrossauros, e eu trouxe estas flores para presentear um eletrossauro, o meu companheiro Fernando Ferro. Comprei estas flores pequenas e bonitas para parabenizá-lo, tendo em vista a seriedade de V.Exa.
Quero também dizer o seguinte: está fazendo falta entre nós o jornalista Aloysio Biondi, que esteve nesta Casa no dia 14 de junho de 2000, quando apresentamos a Carta ao Brasil, de que tive a honra e o privilégio de ser signatário, e faleceu logo em seguida. Se existe vida após a morte, o pobre companheiro Aloysio Biondi deve estar dando voltas no túmulo a cada momento destes.
Então, gostaria de homenagear os Deputados Luciano Zica e Fernando Ferro e os companheiros Ildo Sauer, Luiz Pinguelli Rosa e outros mais. Parabéns! Para mim, é um privilégio estar aqui. É brincadeira! O que essa rapaziada rouba não está escrito! Os fundos de pensão, então, viraram assunto da ordem do dia. Do meu fundo de pensão, que tem 230 milhões de reais, sumiram 35 milhões da noite para o dia. O que é pior, eu reclamei, eles mudaram o estatuto de fundo de pensão, e, agora, eu não posso ser candidato. Para ser conselheiro do fundo de pensão, para o qual pago 10% do meu salário todos os meses, eu preciso ter curso superior. Mas, vejam: para ser Presidente neste País não é preciso ter curso superior; para ser Governador de Goiás, por exemplo, também não é preciso, tanto é que o atual Governador de Goiás não o tem.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Antonio Fleury) - Concedo a palavra ao companheiro Martinelli. O próximo a fazer uso da palavra será o Sr. Drumond.
O SR. MAURO MARTINELLI PEREIRA - Em primeiro lugar, parabenizo os companheiros palestrantes pelas excelentes informações que passaram para todos nós. Essas informações são realmente estarrecedoras. Por isso mesmo, não podem ficar entre quatro paredes. Nós temos de levar essas informações para fora. Nós só vamos vencer e parar esse processo de cisão das empresas e de continuidade da privatização, se houver a participação da sociedade como um todo. Por isso quero fazer algumas propostas.
Primeiro, para dar continuidade a este seminário, proponho que façamos uma Comissão Geral na Câmara dos Deputados com os mesmos expositores. Eu sei que para tal é necessário a assinatura, se não me engano, de um terço dos Deputados. Este evento será importante justamente para dar visibilidade à questão.
Outra proposta é que levemos tal questão para as ruas, que façamos um ato público em frente do Congresso, com a participação dos trabalhadores, para denunciar o tarifaço e, principalmente, as conseqüências da cisão das empresas.
Às vezes, eu fico chateado, e quero fazer uma crítica construtiva aos companheiros palestrantes: normalmente falam de FURNAS, da CHESF, mas, poucas vezes, da ELETRONORTE, que atua em uma região que corresponde a quase 60% do território nacional.
Foi ótima a apresentação do Sr. Tolmasquim, que mostrou os dados econômicos e financeiros das empresas que seriam criadas. Gostaria que o mesmo fosse feito para a CHESF e ELETRONORTE, para que nós, do movimento sindical, tivéssemos como atuar com informações e não apenas com discursos.
Para terminar, faço uma pergunta. O Governo queria fazer a cisão das empresas geradoras federais inicialmente no dia 20 de maio. Depois, passou para o dia 20 de junho. Agora, a última informação que nós temos é de que a ELETRONORTE está pronta para fazer a cisão, segundo pessoas ligadas a ela.
Como sempre, são os mais apressados. FURNAS, na reunião do CONSISE, parece que não deu uma resposta no sentido de que estava pronta ou não. A CHESF não estava pronta; somente em setembro. Os senhores sabem qual é a proposta do Governo para estabelecer uma data de cisão? A cisão da ELETROBRÁS, marcada para o dia 15 de maio, está confirmada?
Obrigado. (Palmas.)
