Enviado por luisnassif, qua,
24/07/2013 - 10:46
Mais
Médicos - texto essencial - Ação Civil Pública nº 5001429-38.2010.404.7106
(RS), se verifica que, desde 2006, médicos uruguaios trabalham no Brasil, vejam
os motivos que fundamentaram tal decisão
Prezados
Senhores, o que vem a seguir é essencial, não ao debate, mas a nós como seres
humanos
A
situação acima considerada, referente ao atendimento de médicos estrangeiros em
nosso país, já é realidade em cidades fronteiriças, no caso, no Rio Grande do
Sul (Trata-se da Ação Civil Pública nº 50014729-38.2010.404.7106)
E,
neste microcosmo, todas as pressões que são vistas a nível nacional, se
apresentaram da mesma forma aqui, num pequeno espaço da federação. Quando lemos
a narrativa, a sensação é de estupefação, e de indisfarçável desprezo pelas
pessoas que praticaram tais atos... que isso não se repita nunca mais... é o
que desejamos... mas não basta querer... é preciso agir...
.....
foi amplamente divulgado na mídia regional o fato de mais de 40 filhos de
brasileiros terem nascido em hospitais de Rivera, no Uruguai, precisamente pela
negativa de atendimento dos médicos brasileiros pelo SUS na Santa Casa de
Misericórdia de Santana do Livramento...
....
manifestação dos médicos de Santana do Livramento, formulada em 05/12/2006
através do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul - SIMERS, registrou que os
serviços médicos necessários somente seriam prestados mediante pagamento, além
da tabela do SUS, de valor que, distribuído nas diversas especialidades,
alcançasse montante mensal então especificado pelos médicos prestadores dos
serviços...
,,, Não há médicos dispostos a trabalhar em Quaraí,
e quando estes têm interesse, o preço dos honorários cobrados do hospital é
exorbitante....
... o impasse vivenciado não consiste na singela
escolha entre o médico uruguaio e o médico brasileiro, mas sim entre o médico
uruguaio ou nenhum médico...
.....
Aqui,
a situação posta já foi jurisdicionalizada, ou seja, não se trata de mero ouvi
dizer, como, via de regra, vemos no facebook, ou em depoimentos pontuais, que
servem aos interesses de quem os colhe e os divulga, como se fosse a verdade
real.
Não,
desta vez, o que está no mundo, está nos autos. Nesse caso, vocês poderão ver a
situação de toda uma região que sofreu, de uma forma inimaginável, a pressão de
parte de uma categoria que (preciso acreditar), em sua maioria, zela pela saúde
e preza o ser humano acima de tudo.
Reproduzo
parte da sentença, iniciando o texto a partir da contextualização do caso
concreto (aonde se pode ver o caráter dos envolvidos na demanda e os interesses
em conflito)
...
Autor
da Ação – CREMERS – Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul.
Segue
excerto da sentença - Ação Civil Pública nº 5001429-38.2010.404.7106 –
Confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região e a espera do julgamento
de Recurso Especial – STJ e Recurso Extraordinário - STF
...O atendimento médico pelo SUS na região
Essa
problemática nesta região não é nova, e remonta pelo menos ao ano de 2006
quando foi ajuizada pela Santa Casa de Misericórdia de Santana do Livramento a
AO nº 2006.71.06.002426-0 buscando amparo para contratação de médicos uruguaios
em face de semelhante negativa de atendimento, no hospital e ao SUS, por
médicos brasileiros.
É
relevante uma breve síntese daquela demanda (AO nº 2006.71.06.002426-0) porque
bem caracteriza a situação de fato que recorrentemente tem dado ensejo a tais
litígios: na ocasião restou constatado no processo, além de notório na comunidade
local, que por força da negativa da prestação de serviços ao SUS pelos médicos
de Santana do Livramento, em razão do decréscimo do aporte mensal de recursos
do Município do montante de R$ 110.000,00 para R$ 55.000,00 (complementar aos
pagamentos do SUS), o atendimento de saúde pública no Município esteve prestes
de entrar em colapso; foi amplamente divulgado na mídia regional o fato de mais
de 40 filhos de brasileiros terem nascido em hospitais de Rivera, no Uruguai,
precisamente pela negativa de atendimento dos médicos brasileiros pelo SUS na
Santa Casa de Misericórdia de Santana do Livramento; também notório que essa
situação caótica da saúde pública em Livramento estendeu-se às demais
especialidades, além da obstetrícia, restando a população mais carente ao total
desamparo do direito fundamental à prestação mínima de serviço de saúde;
manifestação dos médicos de Santana do Livramento, formulada em 05/12/2006
através do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul - SIMERS, registrou que os
serviços médicos necessários somente seriam prestados mediante pagamento, além
da tabela do SUS, de valor que, distribuído nas diversas especialidades,
alcançasse montante mensal então especificado pelos médicos prestadores dos
serviços; naquela oportunidade, diante da excepcional situação atinente à saúde
pública relativa ao SUS então configurada em Santana do Livramento, foi por
este juízo invocado o direito fundamental à saúde e reconhecida como legítima a
utilização, pelo hospital, excepcionalmente, da prestação de serviços de saúde
atinente ao SUS por médicos uruguaios não registrados no Conselho Regional de
Medicina, desde que constatada suficiente habilitação para exercício da
medicina nos padrões exigidos pela República Oriental do Uruguai.