O SR. ROBERTO ARAÚJO - Havia um cronograma, que eu não sei se está válido ainda. A data de cisão de FURNAS estava prevista para o dia 20 de junho. Não sei se será mantida.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Antonio Fleury) - Com a palavra o companheiro José Drumond Saraiva.
O SR. JOSÉ DRUMOND SARAIVA - Meu nome é Drumond, sou da Federação Nacional dos Urbanitários. Parabenizo todos os membros da Mesa pela organização deste seminário e os expositores pelo que foi apresentado.
Sei que hoje, no período da tarde, nós teremos oportunidade de formular as nossas propostas, em continuidade ao que foi exposto. Agora, por uma questão de ordem pessoal, eu não poderia deixar de formular uma proposta de imediato. Eu considero extremamente grave a ameaça feita pelo Ministro Pedro Parente ao nosso companheiro e professor da USP, Sr. Ildo Sauer. Esse tipo de atitude não contribui para o aperfeiçoamento das instituições democráticas. Trata-se de uma interferência indevida em uma forma de organização que, a princípio, é independente para o pensamento: a universidade. Todas as organizações e entidades presentes deveriam de alguma forma manifestar o seu repúdio a essa tentativa de intimidação.
Por outro lado, eu gostaria de pedir - aí é uma solicitação especial ao Deputado Luiz Antonio Fleury - que de imediato se comece, no Congresso Nacional, esse mesmo tipo de discussão por algo que será vivido agora, em seguida, que diz respeito ao setor de telecomunicações. Nós estamos diante de um novo processo. O que hoje vemos no setor elétrico acontecerá, em um curto espaço de tempo, no setor de telecomunicações. Então, é urgente que nós nos manifestemos com relação a isso e provoquemos, nesta Casa, um amplo debate sobre o que vai acontecer nos próximos meses.
Espero que hoje tenha sido aprovado, no Senado Federal, requerimento da Senadora Heloísa Helena para a realização de uma audiência pública a fim de discutirmos o processo de cisão das elétricas federais. Esse requerimento ia ser apresentado hoje, para votação, na Comissão de Infra-Estrutura do Senado. Penso, inclusive, que nós deveríamos encaminhar propostas no mesmo sentido na Câmara dos Deputados.
Eram essas as considerações iniciais. Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Antonio Fleury) - Com a palavra o companheiro Barbosa. Depois, já está inscrito o companheiro Maradona.
O SR. LUIZ ANTÔNIO BARBOSA - Eu sou Barbosa, da Intersindical dos Eletricitários do Sul do Brasil, dos quatro Estados dessa Região. Talvez, os primeiros sobre os quais o trator da privatização passou por cima. Lá houve a cisão de uma grande empresa do setor estatal. Tivemos a ELETROSUL, em 1997, cindida; em 1998, privatizada parte da geração. Desde aquela época estamos preocupados, do ponto de vista do geral, com todo esse modelo, principalmente quanto à própria sobrevida da ELETROSUL. O Prof. Tolmasquim falou muito bem hoje sobre essa questão.
A propósito, apresento um encaminhamento solicitando que se faça um estudo sobre a sobrevida da ELETROSUL dentro desse cenário atual de tarifa preestabelecida. No nosso entendimento, ela tem ainda uma sobrevida em função da energia que ela recebe de Itaipu. Mas a nossa preocupação é quanto ao futuro dela, enquanto primeira grande transmissora surgida nesse processo de cisão, que, espero, seja a única e que possamos reverter em um futuro próximo. Assim, a proposição é que se faça um estudo econômico-financeiro e de viabilidade técnica sobre a questão da transmissão.
Também quero fazer uma sugestão. Pouco se fala de todo o processo e das suas conseqüências. Nós temos hoje uma empresa geradora que, por conta de toda essa questão tarifária e do racionamento, teve, no ano passado, um lucro presumido - pelo menos autorizado pela ANEEL - de 580 milhões, enquanto a transmissora obteve 94 milhões, sendo que grande parte da energia que ela está vendendo é oriunda de Itaipu.
Então, é interessante fazer esse paralelo das duas empresas, acompanhar essa seqüência, que vem desde 1997, até para ter subsídio para lutar contra o futuro de FURNAS, ELETRONORTE e CHESF.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Antonio Fleury) - Com a palavra o companheiro Maradona, do Sindicato dos Eletricitários de São Paulo.
O SR. WASHINGTON A. DOS SANTOS MARADONA - Bom dia a todos. Quero cumprimentar, mais uma vez, os organizadores deste seminário. Estamos saindo na frente, fazendo com que muitos ouçam o nosso clamor contra as mazelas existentes no nosso País.
O Sr. Pinguelli foi muito feliz em seu discurso. É impressionante o que vem acontecendo no Brasil! Se resgatarmos um pouco a história da privatização, a forma como ela aconteceu, veremos que foi uma verdadeira ação entre amigos, com subsídio do BNDES, pagamento a perder de vista no estilo "Casas Bahia", esfacelamento das empresas, queda da qualidade - assunto que debatemos, no ano 2000, em um brilhante seminário promovido pela Comissão de Minas e Energia -, depredação do patrimônio público, desemprego...
Em São Paulo ocorreu um fato histórico. Pela primeira vez, a Avenida Paulista, o centro financeiro do País, ficou quatro horas sem energia. Este fato aconteceu recentemente, há uns dois meses - foi manchete em todos os jornais. Falou-se da privatização e da promessa do Governo de que ia melhorar a qualidade e uma série de coisas.
O desemprego aumentou de forma absurda! Em seguida, houve o racionamento. Quer dizer, se o consumidor não economiza, pode ter a energia cortada. Aumento de tarifa nem se fala! E, agora, o seguro-apagão.
Se observarmos um pouco a história deste Governo, perceberemos que ele vem só massacrando o povo. E tudo isso é maquiado, está por trás de uma ALCA, etc. Hoje, nas manchetes, o Sr. Colin Powell elogia a economia do Brasil. Por que eles estão fazendo isso? Quem não quer vir para o Brasil, que dá lucros fantásticos para banqueiros?! As empresas consideradas patrimônio nacional estão sendo doadas de maneira absurda. É lógico que o Brasil tem de ser elogiado e todo mundo queira vir para cá.
Vi matéria no jornal dizendo que tem um grupo norte-americano investindo na energia alternativa - não sei se o Prof. Ildo chegou a ver alguma coisa -, apregoando o cuidado com o meio ambiente, a não-poluição. No entanto, os Estados Unidos não assinaram o Tratado de Kyoto.
É impressionante verificarmos que são poucos os Parlamentares que realmente têm compromisso com a Nação, no sentido de sair em defesa de seu povo. A questão mais essencial para qualquer Parlamentar é defender o seu povo, a soberania, a nacionalidade, o que não está acontecendo agora.
As empresas estavam retendo o seguro-apagão e, agora, têm a chance de ficar mais quinze dias com o dinheiro, para depois repassá-lo. Onde vamos parar? É realmente caso de polícia!
Estamos em um momento importante: teremos eleições em breve e as máscaras estão caindo. Agora começou essa questão do Banco do Brasil, com relação à privatização da Vale do Rio Doce. E, com certeza, não demora mais dois meses, veremos esses fatos de forma mais clara.
Trava-se uma luta do tostão contra o milhão. No entanto, a imprensa não dá atenção a nós. A Rede Globo não está presente hoje. Não vi nenhum representante da grande imprensa na sala para destacar o nosso evento, que diz respeito a problemas que afetam todos os cidadãos. Ninguém está fora do processo do seguro-apagão. Até aquele que não tem emprego, que não está podendo pagar, está sendo taxado com essa tarifa. E, ainda assim, a grande mídia não dá destaque para nossa luta. O que devemos fazer? Cada entidade, dentro das condições que têm, carro de som, boletins etc., deve divulgar. É difícil, mas cada um fazendo um pouco não vai pesar.