No
presente caso concreto a situação é similar, informando a Fundação Hospital de
Caridade de Quaraí que '... tem enorme dificuldade em encontrar profissionais
da área médica para prestar atendimento à população. Não há médicos dispostos a
trabalhar em Quaraí, e quando estes têm interesse, o preço dos honorários
cobrados do hospital é exorbitante.'
Portanto,
repete-se, agora em Quaraí, RS, a recorrente problemática da negativa de
atendimento aos serviços do SUS por médicos brasileiros, ainda que os
pagamentos do SUS sejam acrescidos de parcelas subvencionadas de outras fontes,
salvo se alcançado o patamar pecuniário exigido.
Segundo
exsurge dos autos, o impasse vivenciado não consiste na singela escolha entre o
médico uruguaio e o médico brasileiro, mas sim entre o médico uruguaio ou
nenhum médico, já que os médicos brasileiros atuantes na localidade negam-se ao
atendimento pelo SUS, se não complementada a remuneração nos patamares
exigidos.
Tenho
que a questão encontra solução jurídica adequada tanto pelo viés dos direitos fundamentais
como também da correta interpretação do pertinente Acordo e seu ajuste
Complementar.
O direito fundamental à saúde
Indubitável
que em nosso sistema jurídico a saúde constitui importante direito fundamental
consagrado indiretamente no art. 1º, III (dignidade da pessoa humana) e no
caput do art. 5º (direito à vida), e diretamente nos artigos 6º e 196 (direito
à saúde) da Constituição Federal.
Nos
termos do art. 196 da Constituição Federal o provimento da saúde pública é
direito de todos e dever do Estado, cabendo tal responsabilidade
concomitantemente às esferas federal, estadual e municipal.
Se
por um lado os direitos fundamentais tem como uma de suas características a
constatação, ou possibilidade de proclamação ou reconhecimento independentemente
de uma situação subjetiva configuradora de uma relação jurídica subjetiva,
bastando-lhe uma posição subjetiva no âmbito de uma situação objetiva que lhe
caracterize, por outro, tenho como certo que toda e qualquer lesão ou ameaça de
lesão a direito, inclusive tratando-se de direito fundamental, resulta
inexoravelmente a configuração de uma relação jurídica subjetiva nos moldes
tradicionais.
Isso
nos é demonstrado no enfrentando na prática, na realidade social, de casos de
lesões a direitos fundamentais, onde o fenômeno se apresenta com certa clareza.
Ou
seja, não obstante o direito fundamental ter como uma de suas características a
desnecessidade, para sua invocação, de uma situação subjetiva, sua lesão ou
ameaça de lesão não escapa à configuração desse fenômeno, caracterizado pela
clássica relação jurídica subjetiva (assim entendida a regulação de situação de
fato intersubjetiva pelo direito posto, afirmando um direito subjetivo em prol
de um sujeito de direito, em contraposição a um dever jurídico de outro
sujeito, em face de um objeto).
Outrossim,
direitos fundamentais existem em nosso sistema que já trazem em sua matriz
constitucional a rotulação de uma relação jurídica subjetiva.
É
o caso do direito fundamental à saúde, para o qual há em nosso ordenamento uma
relação jurídica afirmada no próprio artigo 196 da Constituição, pois o
'direito de todos' à saúde, expresso nesse dispositivo constitucional, é
direito subjetivo da população, em contraposição ao dever jurídico do Estado
atendê-lo ao menos razoavelmente, em face do objeto 'prestação de serviço de
proteção à saúde humana'.
Neste
caso concreto, configurada a negativa de atendimento aos serviços do SUS por
médicos brasileiros - situação que extrapola a esfera privada dos médicos e do
hospital que aloca os serviços por afetar diretamente o direito fundamental à
saúde da população -, a situação efetivamente é excepcional em termos de
gravidade.