Realmente, tem de ficar registrado o cinismo de vários Parlamentares que agora vão aparecer na televisão pedindo votos.
Neste momento, não poderia me furtar de fazer um destaque: o Deputado Luiz Antonio Fleury e o Deputado Fernando Ferro, desde a Comissão de Minas Energia, vêm desenvolvendo um trabalho ferrenho e, na maioria das vezes, se posicionando contra o Governo - acompanhamos isso direto -, até contra o próprio partido, em defesa do setor elétrico. Fizemos debates inclusive em São Paulo, quando do lançamento do livro sobre o resultado do Seminário do Colapso Energético. Na verdade, devemos somar forças com pessoas que estão compromissadas com nossa causa para tentar resgatar um pouco da dignidade que ainda resta ao povo e cobrar dos candidatos no dia da eleição.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Antonio Fleury) - Registro a presença do Deputado Jorge Bittar
Com a palavra o Sr. Agenor de Oliveira, próximo inscrito. Depois falará o Deputado Antonio Carlos Biscaia.
O SR. AGENOR DE OLIVEIRA - Boa tarde a todos. Meu nome é Agenor de Oliveira, do Ilumina. Temos um pouco de responsabilidade na organização deste evento e no longo processo de resistência a essa loucura elétrica que estão fazendo.
A minha intervenção, primeiro, é com relação ao que foi exposto pelo Prof. Ildo Sauer. Já está disponível no site do Ilumina nota de repúdio a essa tentativa de intimidação do Prof. Ildo Sauer e de outras pessoas que, de alguma maneira, vêm se manifestando contrariamente a esses equívocos que o Governo vem cometendo na área. Propomos que as entidades presentes subscrevam essa nota. O nosso objetivo é não só deixá-la no site, mas também encaminhá-la ao Ministro Pedro Parente e às demais autoridades que estão cometendo essa indignidade.
O Prof. Ildo Sauer já foi vítima de atitude semelhante e tivemos a mesma reação de apoiá-lo e de encaminhar nota de repúdio à universidade, na qual é coordenador dos cursos de pós-graduação na área de energia. Então, esse é o primeiro ponto que gostaríamos de deixar registrado.
Outra questão: é essencial a definição das datas do cronograma do Governo. Até agora não temos definido, de forma transparente, qual é o cronograma do Governo para o processo que eles pretendem fazer de desmonte das empresas. Quer dizer, a cada dia o BNDES ou a ELETROBRÁS divulgam calendários diferentes. E as ações formais dentro das empresas - as assembléias ordinárias de aprovação dos balanços, os atos societários que vão viabilizar o processo de decisão - estão sendo tomadas.
Houve, no Rio de Janeiro, uma reunião com a presença do Deputado Antonio Carlos Biscaia e de outros Parlamentares. Nela foi definido o indicativo que eu gostaria de apresentar como proposta concreta. Proponho que seja solicitada uma reunião com o Ministro de Minas e Energia para que S.Exa. esclareça esse calendário e alguns pontos fundamentais como, por exemplo, a realização de assembléia geral ordinária da ELETROBRÁS que viabilizará os passos fundamentais para cisão das empresas.
Desta vez, o Governo está agindo de forma diferente. No passado, tentou fazer as assembléias de cisão das empresas, e, posteriormente, da ELETROBRÁS, para formalizar esse processo de cisão, que não foi bem sucedido. Desta vez, ele está agindo de forma mais ardilosa, como diz meu querido companheiro João Paulo. Eles vão tentar fazer a cisão, na verdade, na assembléia geral ordinária da ELETROBRÁS, que se dará numa data que até hoje não sabemos qual é. Primeiro, seria no dia 15; depois, passou-se para o dia 20.
A rigor, seria fundamental, primeiro, que tivéssemos resposta a um pedido de informações que fizemos ao Conselho de Administração da ELETROBRÁS, no sentido de que eles apresentassem a documentação que dá consistência à contratação, em caráter de emergência, da consultoria que fez a modelagem da cisão. Entendemos que esse é um procedimento irregular, ilegal da ELETROBRÁS. Então, tudo aquilo que for feito a posteriori consideraremos irregular sob o ponto de vista jurídico.
É fundamental que haja a solicitação de uma reunião com o Ministro de Minas e Energia, que haja a disponibilização, por parte da ELETROBRÁS, dos documentos que viabilizaram a contratação dessa consultoria em caráter emergencial, sem concorrência, para que, aí sim, a partir da análise desses documentos, possamos pensar nos processos que envolverão as empresas. É fundamental que inviabilizemos, pelo seu caráter ilegal, a próxima assembléia da ELETROBRÁS.
Temos de chamar o Ministro de Minas e Energia e o Presidente do BNDES para que esclareçam isso. Acredito que a Ouvidoria da Câmara, os Parlamentares das Comissões de Minas e Energia e de Defesa do Consumidor têm essa missão. Se assim não procedermos, eles farão a assembléia da ELETROBRÁS. Depois, ficaremos combatendo assembléia por empresa, o que, na verdade, só ratificará, de alguma forma, aquilo que a assembléia geral da ELETROBRÁS - constituída pelos acionistas majoritários - decidir.
Sr. Presidente, solicito que essas medidas sejam tomadas, pois serão fundamentais para que possamos sustar efetivamente o processo. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Antonio Fleury) - Esclareço ao Sr. Agenor de Oliveira que a Ouvidoria poderá fazer todos os requerimentos de informações. É nosso papel. Nós, como Deputados, podemos requisitar as informações do Ministro. A Ouvidoria não tem poder para fazer o pedido de convocação, mas os companheiros o farão nas Comissões. Evidentemente, isso tem de ser feito através das Comissões Permanentes. Agora, os pedidos de informações que forem aprovados poderemos encaminhar através da Ouvidoria - e os faremos, sem dúvida alguma.
Com a palavra o Deputado Antonio Carlos Biscaia.
O SR. DEPUTADO ANTONIO CARLOS BISCAIA - Quanto à proposta do Sr. Drumond, sugiro exatamente isso. Suponho que a ameaça de processo foi em razão daquele documento que aponta indício de improbidade, questão de licitação emergencial, e assim por diante. Então, entendo que essa parte deva ser reproduzida e todas as pessoas que com ela concordarem a subscrevam. Assim, a encaminharemos ao Ministro, porque aí, eventualmente, se ele tiver de processar, se não for só uma ameaça dessas que ficam por aí, todos os signatários terão de ser processados também.
Há o princípio da indivisibilidade da ação, que nós, do Ministério Público, conhecemos. O Ministro Pedro Parente não pode escolher o Prof. Sauer por ter maior projeção, por ser mais incisivo nas suas afirmações. Ele não pode dizer: "Eu quero processar só esse". Não. Vamos preparar o documento. Eu mesmo o assinarei. Disponho-me a fazer isso. Outros o assinarão e o encaminharemos ao Ministro. Ele terá de processar a todos.
Era o que tinha a dizer. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Antonio Fleury) - Antes de passar às considerações finais, eu gostaria de saber se algum dos debatedores quer fazer uso da palavra. (Pausa.)
Com a palavra o Sr. Ildo Sauer.
O SR. ILDO SAUER - Só gostaria de fazer três esclarecimentos. Em primeiro lugar, o companheiro do Sul citou que a Tractebel/GERASUL tem um lucro de 580 milhões de reais, registrado em balanço publicado hoje na Gazeta Mercantil. Ela foi vendida há alguns anos por 945 milhões de reais. Se somarmos os lucros dos balanços de lá para cá... E isso me leva a outro ponto: a média de por quanto o Governo brasileiro vendeu o quilowatt hidráulico instalado. Foram vendidas as duas usinas de São Paulo, Tietê e Paranapanema, produzindo 4 mil e 600 megawatts, a da Cachoeira Dourada e as da Tractebel. O Governo vendeu por 1.630 reais o quilowatt instalado. De aluguel, por cada quilowatt das térmicas, por três anos em média, ele está pagando 3.200 reais - o dobro!