Face
à indispensabilidade de imediato desenlace em socorro do mínimo existencial da
população carente no que tange aos serviços de saúde pública, excepcional há de
ser a solução do caso, até que os setores competentes da administração pública
(Poder Executivo, nas três esferas) supram a lamentável lacuna verificada, pois
a população não pode perecer diante do impasse estabelecido.
Nesse
desiderato invoco a tese da eficácia horizontal do direito fundamental, de sua
multifuncionalidade, no sentido de possibilidade de bidirecionamento, podendo
tanto ser oponível diretamente ao Estado para que cesse a lesão ou ameaça de
lesão por ele causada (direito de defesa frente ao Estado) como podendo também
ser oponível ao Estado para que ele, o Estado, proteja juridicamente o titular
do direito fundamental de lesão ou ameaça de lesão advinda de outro cidadão ou
pessoa jurídica privada (direito a proteção jurídica prestada pelo Estado).
Imperioso
registrar que não obstante a realidade de a tabela do SUS prever valores baixos
para pagamento dos serviços na maioria dos procedimentos médicos, certo é que
no presente caso há aporte de complementação pecuniária mensal visando atender
remuneração digna para o profissional médico que atua pelo SUS, e o fato dessa
complementação não atender totalmente a pretensão dos profissionais não
implica, necessariamente, em contraprestação pelos serviços médicos a valor
vil.
A
esdrúxula situação configurada obviamente coloca em desamparo a população menos
favorecida sócio-economicamente, quando, repito, é certo que o provimento da
saúde pública é direito de todos e dever do Estado (Constituição Federal, art.
196), cabendo tal responsabilidade concomitantemente às esferas federal,
estadual e municipal que não têm logrado êxito no atendimento de saúde pública
sequer razoável à população.
Forçoso
ainda repetir, neste ponto, que não se trata de singela escolha entre médico
uruguaio e médico brasileiro, mas sim entre o médico uruguaio ou nenhum médico,
já que os médicos brasileiros atuantes na localidade negam-se ao atendimento.
Certo
é que a população não pode perecer diante do impasse estabelecido, cabendo ao
Judiciário prover solução imediata, em cunho emergencial, visando evitar
iminente colapso na saúde pública relativa ao SUS no Município de Quaraí, RS,
afetando a maioria da população desse município.
Para
proteção e restabelecimento desse direito são legítimas as medidas razoáveis
tendentes a atender o mínimo indispensável de prestação de serviços de saúde
humana à população, não encontrando óbices suficientes na legislação
infraconstitucional em razão de tratar-se de direito fundamental amparado diretamente
na Constituição Federal.
Ou
seja, em contraposição à previsão constitucional fundamental de provimento de
saúde à população, em níveis de atender os princípios do mínimo existencial e
da dignidade humana, não subsiste invocação da Lei nº 3.268/1957 que em seus
artigos 15 e 17 estabelece que o exercício regular da medicina somente é
exercido mediante registro do diploma perante o Ministério da Educação e
inscrição no Conselho Regional de Medicina.
Portanto,
independentemente de discussão quanto ao Ajuste Complementar ao Acordo para
Permissão de Residência, Estudo e Trabalho a Nacionais Fronteiriços Brasileiros
e Uruguaios, para Prestação de Serviços de Saúde, promulgado através do Decreto
nº 7.239, de 26/07/2010, a excepcionalidade da situação configuradora de lesão
ou ameaça de lesão ao direito fundamental à saúde legitima e autoriza, no caso
concreto, a excepcional aceitação do exercício da medicina no território
nacional por médicos uruguaios, independentemente de registro do diploma no
Ministério da Educação e inscrição no CREMERS, até que se restabeleça em
patamares razoáveis a prestação de serviços por médicos, brasileiros ou
estrangeiros, com diplomas registrados e inscritos naqueles órgãos.
O Acordo e seu Ajuste Complementar
Em
2004 entrou em vigor no Brasil o ACORDO ENTRE O GOVERNO DA REPÚBLICA FEDERATIVA
DO BRASIL E O GOVERNO DA REPÚBLICA ORIENTAL DO URUGUAI PARA PERMISSÃO DE
RESIDÊNCIA, ESTUDO E TRABALHO A NACIONAIS FRONTEIRIÇOS BRASILEIROS E URUGUAIOS,
internado no ordenamento jurídico brasileiro através do Decreto Legislativo nº
907/2003 e promulgado através do Decreto nº 5.105/2004.
Esse
Acordo criou direito ao cidadão fronteiriço, brasileiro e uruguaio, de residir,
estudar e trabalhar na respectiva localidade alienígena fronteiriça vinculada, nos
limites das Localidades Vinculadas listadas no anexo do diploma binacional,
quais sejam:
1.