Por isso, respondo ao Deputado Clementino Coelho, e esta é a razão da minha intervenção: que, além do problema de o Governo ter colocado em vigor os contratos - se ele acreditasse no que disse, não poderia ter feito o que fez -, há o problema maior do preço. Não há como explicar esses números - 6,7 bilhões de reais...
Tivemos acesso a esses documentos porque apareceu um contrato ainda por assinar (o da Termocabo, de Pernambuco). Dizia-se que seriam gastos 30 milhões de dólares, ou 80 milhões de reais, confirmados pelo seu dono, depois, na entrevista. E este receberia de aluguel, por três anos (36 meses), 281 milhões de reais. Investigamos, fizemos esse relatório inteiro e, agora, temos a lista de todos os projetos. O Ministério Público já teve acesso a ele. É importante que a imprensa tome conhecimento sobre quais são essas empresas, suas histórias, suas relações.
O último ponto é um contraponto a isso tudo. Aproveito para cumprimentar o Deputado Luiz Antonio Fleury pelos seminários de 2000 e o atual. Eu apresentei uma denúncia no seminário de 14 de maio de 2000 de que, até então, haviam morrido 16 trabalhadores da COELCE. Recebi estarrecido, semana passada, a informação de que esse número pulou para 34. Em pouco mais de dois anos de gestão da COELCE pelo Grupo Endesa - primeiro era um grupo chileno; agora, espanhol -, 34 trabalhadores morreram.
A FNU já denunciou esse fato, mas é preciso lembrar que, evidentemente, se eu for ameaçado de processo por este Governo - como disse um colega outro dia - pode até ser uma honra. Sei que as conseqüências podem ser duras.
Estão matando aqueles que querem sobreviver com o seu trabalho por causa de uma das conseqüências mais nefastas dessa reforma: a desverticalização. Mostramos em São Paulo - eu e o Roberto como testemunhas do Ministério Público Federal e do Sindicato dos Engenheiros - que somos contra essa desverticalização, que há uma notória discriminação, ponto que não foi discutido. Além de estar inviabilizando as estatais, as empresas privadas estão tendo margens fantásticas sobre seus investimentos. Um exemplo que citei lá é que uma empresa que faz a linha Taquaruçu-Assis-Sumaré, presidida pelo irmão do Secretário de Energia de São Paulo, recebe de 20% a 35% sobre o capital como remuneração por ano. A estatal CETEP que resultou de lá, com um patrimônio de 14 bilhões de reais, tem como receita permitida 700 milhões, o que dá 5% sobre o capital. Se reduzirmos as despesas operacionais, chega-se a 2%, como o Maurício apresentou.
Também gostaria de registrar a discriminação odiosa que o Governo faz contra o capital público nesse processo, afora o resto.
Era o que tinha a dizer.
O SR. DEPUTADO LUCIANO ZICA - Eu não falaria agora, mas o Tiomno me deu uma idéia fantástica, e resolvi fazer uma sugestão. Temos neste evento um grande número de sindicalistas. Sugiro que a idéia do Biscaia de uma assinatura solidária no documento, assumindo a responsabilidade, fosse transformada num movimento nacional. Os nossos sindicatos colheriam assinaturas dos trabalhadores e encaminhariam um pacote com elas.
Faríamos um movimento, primeiro, com as pessoas que estão presentes, desencadeando posteriormente um processo nacional, até para divulgar o sentimento de repúdio à Medida Provisória nº 14 e à forma obscurantista como eles estão abordando o assunto. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Antonio Fleury) - Meus amigos, antes de encerrar, registro que no meu partido fui encarregado de fazer os estudos necessários. Fui assessorado por alguns companheiros que trabalharam comigo na época em que fui Governador e pelo pessoal do Sindicato dos Eletricitários.