Chuí, Santa Vitória do Palmar/Balneário do Hermenegildo e Barra do Chuí
(Brasil) a Chuy, 18 de Julio, Barra de Chuy e La Coronilla (Uruguai);
2.
Jaguarão (Brasil) a Rio Branco (Uruguai);
3.
Aceguá (Brasil) a Aceguá (Uruguai);
4.
Santana do Livramento (Brasil) a Rivera (Uruguai);
5.
Quaraí (Brasil) a Artigas (Uruguai);
6.
Barra do Quaraí (Brasil) a Bella Unión (Uruguai).
No
entanto, o texto original do Acordo não alcançou, no Brasil, as profissões cujo
exercício é regulamentado por lei específica, como no caso da medicina, por que
em tais casos (de profissões regulamentadas em lei) o exercício profissional
rege-se por lei especial que não resta derrogada pela norma de cunho geral,
como o Acordo, que devidamente internado em nosso sistema alcança nível de lei
ordinária, de alcance geral, e é direcionado a todas as profissões
indistintamente.
Assim,
mesmo após a entrada em vigor desse Acordo em 2004, para o exercício de
profissões regulamentadas em lei, com controle através de Conselho de
fiscalização profissional, o cidadão com formação profissional no exterior,
seja ele estrangeiro ou brasileiro, tem primeiramente que revalidar o diploma
em universidade brasileira nos termos preconizados no artigo 48 da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996), e, após, obter a
pertinente inscrição no Conselho profissional correspondente. Somente após esse
trâmite estará habilitado legalmente a exercer sua profissão no Brasil.
Em
síntese, essa é a regra em nosso sistema jurídico, a qual, repito, não foi
alterada quando da entrada em vigor do referido ACORDO em 2004, o qual, por ser
recepcionado pelo sistema brasileiro como norma jurídica de alcance geral de
mesmo nível hierárquico da lei ordinária, não se sobrepõe à norma especial que
é a lei ordinária que regula cada uma das tantas profissões regulamentadas no
Brasil, tampouco se sobrepõe à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(Lei nº 9.394/1996) que trata de matéria diversa.
Todavia,
essa situação jurídica se modificou substancialmente no que tange às profissões
que prestam serviço de saúde humana, tal como a medicina, com a internação e
recepção, no Brasil, em julho de 2010, do AJUSTE COMPLEMENTAR AO ACORDO PARA
PERMISSÃO DE RESIDÊNCIA, ESTUDO E TRABALHO A NACIONAIS FRONTEIRIÇOS BRASILEIROS
E URUGUAIOS, PARA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE SAÚDE, promulgado através do Decreto
nº 7.239, de 26/07/2010.
Dispõe
esse novo diploma legal binacional brasileiro/uruguaio, em complemento ao
Acordo promulgado em 2004, que:
Artigo
I
Âmbito
de Aplicação
1.
O presente Ajuste Complementar visa a permitir a prestação de serviços de saúde
humana por pessoas físicas ou jurídicas situadas nas Localidades Vinculadas
estabelecidas no Acordo para Permissão de Residência, Estudo e Trabalho a
Nacionais Fronteiriços Brasileiros e Uruguaios.
[...]
Artigo
II
Pessoas
Habilitadas
1.
O presente Ajuste Complementar permite às pessoas jurídicas brasileiras e
uruguaias contratarem serviços de saúde humana, em uma das localidades
mencionadas no Artigo I, de acordo com os Sistemas de Saúde de cada Parte.
2.
A prestação de serviços poderá ser feita tanto pelos respectivos sistemas
públicos de saúde quanto por meio de contratos celebrados entre pessoa jurídica
como contratante, de um lado, e pessoa física ou pessoa jurídica como
contratada, de outro, tanto de direito público quanto de direito privado.
Artigo
III
O
Contrato
1.
A prestação de serviços de saúde será feita mediante contrato específico entre
os interessados de cada país.
2.
As Partes Contratantes serão pessoas jurídicas de direito público e de direito
privado e as Partes Contratadas, pessoas jurídicas de direito público, pessoas
jurídicas de direito privado ou pessoas físicas.
3.
Os serviços contratados submeter-se-ão às normas técnicas e administrativas e
aos princípios e diretrizes do sistema de Saúde de cada Parte.
4.
O contrato terá por objeto a prestação dos seguintes serviços de saúde humana,
entre outros:
serviços
de caráter preventivo;
serviços
de diagnóstico;
serviços
clínicos, inclusive tratamento de caráter continuado;
serviços
cirúrgicos, inclusive tratamento de caráter continuado;
internações
clínicas e cirúrgicas; e
atenção
de urgência e emergência.
[...]
Conforme
se vê da transcrição retro, esse Ajuste Complementar ao Acordo, recepcionado em
nosso sistema no grau de lei ordinária, é norma especial relativa à 'prestação
de serviços de saúde humana por pessoas físicas ou jurídicas situadas nas
Localidades Vinculadas', abrangendo, portanto, o exercício da medicina, e por
ser norma especial especificada para essa seara laboral nessas localidades se
sobrepõe à norma especial relativa ao exercício da medicina no Brasil (Lei nº
3.268/1957) nos específicos pontos que disciplina, por ser mais recente e
especial para as Localidades Vinculadas, e, ainda, por ser norma
intergovernamental especial direcionada a nacionais fronteiriços brasileiros e
uruguaios, se sobrepõe à norma especial que regula a situação do estrangeiro no
Brasil (Estatuto do Estrangeiro, Lei nº 6.815/1980) no que tange ao
'estrangeiro uruguaio fronteiriço', também nos específicos pontos que
disciplina.
Registro
que o termo 'fronteiriço' aqui utilizado refere-se estritamente aos nacionais
fronteiriços brasileiros e uruguaios beneficiados pelo referido Acordo
promulgado no Brasil em 2004 e seu Ajuste Complementar promulgado em 2010,
conforme o rol das Localidades Vinculadas.
Portanto,
a prestação de serviços de saúde humana, no Brasil, por 'estrangeiro uruguaio
fronteiriço', específica e unicamente nas Localidades Vinculadas não mais se
regula exclusivamente pela Lei nº 3.268/1957, que disciplina o exercício da
medicina no Brasil, e pela Lei nº 8.615/1980, que regula a situação do
estrangeiro no Brasil, mas tem nova disciplina própria nos específicos pontos
dispostos pelo AJUSTE COMPLEMENTAR AO ACORDO PARA PERMISSÃO DE RESIDÊNCIA,
ESTUDO E TRABALHO A NACIONAIS FRONTEIRIÇOS BRASILEIROS E URUGUAIOS, PARA
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE SAÚDE, promulgado através do Decreto nº 7.239, de
26/07/2010, obviamente desde que esteja o médico uruguaio devidamente
habilitado nos termos da pertinente legislação uruguaia, que esteja munido do
pertinente documento de fronteiriço (carteira de fronteiriço) previsto no
Acordo, e, também, que a prestação de serviços ocorra nos estritos limites da
pertinente localidade vinculada.
Nos
termos do Acordo e seu Ajuste Complementar, a recíproca também deve ser verdadeira
no que tange ao exercício da medicina no território uruguaio por médicos
brasileiros qualificados pelo Acordo como nacionais fronteiriços brasileiros,
desde que esteja o médico brasileiro devidamente habilitado nos termos da
pertinente legislação brasileira, que a prestação de serviços ocorra nos
limites das localidades vinculadas arroladas no Acordo e que seja o médico
devidamente contratado nos termos previstos no Acordo. Mas essa é questão
estranha a esta lide, a ser enfrentada e decidida pelas autoridades uruguaias
competentes em face do pertinente caso concreto, se for o caso.
Não
está correta a tese defendida pelo CREMERS no sentido que o Ajuste Complementar
ao Acordo autoriza, não o médico fronteiriço trabalhar na localidade vinculada
limítrofe, mas sim os pacientes serem atendidos no país vizinho.
Isso
por que o texto do Ajuste em nenhum momento trata ou refere-se ao beneficiário
do serviço de saúde humana, que é o paciente, mas sim aos prestadores desse
serviço, sejam pessoas físicas ou jurídicas, sendo irrelevante o tratamento de
contratante ou contratado, contido no texto, pois é inexorável que toda
instituição ou estabelecimento encarregado de prestar serviços de saúde, seja
em nome próprio ou de terceiros, o faz por meio de prestadores executantes
diretos que são pessoas físicas (médicos, enfermeiros, fisioterapeutas etc), e
que todos os prestadores (físicos ou jurídicos) estabelecem entre si as
pertinentes contratações, restando inevitável serem qualificados ora como
contratantes, ora como contratados. O tratamento 'contratante' ou 'contratado',
utilizado no texto do Ajuste, não visa qualificar o beneficiário do serviço de
saúde, não diz respeito ao paciente ou cliente do serviço de saúde.