Em um primeiro momento, o PTB fechou questão contra a Medida Provisória nº 14. O Ministro Pedro Parente solicitou uma reunião com a bancada. Até corri para pegar os números do Sr. Ildo Sauer, porque meu papel era sustentar o ponto de vista contrário à Medida Provisória nº 14. E, na oportunidade, perguntei ao Sr. Ildo se ele tivera acesso a esse documento.
Eu disse que houve, antes da privatização, um tarifaço. Recordo que, quando eu era Governador, diziam que não era possível aumentar a tarifa de energia porque ela influenciava o índice de inflação. Depois, parou de influenciar. Como num passe de mágica, fizeram um tarifaço para valorizar o setor elétrico para fins de privatização - foi essa a justificativa -, e nós pagamos por esse tarifaço.
Orgulho-me de ter colocado 9 turbinas para operar em Rosana, Três Irmãos e Taquaruçu. Só não coloquei a turbina reserva; ou seja, só coloquei as que geravam energia firme. Depois colocaram uma turbina que não gera energia firme em cada uma das usinas e as inauguraram como se tivessem feito as 9 turbinas. Isso consta inclusive como uma grande realização do Governo atual. Mas, na verdade, desde 1993 já estávamos gerando energia em Rosana, Taquaruçu e Três Irmãos.
Questionei o cálculo que estava sendo feito. Por que 7 bilhões e 400 milhões, e não 3 bilhões e 100 milhões, que seria o que eles deixaram de vender, ou seja, não era lucro? O argumento que me foi apresentado é de que havia despesas incomprimíveis. Tenho esse documento, que vou encaminhar. A empresa tinha que fazer aqueles gastos, qualquer que fosse a situação. Falei que isso fazia parte do risco do mercado.
Também perguntei por que os ganhos de eficiência não foram repassados ao consumidor, como determina a Lei de Privatização. Disseram que as empresas estavam tendo prejuízo. No dia seguinte saiu a relação de todas elas com o lucro.
Mas o mais grave, na minha avaliação, foi quando abordei a questão do seguro-apagão. Eu disse que o operador nacional do sistema tinha garantido que não havia qualquer risco de apagão no futuro. Pelo menos, até 2003 isso estava garantido. Então, por que já estávamos pagando por algo que o próprio operador nacional do sistema dizia que não iria ocorrer?!
Falei também que seguro - o Biscaia à tarde vai desenvolver esse raciocínio, tenho certeza - não pode ser imposto, como foi feito com o seguro-apagão. Disseram-me que não é seguro; é tarifa. Perguntei: "É seguro ou é tarifa?" Houve lá um certo inconformismo. Na verdade, o que temos é um seguro mesmo. Disfarçado com o nome que quiserem, mas é um seguro.
Até lancei mão de uma expressão que costumo usar, como caipira do interior de São Paulo, e fiz uma pergunta à qual os juristas que estavam lá, junto com o Ministro, não souberam responder. Disse o seguinte: "Sou do interior, e lá temos forno a lenha." Aliás, o forno a lenha voltou à moda graças ao apagão. Quem é do interior sabe que a gata, quando vai dar cria, procura ficar junto do forno a lenha. Aí perguntei: "O gato que nasce dentro do forno é gato ou é pão?" Todo mundo disse: "É gato." Eu disse: "Então, não adianta chamar de outro nome o que é seguro." Não importa o nome que derem, é um seguro. E é um seguro, a meu ver, absolutamente ilegal. Não pode ser cobrado dessa forma. Há medidas jurídicas que podem ser adotadas em relação a isso. O Ministério Público Federal poderia entrar com uma ação nesse sentido.