Relevante
registrar que a forte jurisprudência no sentido que o exercício profissional no
Brasil, por estrangeiros, deve ser antecedido necessariamente pela revalidação
do diploma em universidade nacional e pela inscrição no correspondente Conselho
profissional, não é pertinente a este caso, pois a questão ora tratada é
notadamente nova, posta no ordenamento jurídico nacional somente a partir da
edição do Decreto nº 7.239, em 26/07/2010, é matéria peculiar exclusivamente à
fronteira Brasil/Uruguai e ainda não foi objeto de enfrentamento exaustivo em
nenhuma instância judicial.
As
premissas jurídicas ora analisadas surgiram recentemente em nosso sistema,
trouxeram ao ordenamento pátrio substancial aporte no sentido de admitir
exceção à regra geral segundo a qual o exercício das profissões regulamentadas
pelos Conselhos profissionais somente é possível mediante inscrição em seus
quadros.
A
única jurisprudência relativa a caso idêntico a este é a decisão proferida no
AI nº 5009473-24.2010.404.0000/RS, 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, relator o eminente desembargador federal Fernando Quadros, decidido por
unanimidade em 14/06/2011 no mesmo sentido do entendimento adotado por este
juízo, nos seguintes termos:
EMENTA
ADMINISTRATIVO.
CONTRATOS. ACORDO INTERNACIONAL DE INTERCÂMBIO DE SERVIÇOS. MÉDICOS FORMADOS NO
EXTERIOR. REVALIDAÇÃO DE DIPLOMA. INSCRIÇÃO NO CONSELHO REGIONAL DE MEDDICINA.
INEXIGIBILIDADE.
1.A
ausência de revalidação de diploma obtido no estrangeiro, bem como de inscrição
no Conselho Profissional competente, não tem o condão de afastar as regras
inseridas no ordenamento jurídico por tratado internacional, no caso,
conferindo direito de intercâmbio de serviços médicos em localidades
fronteiriças.
2.
Deve ser mantida decisão que indefere antecipação dos efeitos da tutela na ação
civil pública visando a suspensão do exercício das atividades dos médicos
uruguaios contratados para prestar serviço de saúde, em face do Decreto nº
7.239, de 26 de julho de 2010.
...........
No
mesmo sentido, no AI nº 5007820-50.2011.404.0000/RS, 3ª Turma do TRF/4, foi
indeferido em 06/09/2011 o efeito suspensivo requerido pelo CREMERS, quanto ao
deferimento, por este juízo, de antecipação de tutela na AO nº
5000574-25.2011.404.71.06 em favor da Santa Casa de Misericórdia de Santana do
Livramento, RS, legitimando, em caso similar, a contratação emergencial de
médicos uruguaios pelo hospital santanense.
Todo
o demais cabedal de jurisprudência colecionado até então em nossos tribunais
quanto à exigência de revalidação de diplomas estrangeiros e inscrição em Conselhos
profissionais para exercício válido de profissões no território nacional foi
produzido e assentado em premissas diversas das pertinentes a este caso,
baseado em situações de fato que não se identificam com este caso concreto.
Boa
ou má, estamos diante de importante inovação jurídica introduzida no Brasil a
partir de 26/07/2010 por tratado internacional, devidamente firmado e
ratificado pelo Brasil, recepcionado pelo Congresso Nacional (Decreto
Legislativo nº 933/2009) e promulgado pelo Poder Executivo (Decreto nº
7.239/2010), em total conformidade com a Constituição Federal, estando,
portanto, sob o manto de total legitimidade.
Tendo
o Brasil firmado esse Acordo e seu ajuste Complementar, não há como,
legitimamente, negar-lhe vigência em território nacional, sob pena de
assentamento e consagração da pecha, infelizmente até certo ponto adequada, de
país leviano no trato das questões internacionais, pelo fato de seguidamente
aderir ou firmar tratados no âmbito da comunidade internacional e, recorrentemente,
no âmbito interno, negar-lhe vigência ou dificultar-lhe sobremaneira a
necessária efetividade, notadamente através da Administração.
Obviamente,
a República Federativa do Brasil poderá, querendo, denunciar o referido Ajuste
Complementar, nos termos de seu Artigo XII, em decisão e atuação políticas no
âmbito das relações internacionais, no exercício da soberania nacional. Mas,
enquanto tal não ocorrer, não pode singelamente negar-lhe vigor, deixando de
aplicá-lo, à míngua de qualquer mácula de inconstitucionalidade ou
ilegitimidade latu sensu. E não cabe ao operador do Direito ou qualquer órgão
ou agente da Administração deixar de aceitar sua aplicação, não obstante
visível que pode fragilizar, em determinadas circunstâncias, o controle
qualitativo do exercício da medicina e outras profissões de prestação de
serviços de saúde humana em território nacional, o que, todavia, pode e deve
ser mitigado por medidas adequadas e oportunas a serem tomadas pelos setores
envolvidos.