Terminamos a conversa, quando disse: "Todas essas empresas que já compraram na Bacia das Almas, financiadas, enfim, com tudo o que já foi citado, vão ser ressarcidas. Como é que vai ficar o Seu Zé, que é dono da sorveteria lá em Ibiúna, que teve de paralisar dois freezers para economizar energia, ou que só podia ligar o único freezer que tinha de manhã? O sorvete ficou mole e ele teve mais de 70% de prejuízo com o apagão. Será que vamos fazer também um tarifaço para beneficiá-lo de alguma maneira? E quantos brasileiros, principalmente donos de micro e pequenas empresas, tiveram prejuízos terríveis?"
Questionei a qualidade dos serviços de energia elétrica, dizendo que ela piorou após a privatização. Um dos assessores mordeu a isca e disse: "Não, porque diminuíram as reclamações." Falei: "É claro! Fecharam os postos de atendimento..." (Risos.) "Como é que queriam que aumentassem as reclamações?"
Isso é uma verdade.
O que fizeram com a população de baixa renda? Discutimos essa questão na Comissão de Minas e Energia. Eles fizeram um corte linear, e as pessoas tinham 90 dias para se manifestar. Só que não existia posto de atendimento. Quem mora em Rubinéia, por exemplo, no interior de São Paulo, se quiser reclamar pessoalmente, tem de andar 600 quilômetros até Campinas, porque não existe mais ponto de atendimento pessoal naquela cidade. Então, tem de reclamar por telefone, quando tem um. E outra coisa: tem de ler a conta de luz por telefone. Eu mal consigo ler a minha; imaginem o sujeito que mora em casa popular em Rubinéia!
Esse procedimento foi premeditado e bem articulado. Portanto, a intenção da Ouvidoria é buscar algumas ações práticas e efetivas, principalmente para que a população saiba o que está acontecendo, porque até agora sabe apenas que aumentou a conta de luz. Mas ela não sabe para onde está indo esse dinheiro. Vemos a ANEEL permitindo e ampliando prazo. Considero fundamental que tomemos essa posição.
O próximo tema que temos de enfrentar é com relação às Teles, porque a medida provisória delas não vai demorar muito.
Discutia-se muito, Prof. Pinguelli, o Anexo V das privatizações. Pelo jeito, a grande maracutaia está nesse anexo. Temos de examiná-lo, porque, suponha-se, tenha havido um desequilíbrio unilateral do contrato, e o Anexo V autorizaria esse tipo de reajuste. Confesso que não tive oportunidade de ver esse texto, mas ele precisa ser mostrado. Ele vai provar que, quando o contrato de privatização foi feito, já se tinha o objetivo de assegurar o capitalismo sem risco.
Esse Anexo V é um importante documento, porque, se realmente nele constar toda essa proteção a que o Prof. Pinguelli se referiu - não conheço, não tive oportunidade de analisá-lo em profundidade - talvez todo o mecanismo de proteção ao capital estrangeiro esteja nele contido. Então, ficará claro o objetivo, bem como a forma como as privatizações foram realizadas.
Farei mais uma observação. Falou-se rapidamente na questão do pagamento de juros. O Brasil vai comemorar o maior superávit primário da história: 29 bilhões de reais. O superávit primário, todos sabem, exclui o pagamento de juros. Teremos 29 bilhões de reais, mas vamos ter de pagar 60 bilhões de reais de juros.
Na verdade, a diferença de 31 bilhões de reais vai ser incorporada nessa montanha da dívida que está por aí. E a previsão para o ano que vem é de que, dos 150 bilhões de reais que serão arrecadados, mantido o atual sistema tributário, 92 bilhões de reais serão usados para pagamento de juros. Ou seja, estamos caminhando muito rapidamente para uma situação em que não teremos mais os nossos ativos, porque foram vendidos. Além disso, teremos de enfrentar o pagamento de juros exorbitantes, e, daqui a pouco, o pagamento de juros vai superar o Orçamento da União. É algo que também deve compor a preocupação de todos nós.
Vou encerrar a reunião. Agradeço a participação dos debatedores.
Convoco todos a comparecerem a este seminário às 14h45min para reiniciarmos os trabalhos. (Palmas.)
Está encerrada a reunião.
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