Inexorável
é que esse AJUSTE COMPLEMENTAR AO ACORDO PARA PERMISSÃO DE RESIDÊNCIA, ESTUDO E
TRABALHO A NACIONAIS FRONTEIRIÇOS BRASILEIROS E URUGUAIOS, PARA PRESTAÇÃO DE
SERVIÇOS DE SAÚDE trouxe profunda inovação em nosso sistema jurídico,
permitindo que 'estrangeiro uruguaio fronteiriço', devidamente habilitado para
o exercício de sua profissão em seu país, possa prestar serviços de saúde
humana no Brasil, nos limites da pertinente localidade vinculada, desde que
contratado nos termos dessa norma e seja portador do pertinente documento especial
de fronteiriço.
Consigno
que o Conselho autor maneja um sofisma ao afirmar, no evento 59, que o
Ministério das Relações Exteriores informou que os médicos que se beneficiam
dos Acordos de Residência estão sujeitos ao mesmo tratamento dispensado aos brasileiros
que obtêm seus diplomas de graduação em instituições estrangeiras, sendo também
nesse sentido o parecer exarado pela Advocacia Geral da União.
Ora,
como se vê do documento juntado no evento 59, a informação do Ministério das
Relações Exteriores diz respeito especificamente a Acordos de Residência
diversos do discutido nesta ação, o primeiro para nacionais de todos os Estados
Partes do MERCOSUL, promulgado através do Decreto nº 6964/2009, e o segundo
para nacionais dos Estados Partes do MERCOSUL, Bolívia e Chile, promulgado
através do Decreto nº 6975/2009.
Diversamente,
esta ação discute especificamente o ACORDO ENTRE O GOVERNO DA REPÚBLICA
FEDERATIVA DO BRASIL E O GOVERNO DA REPÚBLICA ORIENTAL DO URUGUAI PARA
PERMISSÃO DE RESIDÊNCIA, ESTUDO E TRABALHO A NACIONAIS FRONTEIRIÇOS BRASILEIROS
E URUGUAIOS, promulgado através do Decreto nº 5.105/2004, e seu posterior
aperfeiçoamento pelo AJUSTE COMPLEMENTAR AO ACORDO PARA PERMISSÃO DE
RESIDÊNCIA, ESTUDO E TRABALHO A NACIONAIS FRONTEIRIÇOS BRASILEIROS E URUGUAIOS,
PARA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE SAÚDE, promulgado através do Decreto nº
7.239/2010, o qual trata de forma peculiar a questão modificando
substancialmente a situação jurídica no que tange às profissões que prestam
serviço de saúde humana nas localidades vinculadas relacionadas nesses
diplomas, exclusivamente para o caso da fronteira Brasil/Uruguai, e não para
todo o MERCOSUL e associados.
Ademais,
relevante registrar que após percorrido e transcorrido o iter de internação dos
Acordos e Tratados no Brasil, como no caso, esses diplomas passam a ostentar o
grau hierárquico de lei ordinária, devendo como tal ser interpretados e
aplicados.
A
cláusula de solução de controvérsias, contida no Artigo XIII desse Ajuste
Complementar, que estabelece que eventuais divergências, dúvidas e casos
omissos decorrentes da interpretação e aplicação da norma serão solucionados
por via diplomática, se destina a uniformizar a interpretação e aplicação em
ambos os países, a dirimir assimetrias interpretativas e a espancar dúvidas
razoáveis, mas de maneira alguma submete a aplicação do Ajuste a
circunstanciais negociações futuras como se estivesse permanentemente
'inacabado' e sujeito a contingenciais idiossincrasias, notadamente com vista a
furtar-se da integral ou correta aplicação no âmbito do ordenamento jurídico
vigente, como parece ser da lamentável cultura político-administrativa
brasileira no trato dessa espécie legislativa. Tenho que somente quanto a casos
omissos a cláusula de solução de controvérsias ostenta a qualidade de norma em
branco, pois nessa hipótese se estará diante de sub tema ainda não
disciplinado, sequer implicitamente.
Quanto
ao parecer nº 563 da Advogada Geral da União, juntado no evento 56, anoto que
foi elaborado em sede de consultoria jurídica do Ministério da Saúde e tem viés
nitidamente parcial no sentido da pretensão do consulente Conselho Federal de
Medicina, e não contém elementos suficientes para alterar o convencimento deste
juízo, notadamente à míngua de isenção, pois notório que os pareceres jurídicos
de órgãos tais inexoravelmente forçam interpretações e garimpam conclusões no
sentido pretendido ou determinado pela Administração.
Alegações
de conduta processual de má fé e requerimento do MPF
Quanto
ao teor dos documentos 'OUT3' e 'OUT4' do evento 94 (publicações em noticiário
eletrônico uruguaio - Diário EL PAIS, Montevidéu, em 08/07/2011 e 10/07/2011),
deles se extrai a seguinte notícia, manifestamente inverídica:
El
sindicato de médicos de Río Grande del Sur (Simers) publicó el 5 de junio una
nota de advertencia a los gobiernos locales en la que informa que una decisión
del Tribunal Regional Federal (TRF) 'impide que los médicos uruguayos sin
revalidación de diploma y registro en el Consejo de la categoría de trabajo en
Brasil cumplan funciones para las prefecturas'. Otra denuncia fue presentada
ante la Policía Federal. De hecho, en Quaraí fueron detenidos y sometidos a
proceso cuatro médicos uruguayos contratados por la Prefectura (alcaldía)
local, denunciados por ejercicio ilegal de la medicina.
Também
consta no noticiário que 'En la frontera entre Quarai y Artigas fueron cuatro
los médicos juzgados y acusados como si hubiesen cometido un delito', o que
também é manifestamente inverídico.
Efetivamente,
tal notícia veicula severas inverdades, mas sua autoria é atribuída, pelo
noticiário, ao SIMERS (Sindicato dos Médicos do Rio Grande do Sul) que não é
parte neste processo, e não ao CREMERS que é o autor desta ação, não cabendo
responsabilização processual por ato de quem não integra a relação.
A
medida judicial cabível nesse caso já foi tomada na decisão do evento 14 da
Ação Ordinária nº 5000574-25.2011.404.7106, em apenso, requisitando à Polícia
Federal a investigação de fatos e notícias inverídicas pertinentes a esta Ação
Civil Pública e àquela Ação Ordinária, atribuídos ao SIMERS, o que gerou a
instauração do inquérito policial nº 82/2011, processo eletrônico nº
5000966-62.2011.404.7106, em andamento.
Quanto
ao teor do documento 'OUT5' do evento 94 (pg 7 da Revista CREMERS de junho de
2011), comentando a decisão liminar deste feito, tenho que não caracteriza a má
fé alegada.
O
mesmo ocorre com os argumentos e documentos trazidos pelo CREMERS no evento 59,
decidido por este juízo no evento 64, que estão no âmbito da possibilidade
argumentativa legitimada pelo princípio do contraditório, tentando demover o
juízo do convencimento adotado na decisão liminar. Também nesse âmbito se situa
a manifestação do hospital ré com a petição, documentos e argumentações
contidas no evento 94.
Assim,
tenho que não devem ser acolhidas as postulações, tanto da Fundação Hospital de
Caridade de Quaraí como do CREMERS, para condenação da parte adversa em
litigância de má fé, haja vista que no contexto da complexidade e intensidade
argumentativa da causa os elementos e alegações trazidos nos eventos 94 e 104
não confortam tais pretensões por não caracterizarem suficientemente a má fé
subjetiva das partes deste processo, o que entendo imprescindível para essa
pena processual.
Por
outro lado, deve ser deferido o requerimento do MPF contido na manifestação do
evento 124 para que sejam remetidos à Delegacia de Polícia Federal de Santana
do Livramento as petições e respectivos documentos constantes nos eventos 94 e
104 desta Ação Civil Pública, assim como cópia desta sentença, a fim de
instruir o inquérito policial nº 82/2011, processo eletrônico nº
5000966-62.2011.404.7106.
Desfecho da demanda
Pelas
razões acima assentadas tenho que é legítimo, na excepcional situação
configurada nos autos, a Fundação Hospital de Caridade de Quaraí valer-se de
profissionais de saúde uruguaios (aí incluídos os médicos) para a prestação de
serviços de saúde à comunidade fronteiriça integrante do Município de Quaraí,
RS, independentemente de revalidação de diplomas em universidades brasileiras e
inscrição no Conselho Regional de Medicina.
DISPOSITIVO
Diante
do exposto, julgo improcedente o pedido desta Ação Civil Pública com base no
artigo 269, I, do CPC, nos artigos 1º, III, 5º, caput, 6º, caput, e 196 da
Constituição Federal, no Ajuste Complementar ao Acordo para Permissão de
Residência, Estudo e Trabalho a Nacionais Fronteiriços Brasileiros e Uruguaios,
para Prestação de Serviços de Saúde, promulgado através do Decreto nº 7.239, de
26/07/2010, e na Lei nº 7.347/1985.